Quase mudou o curso da história, mas a História deixou-a quase esquecida. Violet Gibson, a “louca”, que quase assassinou o ditador Mussolini, terá uma placa em seu nome erguida na Irlanda
Uma das quatro tentativas de assassinato de Benito Mussolini, líder do Partido Nacional Fascista e primeiro ministro de Itália desde 1922, e considerado uma das figuras-chave do fascismo na Europa no século passado, e a que mais perto ficou do seu objetivo, foi perpetrada por Violet Gibson, em 1926. No entanto, apesar de amplamente noticiada na altura, foi a única que não mereceu grande atenção da História.
Baseado no livro “The Woman Who Shot Mussolini”, 2010, de Francis Stoner-Saunders, o documentário em áudio, em 2014, de Siobhán Lynam, deu-lhe outra projeção, e, em 2020, a tentativa de assassínio deu origem ao filme “Violet Gibson, The Irish Woman Who Shot Mussolini”, dirigido por Barrie Dowdall, marido de Siobhán.
Agora, um século depois, o seu feito será homenageado na Irlanda, onde Mannix Flynn, conselheiro municipal de Dublin, apresentou uma moção para que fosse erguida uma placa em sua honra.
“Convinha tanto às autoridades britânicas, como à sua família considerá-la [a Violet Gibson] ‘louca’ em vez de ativista. É agora a altura de trazer Violet Gibson para o olhar público e dar-lhe o seu merecido lugar na história das mulheres irlandesas e na história da sua nação e das suas pessoas” escreveu Mannix na moção. Contando já com o apoio da família de Violet Gibson, espera-se que a proposta avance, nas próximas semanas, para o comitê municipal seguinte. Mannix adiantou ainda à BBC que a placa ficará na casa de infância de Violet, na área de Merrion Square, no centro de Dublin, se o proprietário da casa o autorizar.
Quem foi Violet Gibson?
Violet nasceu a 31 de agosto de 1876, na capital irlandesa, filha do aristocrata, advogado e político Edward Gibson, que ocupava na altura o mais alto cargo legal do país, o de Lorde Chanceler da Irlanda. Cresceu dividindo o seu tempo em viagens entre Dublin e Londres, frequentou a corte da Rainha Vitória e esteve noiva de um artista, que morreu antes de casarem.
Na História ficou registrada como uma “louca”, obcecada com religião e com a ideia de que tinha de cometer um sacrifício. Antes de se mudar para Roma, onde viveu num convento, diz-se ter estado num hospício em 1922. Terá tentado cometer suicídio em 1925, sem sucesso, tendo a bala que alvejou no seu próprio peito feito ricochete na costela, salvando-lhe assim, a vida.
Foi aos 50 anos, a 7 de abril de 1926, que se dirigiu para Piazza del Campidoglio, em Roma. Do meio da multidão ergueu a mão, não para saudar o ditador, que regressava ao carro depois de discursar numa conferência internacional de cirurgiões, mas antes para o alvejar à queima roupa. No exato momento em que Violet disparou, estudantes que se encontravam na multidão começaram a cantar uma canção fascista, em celebração do líder. Isto fez com que Mussolini virasse a cabeça na direção dos estudantes, desviando-se da bala, que apenas lhe acertou de raspão no nariz. Ainda disparou mais uma vez, mas a segunda bala ficou encravada no cano da pistola, descreve Siobhán Lynam no documentário.
A multidão apressou-se a deitar Violet ao chão, de onde só foi retirada por uma intervenção policial, impedindo que fosse seriamente agredida.
Já Mussolini, fez questão que não fosse dada qualquer atenção ao incidente e, horas depois, voltou a aparecer em público com um penso no nariz. Francis Stoner-Saunders escreveu no seu livro que o líder italiano ficou envergonhado com a situação, não só pelo fato de os seus seguranças terem falhado, mas também por ter sido alvejado por uma mulher. “Ele era muito misógino, tal como o resto do regime fascista. Ficou chocado por ter sido alvejado por uma mulher, e que esta fosse estrangeira. Foi uma lesão no seu ego”, acrescenta ao jornal The World.
Por este motivo, o ditador não quis que a irlandesa fosse a julgamento em Itália. Ao invés, foi feito um acordo para que fosse deportada para Inglaterra, onde dois médicos a consideraram louca, com o consentimento da família Gibson, que achavam o seu ato uma vergonha para a família. “Foi libertada [de Itália] com a condição de ser presa para o resto da vida” afirmou Siobhán à BBC.
Violet foi, então, enviada para um hospital psiquiátrico de St Andrews em Northhampton. Francis admite que, apesar de Violet ter tido problemas de saúde mental e esgotamentos nervosos no passado, convinha a Mussolini que esta fosse retratada como louca, em vez de indignada com a sua política. A escritora defende ainda que o tratamento dado à irlandesa foi o típico da altura, sendo habitual, em 1920, considerar mulheres como loucas. “Excluía a possibilidade de que alguém pudesse ser louco ou ter momentos convencionalmente descritos como loucura, e ter também pensamentos políticos legítimos. Como ela tinha”, acrescenta.
O que leva Siobhán e o marido, Barrie, a acreditar que Violet não era louca, são as cartas que a mesma escreveu apelando para que fosse libertada do hospital. Nunca foram enviadas, mas eram destinadas a importantes figuras como a Princesa Isabel (atual rainha britânica) e Winston Churchill, que se pensa ter conhecido Violet pessoalmente, durante a sua infância na Irlanda. “Se este feito tivesse sido perpetrado por um homem, havia provavelmente uma estátua ou alguma coisa erguida. Como era mulher, foi presa. Violet Gibson foi bastante corajosa no que fez, e entre ela e Benito Mussolini, e todas as coisas que este fez, quem é que era realmente louco?”, acrescentam os autores ao canal noticioso.
Violet morreu com 79 anos no hospital de St Andrews. Nenhum dos seus familiares esteve presente no funeral. Foi enterrada no cemitério de Kingsthorpe, em Northhampton, com uma lápide simples que apenas contém o seu nome e as datas de nascimento e morte.
Nunca saberemos como se teria dado a história se tivesse conseguido matar Mussolini naquele dia. Mas podemos imaginar que teria mudado o decorrer da Segunda Guerra Mundial. Teria um novo líder italiano apoiado Hitler no conflito mais letal da história da humanidade?
Fonte: https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2021-03-22-violet-gibson
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