Por Donatella Di Cesare | 31/01/2023
Este é um país onde se fala muito em direitos humanos quando se trata de governos alheios, sem ter coragem de lançar um olhar nas cadeias domésticas, sem ter consciência de denunciar as tantas opressões que aqui ocorrem. Neste momento, Alfredo Cospito está sofrendo um abuso muito grave. Quem é responsável? E quem terá que responder por isso no futuro? O atual ministro, Carlo Nordio, que, embora pudesse revogar esta medida, nada faz? O governo Meloni? Ou, por acaso, algum covarde desejaria colocar a culpa no detento que foi compelido a esse ato extremo? A transferência para o hospital prisional Opera não é suficiente, porque é apenas um paliativo temporário.
Já está claro que o caso Cospito assumiu um valor simbólico e político que não pode ser subestimado. A inação culposa deste governo – o primeiro governo pós-fascista no país de Mussolini (muito a ser perdoado!) – tem o gosto terrível de uma vingança repugnante. O corpo de Cospito feito refém, capturado, para demonstrar firmeza farsesca. Apesar de todas as interpretações dos liberais locais, prontos para lhes dar crédito, os funcionários do governo não têm escrúpulos em se mostrar como mesquinhos gendarmes fascistas.
Esqueça a linha dura! Esqueça a chantagem! É curioso que existam até magistrados que usam esses termos. Nas mãos de quem estamos? Aqui os termos são completamente invertidos. Pedimos que Cospito seja libertado do 41bis antes de tudo por uma questão de justiça, bem antes por uma questão de humanidade. Não se trata apenas de salvar uma vida – embora essa política da morte, essa necropolítica, esteja nos fazendo esquecer completamente o valor da vida humana. Mas o ponto aqui é: por que diabos Cospito está em 41 bis? O que ele está fazendo lá? Esta questão diz respeito a todos.
Deixe-me recapitular brevemente. Por ferir um executivo da Ansaldo em Gênova, Cospito foi condenado em 2013 a dez anos e oito meses. Quando já estava na prisão, foi acusado de colocar dois artefatos explosivos em frente à escola de cadetes Carabinieri de Fossano na noite de 2 para 3 de junho de 2006, artefatos que não causaram mortos nem feridos. Após sua condenação, ele foi colocado no circuito prisional de alta segurança, onde os presos estão sujeitos a rigorosa supervisão e severas restrições. De tempos em tempos, Cospito enviava alguns escritos para publicações do meio anarquista.
O deslocamento a partir daí é o que se discute: o crime é reinterpretado e passa do massacre comum ao massacre político. Porque? Em qual base? Uma escolha singular, já que não houve fatos novos. O crime de massacre político não foi aplicado nem para Capaci [um atentado da máfia em 1992 que matou um magistrado, sua esposa e três policiais] ou Piazza Fontana [um atentado de extrema direita em Milão em 1969 que matou 17 pessoas e feriu 88 ]. Aqui Cospito – com o endosso da ex-ministra [Marta] Cartabia – é designado para 41bis.
Ele acaba numa espécie de sepulcro, um túmulo: um metro e 52 centímetros de largura e dois metros e 52 centímetros de comprimento. A escuridão, a necessidade de luz elétrica, brilha apenas no topo, na parede ao redor. A cela fica abaixo do nível do mar na prisão de Sassari. Horas de ar apenas em um cubículo murado onde a grade permite vislumbrar o céu. Isolamento, separação, eliminação até de lembranças e de fotos de familiares. Uma espécie de enterro vivo, de exclusão da comunidade humana.
Isso acontece na Itália em 2023. Sinceramente, chega a ser quase grotesco contar a angústia da inquisição. Sabemos muito bem que a tortura, uma fênix negra, uma prática que nunca acabou, ganhou novas formas nas democracias do século XXI. Devemos aceitar um estado que tortura? Que usa violência no corpo de um detido? Porque existem muitas formas de exercer a violência, mesmo sem deixar rastros. A Itália tem um passado recente repleto de vítimas de abuso policial. Dificilmente seria apropriado, nem mesmo no interesse da República, assistir a um suicídio anunciado.
Finalmente, gostaria de abordar duas questões que considero terem sido negligenciadas. Vou deixar de lado o 41 bis: sou contra sempre e por todos (mas precisaria de outro artigo para dizer isso). A primeira questão diz respeito ao conceito de terrorismo, que é perigoso e escorregadio. Quem é um terrorista? E quem decide isso? Sabemos como toda a legislação de emergência, criada no contexto americano, e de outros países europeus, revelou a face violenta da democracia ao produzir abusos de todo tipo, tortura preventiva, detenções administrativas ilegítimas. Um caminho arriscado que atenta contra o direito de todo cidadão. A dissidência constitui subversão? Publicar em uma revista anarquista faz alguém parecer um terrorista?
A segunda questão diz respeito à própria ideia de anarquia. Muito mais do que outros países, a Itália tem uma relação ambivalente com ele. De um lado, Sacco e Vanzetti [os anarquistas italianos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti executados nos Estados Unidos em 1927 no que foi amplamente considerado uma farsa de justiça], quase pais da Itália livre e anti-mussoliniana, expoentes da grande tradição anarquista italiana, sem os quais seria difícil imaginar a cultura deste país; por outro lado, Valpreda e as bombas, a tentação de demonizar os anarquistas [o anarquista e romancista italiano Pietro Valpreda foi acusado do atentado à bomba na Piazza Fontana e condenado à prisão; em 1987, ele foi absolvido quando o fato de que ele não tinha nada a ver com isso tornou-se inescapavelmente evidente]. Também aqui a Itália tem muito a responder. Nestas horas, tentativas estão sendo feitas para retratar os anarquistas como monstros ou demônios, terroristas ameaçando “nossa sede no exterior” (!), na melhor das hipóteses, pessoas vítimas de uma “fé cega fora do tempo”. Visões grotescas, o que seria um tanto cômico, se não tivessem as implicações antidemocráticas que vemos. O pensamento anarquista, que nos últimos anos apareceu filosoficamente como o mais interessante e o mais produtivo, faz parte do contexto cultural e político de hoje. E, certamente, não há como compará-lo com o fascismo e o pós-fascismo, que deveriam ter sido excluídos de nosso contexto cultural e político.
Resumindo: Cospito está em 41bis porque é anarquista?
Esperemos que, em nome dos cidadãos italianos, o ministro Nordio intervenha até 12 de fevereiro para remover o 41bis. Já é tarde demais. A vida de Cospito, os direitos de todos nós e esta democracia dependem disso.
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