O ato de votar é frequentemente celebrado como um dos pilares da democracia moderna, promovido como a expressão máxima do poder popular. No entanto, uma análise crítica sob a ótica anarquista revela que o voto não é, de fato, um instrumento de emancipação, mas uma ferramenta que legitima a dominação do Estado e perpetua as estruturas de exploração. Ao participar das eleições, os indivíduos entregam sua autonomia a representantes que, na prática, governam em benefício das elites e dos interesses capitalistas. Esse ritual eleitoral, que se repete a cada ciclo, não apenas mantém intactas as estruturas de poder, mas também perpetua a ilusão de que é possível mudar o sistema por dentro, enquanto na realidade, a democracia representativa é uma fachada que reduz a participação popular a um ato simbólico, esvaziado de qualquer significado transformador.
O Estado, por sua própria natureza, concentra poder em poucas mãos e administra a sociedade de cima para baixo, impondo suas regras e decisões. A ideia de que podemos alterar esse sistema elegendo “representantes do povo” é uma armadilha que desvia as energias revolucionárias para a via institucional, onde são inevitavelmente absorvidas e neutralizadas. Mesmo os candidatos que se apresentam como “progressistas” ou “reformistas” acabam, uma vez eleitos, submetidos às mesmas dinâmicas de poder, obrigados a fazer concessões que enfraquecem suas propostas originais. O ciclo eleitoral, assim, se torna um círculo vicioso que perpetua a dominação do capital e do Estado, mantendo as massas em um estado constante de apatia política, sem condições de questionar verdadeiramente a ordem estabelecida.
Registremos ainda que o próprio ato de votar cria a falsa impressão de que o povo tem voz e controle sobre as decisões que afetam suas vidas. No entanto, após o momento do voto, o cidadão comum é excluído dos processos decisórios, que passam a ser monopolizados pelos políticos e pelas instituições estatais. Esse afastamento entre o eleitor e as decisões políticas fortalece a alienação, alimentando a ideia de que a política é um campo reservado a especialistas, distantes da realidade e das necessidades do povo. Essa dinâmica reflete a natureza autoritária do Estado, que, ao invés de servir ao povo, se serve dele para perpetuar suas estruturas de poder em seu próprio benefício e das elites burguesas.
A verdadeira emancipação do povo só pode ser alcançada por meio da construção de uma autonomia coletiva, que rejeite a intermediação do Estado e se baseie na autogestão, no apoio mútuo e no federalismo. A autogestão permite que as pessoas organizem suas vidas e atividades em comum sem a imposição de hierarquias, tomando decisões de forma direta e horizontal. Esse modelo não apenas devolve o poder ao povo, mas também cria uma cultura de solidariedade e responsabilidade coletiva, onde todos participam ativamente na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O apoio mútuo, nesse contexto, é o alicerce que sustenta essas práticas, promovendo a cooperação e o cuidado entre os indivíduos e as comunidades, sem a necessidade de intervenção estatal.
No mesmo sentido, o federalismo anarquista propõe uma reorganização radical da sociedade, substituindo o Estado centralizado por uma rede de associações livres, onde as decisões são tomadas em assembleias locais e coordenadas de forma confederada. Essa estrutura descentralizada impede a concentração de poder e permite que as comunidades se autogovernem de acordo com suas necessidades e desejos, respeitando a diversidade e a autonomia de cada grupo. O federalismo, longe de ser uma utopia distante, já se manifesta em diversas lutas e movimentos sociais ao redor do mundo, onde as pessoas se organizam fora das instituições estatais para resolver seus problemas e criar alternativas ao capitalismo e ao Estado. Essas experiências demonstram que é possível viver sem a tutela do Estado, construindo uma sociedade baseada na liberdade e na cooperação.
Para que essa transformação ocorra, é crucial que se reconheça a inseparabilidade entre o Estado e o Capitalismo. O capitalismo depende do Estado para garantir a propriedade privada e a acumulação de riqueza nas mãos de poucos, enquanto o Estado se alimenta da exploração capitalista para manter suas estruturas de dominação. A luta contra o Estado, portanto, é também uma luta contra o Capitalismo, pois ambos são faces da mesma moeda de opressão. Não basta substituir os governantes; é necessário abolir o sistema que permite e perpetua a exploração e a desigualdade. Somente assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente livre, onde o poder não seja mais uma ferramenta de controle, mas uma expressão coletiva de liberdade e igualdade.
Além da autogestão e do federalismo, o anticapitalismo surge como um pilar fundamental na construção de uma nova sociedade. O capitalismo, em sua essência, é um sistema que gera desigualdade, explora o trabalho e mercantiliza todas as esferas da vida. Para o anarquismo, a única forma de romper com esse ciclo de exploração é por meio da abolição do capitalismo e da criação de uma economia baseada na cooperação, no socialismo antiautoritário e na solidariedade. Numa sociedade anticapitalista, a produção e a distribuição de riquezas são organizadas de acordo com as necessidades de todos, e não em função do lucro de poucos. Isso só é possível fora das lógicas de mercado e de competição que caracterizam o capitalismo, construindo uma economia que serve efetivamente ao bem comum.
Por fim, a necessidade de construir a autonomia da sociedade fora do Estado é uma resposta à falência das instituições e à incapacidade do sistema representativo de atender às demandas populares. A alternativa não reside em reformar o Estado ou o Capitalismo, mas em superá-los, construindo uma nova forma de organização social. Esse processo exige uma ruptura radical com as formas tradicionais de política, substituindo a delegação de poder pela participação direta e a competição pela cooperação. Somente através da autogestão, do apoio mútuo, do federalismo e do anticapitalismo, o povo poderá conquistar sua liberdade e construir uma sociedade onde a justiça, a igualdade e a solidariedade sejam as bases da convivência humana.
Não vote, lute!
Federação Anarquista Capixaba – FACA
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