As sociedades ‘vegetaristas’ alcançaram popularidade pelas mãos do naturismo e do anarquismo em princípios do século XX
Por Ana Vega Pérez de Arlucea | 22/04/2021
VEGETARIANOS! Comprem pão integral marca Ceres na padaria de Eduardo Miguel, Portugalete.
Talvez vocês se surpreendam ao saber que esse anúncio comercial já tem um século de antiguidade e que quando foi publicado, por volta de 1922, o vegetarianismo estava tão em voga como para protagonizar anúncios na imprensa, livros de receitas e comícios. A dieta estritamente vegetal conseguia cada vez mais adeptos em Euskadi e o fazia graças a correntes como o higienismo, o nudismo e o anarquismo.
As primeiras sociedades vegetaristas – assim eram conhecidas então – haviam aparecido na Europa em princípios do XIX defendendo a abstinência de carne desde a religiosidade cristã e a mortificação do espírito, mas também como solução a certas enfermidades ou problemas sociais. Diferente de agora nem o bem-estar animal nem a responsabilidade moral foram os argumentos principais do movimento vegetariano.
Desde uma perspectiva médica e antropocentrista, a doutrina acreditava que melhorando o corpo se melhorava a mente e com isso se beneficiaria a sociedade, de modo que uniu sob um mesmo guarda-chuva práticas como o nudismo, o esporte, o controle de natalidade, a renúncia a substâncias excitantes (café, álcool, tabaco, drogas…) e claro o vegetarianismo, que era o que hoje qualificaríamos de veganismo posto que não contemplava o consumo de ovos, lácteos nem pescados.
Durante os primeiros anos do século XX os vegetarianos se aproximaram cada vez mais dos postulados anarquistas. Para os ácratas ‘verdes’, a carne e o álcool eram venenos que o capitalismo e o socialismo tabernário – sim, este conceito existiu – usavam para controlar a classe trabalhadora. Os proletários tinham que acabar com o Estado e suas opressões mediante a luta obreira e a educação, mas seus corpos também deviam ser liberados através da higiene, da saúde, do ar livre, do exercício e da nudez.
Dois homens diferentes
A dieta vegetariana era parte fundamental desse regime de vida ideal e como tal havia de ser incluída entre os objetivos do anarquismo. A crescente politização do veganismo fez com que seus seguidores se dividissem em dois grupos: os que se identificavam com as ideologias libertárias e os que viam o vegetarianismo como uma opção pessoal apolítica. Estas duas correntes foram encarnadas em Euskadi por dois homens muito diferentes, mas unidos por sua fé na alimentação verde.
Podem vê-los retratados na imagem acima: o da esquerda se chamava Ricardo García Gorriarán e foi presidente tanto da Sociedade Vegetariano-Naturista de Vizcaya como da Associação Teosófica basca. Intelectual, sensível e com tendência a místico, Gorriarán teve uma livraria na bilbaína Plaza Nueva na qual vendia manuais espirituais e livros de receitas vegetarianas.
Em 1918 foi eleito líder da nova e extravagante sociedade vegetariana vizcaína, que organizava excursões nudistas à praia e, tal e como anunciava EL CORREO em junho desse ano, serviria “para a propagação de uma alimentação e uma vida em harmonia com a natureza, ao mesmo tempo mais saudável, moral e econômica que o regime cárneo”.
Médico e deputado anarquista
O outro apóstolo do vegetarianismo basco foi o doutor Isaac Puente Amestoy (1896-1936), nascido em Las Carreras (Abanto) e desde 1919 médico rural no partido alavés de Maeztu. Deputado provincial de Álava e membro da CNT-FAI, foi um dos maiores promotores da alimentação consciente e costumava prescrever a seus pacientes uma dieta livre de carne como tratamento médico.
“A alimentação mais conforme com nosso aparato digestivo é a vegetal, ela é suficiente para a nutrição do homem em todas as idades”, escreveu Puente em ‘El comunismo libertario y otras proclamas insurreccionales y naturistas’ (1933). O médico e político foi fuzilado pelas tropas franquistas em 1º de setembro 1936 perto de Pancorbo (Burgos).
Traduzir > Sol de Abril
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