Por Guillermo Martínez| 12/08/2021
Tudo partiu de uma pergunta entre o passado e o presente: Que fizeram os anarquistas espanhóis durante uma série de anos para conseguir tal enraizamento do libertário que não se deu em outras latitudes? Juan Pablo Calero, doutor em História Contemporânea, encontrou a resposta. A chave esteve na forma de socializar e, nela, o teatro. Em ‘Antología del Teatro Anarquista (1882-1931)’ (LaMalatesta, 2020), este historiador oferece as chaves para entender a importância destas representações que percorreram grande parte dos ateneus e centros obreiros dispersos pelo país naquela ocasião.
“O teatro desenvolvia dois aspectos muito importantes. Por um lado, tornava visível o projeto anarquista, e o tornava visível para todo mundo, sem nenhum tipo de distinção. Por outra parte, as obras se convertiam em um vívido exemplo de ação e solidariedade libertária, pois seus autores eram grupos de aficionados com escassos meios que escreviam suas próprias obras e que nas funções realizavam coletas dedicadas a ajudar os presos ou greves”, explica o próprio Calero.
Sabiam que os obreiros, certamente, não liam sisudos tratados de filosofia, mas também sabiam que se podia chegar a eles de outra forma e fazê-los ver que o anarquismo não é uma utopia, mas uma realidade que puderam chegar a compreender através do teatro. Nasceu na marginalidade, sem nenhum tipo de pretensão a nível comercial, e dirigido a um espectador muito concreto: o único setor da sociedade que podia ver representada sua realidade e aspirações por meio destas obras.
A monografia começa em 1882, o ano em que aparece a primeira obra de teatro especificamente anarquista. Trata-se de “La mancha de yeso”, escrita por Remigio Vázquez, um carpinteiro madrilenho. Conclui em 1931, ano da proclamação da Segunda República, ainda que este não seja o motivo de dita fragmentação. “Durante este período de tempo o teatro se baseia no naturalismo, em expor de forma dura e crua a realidade social acompanhado de uma proposta de liberação e emancipação”, explica Calero. As coisas mudaram em 1931, quando o teatro passa a ser mais revolucionário com o início das vanguardas que tanto influíram durante o período republicano e a Guerra Civil.
O êxito extraordinário que este tipo de teatro experimentou durante aqueles anos não finalizou com a chegada da ditadura franquista, mas que perdurou no exílio. Mas quem eram os autores das obras? Segundo o historiador, há três tipos. Por um lado, aqueles personagens destacados do movimento libertário que em algum momento dado, em seu afã de divulgação, decidem escrever este tipo de representações. Exemplo deles são Anselmo Lorenzo na Espanha e Errico Malatesta na Itália.
Por outra parte, outros escritores criam obras de marcado caráter anarquista, ainda que sua evolução posterior não correspondesse com isso, como Eduardo Marquina. Por último, os mais destacados neste terreno, os anarquistas de base. São mestres racionalistas e obreiros com ofícios artesãos, por exemplo, que escrevem as obras para que sejam representadas pelos quadros teatrais de sua própria localidade, saindo dos municípios aquelas criações com maior êxito. “Na imprensa anarquista, muitas vezes apareciam mensagens perguntando se alguém tinha o libreto de uma obra da qual tinham ouvido falar porque queriam representá-la em sua localidade”, assinala Calero.
Muitos dos ateneus e sociedades obreiras da época já contavam com teatros próprios como espaço de socialização importante. Se não, os salões de atos valiam para isso. “Se costumava levar a cabo entendendo a carência de meios, assim que eram representações sem montagens muito complicadas”, continua o autor. Alguns desses salões acolheram representações escritas por José Fola Igurbide, reconhecido anarquista tolstoniano pelo qual tanto libertários como marxistas sentiam verdadeira paixão. De fato, muitas de suas obras seguiram representando-se no exílio na América após a chegada do ditador Franco ao poder na Espanha.
“O que se pode aprender do teatro anarquista é a importância que tinha como vitrine à sociedadee a perspectiva de futuro que oferecia. Muitas vezes se acusa a literatura, o teatro ou o cinema de que são alheios à realidade das pessoas, ou que a sociedade não se vê representada nesses produtos culturais. O teatro libertário sai disso, pois os espectadores viam como sua miséria cotidiana não era algo particular deles mesmos, mas comum e coletiva, algo compartilhado, o que os impulsionava a buscar soluções coletivas”, explica Calero.
Ao fim e ao cabo, tratava-se de um teatro feito pelo povo, e não para o povo. Este traço fundamental os fazia articular as criações em torno a um esquema baseado na crítica social que refletia uma situação cotidiana: uma greve, um conflito ou um acidente laboral. “Isto atraía e fazia com que as pessoas se engajassem”, aponta o escritor. Um segundo elemento valia para ampliar o público potencial da obra. Trata-se do conflito romântico, que também estava presente nas criações e no qual também, de forma pioneira, a mulher nem sempre tinha uma visão passiva do assunto. Sem ir mais longe, em uma obra de Antonio Hoyos e Vinent, autor recolhido na Antologia, a protagonista acaba assassinando o homem que a assedia.
Um terceiro elemento é o que faz com que o teatro fosse anarquista, e não meramente social: o final emancipador. “Não tinha por que ser exitoso, mas sim dava uma mensagem liberadora em que, por certo, quase nunca se utilizava a violência. Enquanto que sempre vemos e lemos obras que abordamo anarquismo com a violência como algo fundamental, no teatro escrito por libertários resulta algo muito marginal. Eles são quem as sofrem, não quem a praticam”, explica Calero. Seu êxito estava servido quando as pessoas saíam do teatro com a convicção de que outro mundo era possível, porque o haviam visto representado sobre o cenário.
Perguntado pelo estado atual do teatro anarquista, o historiador afirma que apenas existe, tanto o do passado como o do presente. “Muitas obras de teatro obreiro desapareceram e outras são muito difíceis de localizar, como uma de Teresa Claramunt, que perdemos para sempre”. Desta forma, fica tão somente a herança daqueles anos gloriosos para o teatro emancipador, pois sua importância também desapareceu. Por outro lado, Calero considera que não há criação deste tipo de teatro na atualidade: “A obra parecida e mais representada é “Muerte accidental de un anarquista”, de Darío Fo, e talvez exista algum projeto louvável, mas nunca com o eco que tiveram naquela época”.
A Antologia, desta forma, não guarda entre suas páginas as melhores obras desde a perspectiva da qualidade, mas aquelas realmente significativas e representativas dessa maneira de fazer teatro. Apesar de que o autor admite que foi uma tarefa difícil optar por elas, o livro de LaMalatesta recupera nove obras do teatro anarquista após quase 100 páginas que explicam ao leitor os elementos chaves para entender a questão: “La mancha de yeso”, de Remigio Vázquez; “Sofía Perowskaia”, de Carlos Germán Amézaga; “Honor, alma y vida, de Juan Montseny” (Federico Urales); “Un huelguista”, de J. Lofer; “El ocaso de los ódios”, de Emilio Carral; “Un buen negocio”, de Florencio Sánchez; “El Sol de la humanidade”, de José Fola Igurbide; “El fantasma”, de Antonio de Hoyos y Vinent; y “La guerra”, de Eugenio Navas.
Fonte: https://elasombrario.publico.es/secretos-olvidado-teatro-anarquista/
Tradução > Sol de Abril
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a cigarra… ouvi:
nada revela em seu canto
que ela vai morrer
Matsuo Bashô
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!