Nota do Conselho de Lideranças do Povo Guató sobre os incêndios que destroem o Pantanal

A Federação Anarquista Capixaba (FACA) se solidariza com os e as camaradas do Povo Guató, oportunidade na qual difundimos a nota por eles confeccionada. Destacamos que somente o combate imparável contra o capitalismo e o estado poderá garantir um futuro viável e sustentável aos povos que habitam o Guadakan e toda a Terra!

Nós, membros do Conselho de Lideranças do Povo Guató no Guadakan/Pantanal, vimos a público prestar esclarecimentos e registrar posicionamento sobre os incêndios que destroem a planície pantaneira.

Em primeiro lugar, descendemos das mais antigas populações indígenas canoeiras que se estabeleceram no Pantanal. Ao longo de mais de 8 mil anos, jamais destruímos o Guadakan, pelo contrário; sempre promovemos a preservação ambiental e mudanças positivas nas paisagens locais. Este bioma é sagrado e nosso território ancestral, onde somos o que somos, um povo originário resistente, aguerrido, trabalhador e defensor da biodiversidade.

Em segundo lugar, os incêndios que ocorrem em muitos lugares, como verificado em 2020 e agora em 2024, em nada têm a ver com qualquer prática tradicional de queimada promovida por povos originários. Esses incêndios são invenções dos brancos que se instalaram no Guadakan e percebem a região como um espaço de oportunidades para o lucro sem fim. Em 2020, por exemplo, incêndios destruíram grande parte da cobertura vegetal de áreas tradicionalmente ocupadas pelas comunidades das Aldeias Aterradinho e Barra do São Lourenço, e por pouco não chegaram até a Aldeia Uberaba. Também atingiram e seguem atingir áreas onde comunidades Guató sofrem um doloso processo de invisibilidade étnica, tanto em Mato Grosso quanto em Mato Grosso do Sul.

Em terceiro lugar, a ausência da presença eficaz e moralizadora do Estado Brasileiro no Pantanal profundo faz parte de um projeto político e econômico de longa data. Favorece para que o Guadakan continue a ser uma terra onde a lei predominante é a vontade dos poderosos, que detêm o poder econômico e possuem representantes nos poderes constituídos na República. Esses poderosos têm acesso à mídia e costumam posar de defensores da natureza, divulgar inverdades e falar impropérios sobre a crise climática e os incêndios. A ausência efetiva do Estado Brasileiro também serve para o empoderamento de ONGs (Organizações Não Governamentais) ambientalistas e anti-indígenas, financiadas com recursos sabe-se lá de onde, que promovem a invisibilidade étnica do povo Guató, causam cisões e desentendimentos nas comunidades e propagam mentiras a nosso respeito. Elas impõem a muitas de nossas famílias e comunidades os rótulos de “tradicionais”, “ribeirinhas”, “descendentes de indígenas”, “isqueiras”, “corixeiras” etc. Ora, sabemos que filhote de onça-pintada não pode ser outra coisa senão onça-pintada. Portanto, filhas e filhos de pais Guató ou de pai ou mãe Guató são Guató, e isso deve ser motivo de orgulho, jamais de vergonha.

Em quarto lugar, a experiência exitosa da Expedição Guató e da Expedição Técnica Guató, realizadas na segunda quinzena de abril de 2024, são exemplos positivos do que desejamos em relação à presença eficaz e moralizadora do Estado Brasileiro. As duas expedições contaram com a valorosa participação da Marinha do Brasil (6º Distrito Naval e Flotilha de Mato Grosso), Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (representado pelo Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais), Secretaria Especial de Agricultura Familiar, Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da SEMADESC (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de Mato Grosso do Sul), GIZ (Agência Alemã de Cooperação Internacional), FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Ministério Público Federal, AGRAER (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), Fundação de Cultura de Mato Groso do Sul, pesquisadores de universidades e representantes de movimentos sociais. Por isso, a data de 24 de Abril de 2024 marca um novo momento para a comunidade da Aldeia Barra do São Lourenço, há muito esquecida no Pantanal profundo, onde, na década de 1990, muitas de suas famílias foram vítimas de remoção forçada e tiveram suas casas destruídas na localidade chamada Acurizal. O esbulho foi feito por pessoas a serviço da ONG Ecotrópica, que a época também posava de defensora do Pantanal e sua biodiversidade.

Em quinto lugar, desde os anos 1990 que registramos a ausência do apoio de ONGs indigenistas. Até aquela década, contávamos com assessoria e ajuda do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), Kaguateca (Associação de Índios Kaguateca Marçal de Souza) e outras entidades. Elas nos ajudaram nas lutas iniciadas em 1976 na cidade de Corumbá, que culminaram com a regularização fundiária da Terra Indígena Guató, localizada na Ilha Ínsua, onde há o Destacamento de Porto Índio, do Exército Brasileiro, com o qual mantemos boas relações.

Em sexto lugar, embora saibamos da existência do Ministério dos Povos Indígenas, criado no início do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até o momento não registramos qualquer ação positiva desta pasta em nossas comunidades, sequer uma visita para tomar ciência da realidade enfrentada pelas famílias do povo Guató. As principais notícias que chegam até nós são de ações político-partidárias, para tentar destituir o Prof. Elvisclei Polidório do cargo de Coordenador Regional da FUNAI em Campo Grande, favorecer familiares e emplacar candidaturas às eleições deste ano. Seria de bom alvitre para nossas comunidades se o referido Ministério ou outra pasta governamental nos enviasse, emergencialmente, combustível e conjuntos básicos de equipamentos de proteção individual para o combate a incêndios.

Em sétimo lugar, iniciativas parlamentares de aprovação de certas leis, como a Lei Transporte Zero (Lei n. 12.197/2023) em Mato Grosso, o Projeto de Lei do Pantanal em Mato Grosso do Sul e a proposta de Estatuto do Pantanal que tramita no Congresso Nacional (Projeto de Lei n. 5.482/2020), dentre outras, jamais foram pensadas em atenção ao nosso modo de vida e sequer fomos devidamente ouvidos para isso. O que observamos sobre o assunto são pessoas posando de “experts” e defensores do Pantanal, e ávidos por curtidas, comentários e compartilhamentos de postagens nas redes sociais. Até agora, nenhum deles veio a nossas comunidades para saber da realidade enfrentada no dia a dia e nos ouvir a respeito da proteção e preservação do Pantanal.

Dito isso, conclamamos as autoridades e órgãos do Estado Brasileiro que venham ao nosso encontro, ajudando-nos a preservar o Pantanal e socorrendo-nos neste momento em que muitas partes do Guadakan ardem em chamas por conta dos incêndios.

Pantanal, 1º de Julho de 2024.

Coordenação do Conselho de Lideranças do Povo Guató no Guadakan/Pantanal

Osvaldo Correia da Costa – Cacique da Aldeia Uberaba (T.I. Guató, Corumbá-MS) / Carlos Henrique Alves de Arruda – Cacique Aldeia Aterradinho (T.I. Baía dos Guató, Barão de Melgaço-MT) / Denir Marques da Silva – Cacique da Aldeia Barra do São Lourenço (T.I. Barra do São Lourenço, Corumbá-MS)

Fonte: https://federacaocapixaba.noblogs.org/post/2024/07/06/nota-do-conselho-de-liderancas-do-povo-guato-sobre-os-incendios-que-destroem-o-pantanal/

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Num só cobertor
Órfãos num canto da rua
– Menino e gatinho.

Mary Leiko Fukai Terada