O Kremlin quer que Azat Miftakhov e outros presos políticos fiquem atrás das grades para sempre, diz um jornalista russo exilado
Por Yan Shenkman | 05/09/2023
Há alguns meses, recebi uma mensagem de uma conta aleatória de mídia social na Rússia, que me pedia para assinar uma carta aberta em apoio ao prisioneiro político russo Azat Miftakhov.
Eu conhecia o homem por trás da conta, que desde então foi excluída; atualmente, ele está “bem escondido”, tentando ficar completamente fora da rede. Questionei a utilidade de uma carta, mas assinei mesmo assim. Uma pessoa que está segura não tem o direito de recusar aqueles que estão em perigo.
Quando vi a carta publicada no meio de comunicação francês Mediapart dias depois, fiquei sabendo que centenas de outras pessoas também haviam exigido a liberdade de Miftakhov: matemáticos, cientistas, jornalistas, sindicalistas de países como França, EUA e Rússia.
Conheço bem a história de Miftakhov. Em 2019, quando eu ainda estava na Rússia, estava fazendo uma reportagem sobre o caso “The Network” [Rede]: um grupo de jovens de toda a Rússia, que tinham crenças anarquistas e de esquerda, foram detidos, brutalmente torturados e depois condenados a longas penas de prisão – supostamente por planejarem derrubar o Kremlin por meio de atos terroristas. Foi um caso de grande repercussão, no qual Miftakhov acabou sendo implicado.
Esta semana, Miftakhov – um dos pelo menos 5.000 presos políticos na Rússia atualmente – deveria ter sido libertado. Mas, em 4 de setembro, imediatamente após sair dos portões da prisão, ele foi detido sob outra acusação – uma tática clássica do FSB [Serviço Federal de Segurança da Federação Russa].
Enquanto centenas de milhares de pessoas morrem na guerra da Rússia contra a Ucrânia, é difícil apoiar os prisioneiros políticos do Kremlin. Há simplesmente muita dor, sofrimento e sangue. Mas o regime de Putin foi construído para colocar pessoas atrás das grades.
O caso contra Azat Miftakhov
Miftakhov, hoje com 30 anos, é um matemático talentoso, estudante de pós-graduação na Universidade Estadual de Moscou e anarquista.
Em fevereiro de 2019, ele foi detido em Moscou sob suspeita de quebrar uma janela no escritório do partido político Rússia Unida. Os investigadores alegaram que ele estava por perto quando isso aconteceu “a fim de alertar os cúmplices sobre um possível perigo”. Miftakhov foi espancado e torturado por oficiais do FSB, que usaram uma furadeira elétrica nele.
Miftakhov, é claro, sabia o que havia acontecido com os membros da suposta “Rede”. Ele entendeu que os investigadores do FSB não estavam brincando ou tentando assustá-lo quando disseram que usariam tortura para fazê-lo confessar. Eles realmente o fariam. Em uma tentativa de evitar que fosse torturado, ele cortou os próprios pulsos.
De fato, todo o caso contra Miftakhov começou com “The Network”.
Como um advogado me disse, os investigadores russos alegavam que havia diferentes células de ativistas em diferentes cidades do país, unindo várias iniciativas de esquerda – não apenas a chamada “Rede” – em uma única causa. Mas, como rapidamente ficou evidente em minhas reportagens e nas de outros, não havia nenhuma organização terrorista na realidade. Não havia coordenação. A “Rede” dos investigadores havia sido elaborada por… investigadores. Eles não tinham provas para apoiar suas alegações, além do testemunho obtido por meio da mais brutal tortura.
Em março de 2018, o FSB tentou transformar Svyatoslav Rechkalov, outro ativista anarquista em Moscou, no “líder” da “célula de Moscou” da “Rede”. Ele também foi torturado e espancado. Falei com Rechkalov quando ele foi libertado sob fiança. Não vi nenhum sinal de tortura, mas me lembro bem de como ele tremia e falava com dificuldade. Alguns dias depois, ele fugiu para a França.
Pouco tempo depois, houve um vazamento de informações dos investigadores: eles queriam a mesma confissão de Miftakhov. Como não haviam conseguido com Rechkalov, tiveram de inventar outro “líder” da “célula de Moscou”: Miftakhov. Essa história ainda não terminou e, enquanto Miftakhov permanecer na prisão, tudo é possível.
Mais tarde, ativistas de direitos humanos e jornalistas conseguiram provar – definitivamente – que os jovens do caso “Rede” haviam sido torturados. A sociedade russa entrou em choque. As pessoas saíram às ruas em protesto.
No outono de 2018, Mikhail Zhlobitsky, um adolescente da cidade de Arkhangelsk, no noroeste do país, explodiu-se no saguão do prédio local do FSB em protesto contra a tortura. Isso provocou uma nova onda de repressão. Agora, qualquer pessoa que falasse on-line sobre as ações de Zhlobitsky, ou mesmo as mencionasse, poderia ser processada por “justificar o terrorismo”.
Em 2021, Miftakhov foi condenado a seis anos de prisão por seu suposto papel na quebra da janela dos escritórios do Rússia Unida. Ele deveria ter sido libertado na última segunda-feira (ele já havia cumprido sua pena porque um dia passado em detenção em procedimentos pré-julgamento é contado como um dia e meio).
Mas isso não aconteceu. Nos portões da Colônia Prisional nº 17 na região de Kirov, ele foi colocado em um carro do FSB com placas chechenas e levado embora. Agora, um novo caso foi aberto contra ele sob a acusação de “justificar o terrorismo” por ter falado sobre Mikhail Zhlobitsky enquanto estava na prisão.
Aparentemente, o FSB o quer atrás das grades para sempre. Assim como Alexey Navalny, assim como muitos outros presos políticos na Rússia atualmente.
Fonte: https://www.opendemocracy.net/en/odr/russia-azat-miftakhov-political-prisoners-anarchist/
Tradução > Contrafatual
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Rogério Martins
Outro dia, fui dizer que Putin tava prendendo anarquista na Rússia e teve uns ácratas de araque que não gostaram, não. Se retaram do mesmo jeito que alguns marxistas empedernidos em 1990, quando falei no sindicato dos petroleiros que o governo de Cuba tinha anarquistas presos em suas prisões. Esse povo não aprende que não é legal simpatizar com ditadores. 🤐