[São Paulo-SP] Ocupação em 17 de maio e a luta contra a máquina de produção da miséria

No dia 17 de maio, membros da ULCM e da CMP, por volta das 23 horas, ocuparam um terreno na Praça Donatello, no Cambuci, centro de São Paulo. Seguranças da proximidade, atentos a essa altiva movimentação popular, alertaram a polícia militar que, ao chegar, com seu “jeitinho” típico da farda, rápido impediu que novas famílias e novos militantes adentrassem ao local. Ainda assim, quase duzentas pessoas ocuparam o terreno que, no papel, pertence hoje ao INSS/SPU. E aqui vale destacar um ponto importante: o INSS é hoje uma das instituições com maior número de terrenos ociosos na cidade de São Paulo, tanto que o próprio governo federal, na criação do Programa de Democratização de Imóveis da União, assinado em 26 de fevereiro deste ano, estabeleceu um grupo de trabalho interministerial para a análise dos imóveis não operacionais da instituição. Os dados apontam que há, ainda, 3213 imóveis sob a gestão do INSS, dos quais 483 já identificados como elegíveis para programas e 471 conjuntos habitacionais a serem regularizados; outros 2730 estão em análise. Só que, diante de tais dados, a questão que fica é: quanto tempo dura essa tal “análise”?

A precariedade habitacional é uma das principais heranças impostas pela histórica desigualdade social brasileira.  Estimativa mais recente da Fundação João Pinheiro mostra que o déficit habitacional no Brasil gira em torno de seis milhões de unidades, enquanto há cerca de 11 milhões de domicílios vagos, de acordo com o Censo 2022. O Censo também apontou a existência de 16 milhões de pessoas vivendo em 10 mil favelas pelo país. Além disso, passa de cinco milhões o número de moradias irregulares, segundo o IBGE, e o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) mostra a existência de ao menos 236 mil pessoas em situação de rua.

O que desconfiamos é que essa tal “análise”, afora o fato de levar em banho-maria as mais urgentes expectativas populares, esteja refém dos mandriões da especulação imobiliária, dentro do campo de influência das liberações finais. Afinal, são essas mesmas figuras que patrocinam a perseguição e criminalização dos movimentos de luta por moradia. Contra esses slogans incisivos do capital, Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares, lembra que os atos de ocupação, no lado oposto do que propagam os mandriões, na verdade, atuam para fazer cumprir a lei: “Quem comete crime são os donos de prédios abandonados na cidade, que muitas vezes não pagam IPTU e só os utilizam para especulação imobiliária. Ocupar esses imóveis para que sirvam como moradia é fazer o que determina a lei”. E reforça: “Seja na Constituição, seja no Estatuto da Cidade, seja no Plano Diretor do município de São Paulo, a moradia é um direito, e prédios abandonados, que não cumprem a função social, estão desrespeitando a legislação”.

No caso da ocupação do dia 17 de maio, a mobilização fez com que a Comissão de Prerrogativas da OAB-SP, junto dos representantes legais dos movimentos presentes no ato, em resguardo normativo, indicasse o terreno para a coordenadoria da Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias, quando concluído o chamamento público; haja vista que o terreno em questão já estava identificado como elegível para os programas habitacionais. Mas, lembremos: isso foi apenas um grão de areia num monte que, se vacilarmos, pode ser movediço. A luta não pode parar, já que a lógica do governo anterior, de desmonte do patrimônio público, ainda impregna muitas camadas da sociedade brasileira.

É preciso não nos acovardarmos diante da máquina de produção da miséria, inerente ao grande capital, e pensarmos também nas ocupações num sentido maior do que a luta por moradia, ou seja: para além da formação de referências nos bairros da periferia e das duras críticas com que devemos encarar o programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, não devemos tirar de nosso norte a questão da propriedade privada, em seu sentido mais amplo. Ora, sem ter em vista a abolição da propriedade privada dos meios de produção e a expropriação das grandes parcelas de terra, a estatização das grandes construtoras e empreiteiras e a ocupação compulsória dos imóveis residenciais vazios, não pode haver realmente solução para a situação de penúria habitacional em nossas cidades. Um programa de redistribuição da terra urbana que mantenha a produção capitalista da casa e da cidade e que mantenha existindo o mercado imobiliário tal qual se mostra por aí, nada resolverá nossa dívida histórica com o déficit habitacional. Neste exato momento, centenas de famílias correm o risco de despejo e, ainda assim, os programas do governo federal teimam em apontar seus benefícios apenas para quem pode – e não para quem precisa. Este é o ponto. Sem encararmos este problema, ombro a ombro com organizações parceiras, continuaremos reféns de propostas maquiadas pelo patronato que, em campo movediço, nunca se apieda em afundar na lama mais e mais famílias.

Diego Fernandes Moreira

Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias

agência de notícias anarquistas-ana

o crisântemo amarelo
sob a luz da lanterna de mão
perde sua cor

Buson