[Espanha] A cicatriz que deixa a guerra na natureza

Os conflitos bélicos deixam uma longa lista de vítimas mortais e também um importante número de baixas no meio ambiente que é um dos grandes esquecidos.

Por José A. González

Como começa uma guerra? É uma pergunta com difícil resposta. Com o primeiro tiro? Com o primeiro míssil? Ou com a primeira morte? Mas também é complexo responder quando acaba. Quando? Com o armistício? Com a rendição da outra parte? Ou com a recuperação do último ser vivo ferido? A lista de vítimas de conflitos armados está cheia de nomes e sobrenomes são a grande perda e o principal dano. Logo, com o passar do tempo, chegam os cálculos econômicos, o custo monetário das escaramuças, mas… E a natureza? É uma grande esquecida.

Os conflitos armados têm consequências que vão mais além das vítimas do armamento. As listas de perdas acumulam nomes e sobrenomes de pessoas, mas “nos esquecemos da fauna terrestre”, assegura a este jornal Oleksii Vasyliuk, porta-voz da Ukraine War Environmental Consequences Work Group. “Sabemos que há casos de destruição completa de toda a população animal”, acrescenta.

Em fevereiro de 2022, as primeiras bombas do exército russo caíram sobre o Donbás e em poucos dias as tropas do Kremlin chegaram às imediações de Kiev. Desde então, as batalhas se sucedem dia após dia com vítimas humanas, danos materiais e mais de 30% das zonas das áreas protegidas Ucranianas, mais de 1,24 milhões de hectares, “foram bombardeadas, contaminadas, queimadas ou afetadas por manobras militares”, segundo a revista Yale Environment360, citando dados do Ministério de Proteção Ambiental e Recursos Naturais da Ucrânia. “Estão destruindo zonas de conservação da natureza, cuja proteção durou uns 100 anos”, adverte Vasyliuk. “Só para lembrar: Ucrânia é o lar de 35% da biodiversidade europeia e cada de uma de cada três espécies sob proteção”, assinala Doug Weir, diretor do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente (CEOBS).

Nas áreas protegidas Ucranianas se encontravam tritões alpinos, linces, ratos da neve, texugos, corujas reais, musaranhas alpinas, perdiz. “Estas espécies são as que mais sofreram pelos bombardeios”, assinala Vayliuk. “Não tem nenhuma possibilidade de escapar das explosões”, acrescenta. Nem tampouco podem fazê-lo das inundações.

Faz um ano, a represa de Kajovka em Jersón (Ucrânia) veio abaixo e “inundaram 120.000 hectares dos territórios dos parques nacionais e as reservas da biosfera”, detalha o porta-voz de Ukraine War Environmental Consequences Work Group. “Todos os animais desta zona, desde os grandes até os microscópicos habitantes do solo morreram em poucas horas”, afirma.

A Ucrânia é o último dos conflitos que golpeou o Velho Continente, mas não é o único conflito no planeta na atualidade. A dezenas de milhares de quilômetros também ressoam as bombas em Gaza. As imagens dos satélites que viajam ao redor do planeta revelam como o verde dos campos e hortos palestinos se converteram em extensões de areia e destruição. Ucrânia e Gaza são duas cicatrizes na natureza ainda abertas, mas não é a única marca bélica no mundo.

A obscuridade no Iraque

A menos de 1.000 quilômetros da Faixa de Gaza, os iraquianos se recuperam dos últimos anos de contenda. Faz 8 anos, no verão de 2016 – recorda a ong holandesa Pax-, o meio ambiente voltou a ser usado como arma de guerra.

O Estado Islâmico, segundo o informe ‘Living under a black sky’ desta organização e apresentado ante as Nações Unidas, usava o rio Tigre como fossa comum – em uma ocasião chegou a jogar na água ao menos 100 cadáveres de uma vez – e jogava cru ou substâncias tóxicas em lagos e rios. Ademais, daí o título, os poços petrolíferos arderam durante meses “expulsando no ar numerosos contaminantes que a própria população respirava”, revelou a investigação da Pax. Durante estes incêndios, documenta a ong, se liberou no ar dióxido de enxofre, dióxido de nitrogênio, monóxido de carbono, níquel, vanádio e chumbo.

