[Peru] O regresso de Miguelina Acosta Cárdenas

Por José Luis Ayala

Joel Rojas resgatou do esquecimento uma mulher maravilhosa que durante muitos anos esteve desterrada da memória social, da política e discussões acadêmicas. Trata-se de Miguelina Acosta Cárdenas (26/11/1887-26/10/1933). Se graduou como advogada na Universidade Nacional Maior de San Marcos (UNMSM). Em 1920 apresentou a tese “Nossa instituição do matrimônio rebaixa a condição jurídica social da mulher”. Se doutorou com “Reformas necessárias do Código Civil Comum peruano tendentes a tornar efetiva a igualdade civil e jurídica do homem e da mulher”. Foi a primeira advogada da classe obreira e das mulheres.

A esplêndida edição de Joel Rojas “Evangelina Acosta Cárdena. Escritos selectos”, (Heraldos Editores), se refere a sua biografia, comentários a sua tese universitária e divulgação de artigos jornalísticos. Sobretudo permite conhecer seus textos políticos inéditos. Desse modo, bem podemos dizer que Miguelina Acosta Cárdenas foi a primeira advogada defensora dos direitos dos trabalhadores e das mulheres, quando era um delito reclamar melhores salários e direitos para uma classe vilmente explorada.

“Por outro lado – diz Joel Rojas – Miguelina teve uma faceta como educadora. Seus artigos ‘Educación e instrucción de la mujer’, ‘Escuelas rurales ambulantes para la educación de los niños indígenas’. ‘Os educacionistas suíços e os textos inéditos sobre a Universidade de Loreto, mostram reflexões sobre esta matéria. Fundou um colégio para senhoritas chamado ‘Bolognesi’ em sua cidade natal e o Instituto Sudamericano para senhoritas no Jirón Lampa 983 (Centro de Lima)”. (1)

Era impossível que na década de vinte no século passado, uma mulher estudasse Direito na UNMSM. A sociedade com uma dura herança colonial, discriminatória e machista, acreditava que as mulheres serviam só para ações domésticas, do lar e reprodução humana. A igreja católica tinha uma marcada influência, sustentava que não devia participar na política porque era um pecado mortal. Menos ainda reclamar seus direitos como trabalhadoras.

Miguelina Acosta Cárdenas que havia vivido na Europa, devido a sua sensibilidade social, educação e leituras, se convenceu de que tinha um compromisso com as mulheres humilhadas e trabalhadoras do Peru. Aderiu ao anarquismo sindicalista, anticlerical e militante. Desse modo se converteu em advogada de trabalhadores, sindicalistas, dirigentes e obreiras. Muitas vezes não cobrava às mulheres que mantinham seus lares com o pouco que ganhavam.

Como escritora seus textos tinham o propósito de intervir não só no debate ideológico da época. Mas que também se converteu em uma mulher que participou na vida política e exposição de ideias, em referência por melhores salários e condições de vida para trabalhadores, mas em relação a um sistema educativo peruano que respondesse aos objetivos do século XX.

Como educadora escreveu artigos destinados a formular uma educação libertária e descolonizar a ideia dominante. A liberdade de pensamento para Miguelina Acosta Cárdenas era essencial, fundamental para fundar uma sociedade livre de toda classe de imposições alheias aos interesses de mulheres trabalhadoras.

“Desta maneira, – diz Joel Rojas – Miguelina faz parte da tradição do pensamento crítico peruano. Esta tradição foi construída não só por homens; mas também por mulheres que ao longo da história peruana foram invisibilizadas ou omitidas do pensamento crítico. Este livro é dedicado a todas as mulheres peruanas por seu importante trabalho que realiza nos diferentes âmbitos e por ser condição de possibilidade de nossa existência”. (Pág.15)

Miguelina Acosta Cárdenas, questionou severamente não só o sistema conservador e inadequado do ensino na UMSM. Pediu que os docentes entregassem o currículo dos cursos, dessa maneira os alunos poderiam alcançar três objetivos: ter uma visão dos conhecimentos a desenvolver. Acesso a uma nova informação. Ampliar os temas desenvolvidos nas aulas. Isto foi proposto por ocasião de uma das tantas reformas universitárias. Pelo que escreveu:

“Entre as reformas propostas pelos alunos esqueceram a principal: A formação de programas analíticos, os mais sintéticos possíveis, programas que devem ser entregues ao matricular-se o aluno. Quando se entra em um cinema, ou em uma simples exposição de quadros, o primeiro que pedimos é um programa, os alunos da Universidade, muitas vezes não conhecem em todo o ano o programa que seria o primeiro que deveria necessitar. Todo o ano assistem a uma representação sem programa que o guie. Só em nossa Universidade se toleram tais coisas! (Pág. 98)

Pouco se conhecia Miguelina Acosta Cárdenas como constitucionalista. No entanto, seus textos a situam como defensora da democracia, separação de poderes e legalidade: “O Estado – diz – não é a nação. O Estado é o grupo que forma o governo e a administração. A Nação, o país, são todos os homens e mulheres que palpitam com o espírito de sua nação e são os únicos que podem dispor do futuro de seu povo que é futuro deles mesmos. O Estado pode alijar-se do país quando é um perigo para seus interesses ou as vidas que o formam. O Estado é rico porque tem em suas mãos toda a riqueza da nação, que por esta mesma razão é pobre para satisfazer as necessidades de cada um que o formam”. (2)

Assim, desde o fundo do tempo e o esquecimento, regressou Miguelina Acosta Cárdenas, para ficar e seguir lutando pela classe trabalhadora.

NOTAS:

1.- Joel Rojas. Miguelina Acosta Cárdenas. Escritos selectos. Heraldo Editores. Pág.14. Lima 2020.

2.- Joel Rojas. Miguelina Acosta Cárdenas. Escritos selectos. Heraldo Editores. Pág. 125. Lima 2020.

Fonte: https://diariouno.pe/columna/el-regreso-de-miguelina-acosta-cardenas/?fbclid=IwAR2s4oD9DIxGJV0PUNlw2EKyXpZsgfETcG2BxQiZcuuFAk2STFAvbd01iVU

Tradução > Sol de Abril

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