Mais além da contaminação do solo e das águas. “Estas substâncias podem causar graves efeitos em curto prazo sobre a saúde, especialmente para as pessoas com enfermidades pré-existentes”, revelava o informe.

O bosque como trincheira

Com o passar das semanas, dos meses e dos anos; as frentes da guerra vão se movendo e variando. Os bombardeios se centram em cidades, mas em terra os bosques servem como refúgio e como armazém. “O desmatamento é outro dos impactos indiretos da guerra”, explica Weir. “Na Síria, encontramos que a destruição dos bosques estava perto dos povoados e acampamentos dos refugiados”, comenta Angham Daiyoub, investigadora pré-doutoral do Centro de Investigação Ecológica e Aplicações Florestais (CREAF). Neste país do oriente médio, após mais de uma década de guerra, se perderam ao redor de 63.700 hectares de bosque ou o que é o mesmo 19,3% da cobertura florestal. “Esta superfície é equivalente a praticamente toda a área metropolitana de Barcelona”, compara Daiyoub, que investigou esta perda de natureza na Síria.

Uma das causas são os bombardeios de artilharia. As explosões e os ataques provocam incêndios florestais difíceis de extinguir em um contexto bélico. Na Ucrânia nos primeiros dias de contenda arderam mais de 100.000 hectares e se deram até 31.000 incêndios. “Muitas bombas caíram sobre a zona estepária e aí os bosques são artificiais e ardem mais rápido”, explica Oleksii Vasyliuk. “Por certo, os incêndios também aceleram a propagação de plantas invasoras”, afirma este cidadão Ucraniano.

A segunda das causas do desmatamento é o deslocamento de pessoas. “Os refugiados que fogem da guerra o fazem sem nada”, detalha Daiyoub. “Chegam a zonas onde necessitam da natureza para sobreviver e, às vezes, acabam usando seus recursos de uma forma insustentável”, adverte.

Curar as feridas

O uso dos bosques como trincheira não é uma tática das guerras do século XXI. Nas contendas da II Guerra Mundial já o eram. Um estudo da Universidade Johannes Gutenberg (Alemanha) revelou que os bosques de pinhos e bétulas na Noruega “tiveram um impacto ambiental importante nessa época”.

Sua investigação se centrou perto de Tromso, ao norte da Noruega, onde o famoso encouraçado nazi Tirpitz se refugiava dos bombardeios dos aliados. Ali, as tropas de Hitler usaram uma névoa química para ocultar sua frota em 1945. As pesquisas, sete décadas depois, lideradas por Claudia Hartl-Meier revelaram que esse composto afetou o crescimento das árvores. Mas com os anos, voltaram a recuperar seu vigor. “A natureza pode ser assombrosa recuperando-se de danos graves”, responde Weir. Ainda que alerta que “é possível que não volte a ser como antes, que se instalem espécies diferentes ou que o habitat que se recupere seja menos diverso que antes”.

Apesar do passar dos anos e os esforços de restauração, muitas zonas do Velho Continente ainda têm cicatrizes do passado. Também na Espanha. “A contaminação da guerra persiste muito tempo depois”, assinala a investigadora do CREAF. “Com o passar dos anos teremos que estudar a contaminação provocada pelos bombardeios nos campos da Ucrânia e ver como afetará o preço da alimentação”, comenta o diretor do Observatório de Conflitos e Meio ambiente.

O zinco, o chumbo, o cobre ou o manganês, entre outros, tardarão anos em desaparecer das terras e das águas da Ucrânia. “Ainda se podem ver na Europa zonas prejudicadas pelos combates da Primeira Guerra Mundial”, recorda Weir. “Se seguimos vivos- afirma Oleksii Vasyliuk em um correio eletrônico-, teremos que dedicá-lo à reconstrução após a guerra”.

Passará o tempo, na Ucrânia; ou em Gaza; ou no Iraque; ou no Afeganistão. O primeiro é o armistício, logo a paz e, finalmente, a reconstrução das cidades e da natureza. “Tem que participar as comunidades afetadas e os culpados terão que pagar compensações”, denuncia Weir. Talvez, as guerras acabem quando se paga o último euro, dólar ou libra do dano material que se cometeu.

Fonte: https://www.grupotortuga.com/La-cicatriz-que-deja-la-guerra-en

Tradução > Sol de Abril

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Chuva de primavera —
O casal na correria
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