Nesta entrevista, o fundador da editora de Edmonton rememora seu legado
por Sean Patterson
Nas últimas cinco décadas, a Black Cat Press (BCP), em Edmonton, Canadá, tem servido como um centro local para a comunidade radical da cidade e como uma importante editora de material anarquista. Ao longo dos anos, a BCP produziu muitos títulos notáveis, incluindo as primeiras traduções para o inglês das obras coletadas do anarquista ucraniano Nestor Makhno em cinco volumes. Outros trabalhos de destaque da BCP incluem The Dossier of Subject No. 1218 [“O Dossiê do Sujeito n. 1218”, em tradução livre], as memórias traduzidas do anarquista búlgaro Alexander Nakov; The Russian Anarchist Movement in North America [“O Movimento Anarquista Russo na América do Norte”], de Lazar Lipotkin, um manuscrito inédito mantido no Instituto Internacional de História Social de Amsterdã; e Kronstadt Diary [“Diário de Kronstadt”], uma seleção dos registros originais do diário que Alexander Berkman escreveu em 1921.
Entre reimpressões de obras clássicas de autores como Kropotkin, Bakunin e William Morris, a BCP também destacou o trabalho de pesquisadores anarquistas de todo o mundo, incluindo Kropotkin and Canada [“Kropotkin e o Canadá”], de Alexey Ivanov, Anarcho-Syndicalism in the 20th Century [“Anarcossindicalismo no Século XX”], de Vadim Damier, The Tyranny of Theory [“A Tirania da Teoria”], de Ronald Tabor, e a obra Atamansha: The Story of Maria Nikiforova, the Anarchist Joan of Arc [“Atamansha: A História de Maria Nikiforova, a Joana D’Arc Anarquista”], do próprio Archibald.
Infelizmente, a Black Cat Press fechou suas portas em 2022, vítima econômica da pandemia de Covid. Quaisquer esperanças futuras de reviver a editora foram posteriormente destruídas na esteira de uma segunda tragédia. Em 26 de junho de 2024, um incêndio doméstico criminoso durante a madrugada destruiu os equipamentos e o estoque restantes da BCP. A perda da BCP é dolorosa não apenas localmente, em Edmonton, mas nacionalmente como uma das poucas editoras anarquistas do Canadá. Esperamos que o compartilhamento da história de cinco décadas da BCP inspire outras pessoas a seguir o legado da BCP e a tradição mais ampla de pequenas editoras anarquistas.
Neste mês, o fundador da BCP Malcolm Archibald sentou-se com a Freedom News para refletir sobre toda uma vida de publicação e sua jornada pessoal pelo anarquismo através dos anos.
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Você está envolvido com a comunidade anarquista há muitos anos. Pode nos contar um pouco sobre sua formação e como começou a se interessar pelo anarquismo?
Tendo crescido em Halifax, Nova Escócia, durante a Guerra Fria, certamente não tive contato com o anarquismo. Minha família também não tinha nenhuma predileção por políticas de esquerda. O único livro sobre socialismo na biblioteca pública era History of Socialist Thought, de G. D. H. Cole, que eu devorava. Em 1958, aos 15 anos, participei de uma convenção provincial da CCF (Cooperative Commonwealth Federation – Federação Cooperativa da Comunidade de Nações do Reino Unido) como delegado jovem. A CCF na Nova Escócia era um partido proletário com forte base nos distritos de mineração de carvão. Depois disso, a política de esquerda me pegou de jeito.
Interessei-me pelo anarquismo ao ler livros sobre a Guerra Civil Espanhola. O primeiro anarquista de verdade que conheci foi Murray Bookchin, numa conferência em Ann Arbor em 1969. Bookchin entendeu que muitos estudantes radicais eram anarquistas na prática, mesmo que se autodenominassem marxistas, por isso enfatizou os elementos libertários de Marx em sua propaganda.
Com quais organizações/grupos anarquistas você se envolveu ao longo dos anos?
Como pós-graduando na Universidade de Illinois em Champaign-Urbana, fiz parte de jornais clandestinos, incluindo um tabloide anarquista, The Walrus [“A Morsa”]. Mais tarde, ajudei a fundar uma revista anarquista em Edmonton chamada News from Nowhere [“Notícias de Lugar Nenhum”] (impressa pela Black Cat Press). Em Edmonton, nos anos 70, tínhamos uma filial da Social-Revolutionary Anarchist Federation (“Federação Anarquista Social-Revolucionária” – SRAF), mas a maior parte da atividade anarquista estava centrada na IWW, na Black Cat Press e na Erewhon Books. Os anarquistas também estavam envolvidos nos jornais Poundmaker (“Trapeiro”) (com circulação de 19.000 exemplares!) e Prairie Star (“Estrela das Pradarias”). Em 1979, foi criada a North American Anarchist Communist Federation (“Federação Anarquista Comunista Norte-Americana” – NAACF, mais tarde simplificada para ACF), e eu participei ativamente de duas de suas filiais por vários anos, mas não consegui fortalecer muito a organização em Edmonton.
Quando você começou a Black Cat Press e como ela evoluiu ao longo do tempo? Quais são alguns momentos importantes da história da editora que você gostaria de compartilhar com os nossos leitores?
A Black Cat Press começou quando comprei uma impressora offset e uma câmera de cópia em 1972. O proprietário anterior havia tentado ganhar a vida com esse equipamento e acabou sendo internado em um hospício, o que não foi nada auspicioso. A BCP tornou-se uma “gráfica do movimento” em Edmonton, usada por quase todos os grupos e causas de esquerda. Em 1979, a BCP se tornou a gráfica não oficial da ACF e imprimiu vários panfletos para essa organização.
De 1989 a 2001, a BCP dividiu espaço com o Boyle McCauley News, o jornal mensal do centro de Edmonton, com uma equipe totalmente voluntária. O jornal geralmente tentava publicar notícias positivas sobre a comunidade, mas uma exceção era a questão da prostituição juvenil, uma praga até que começamos a publicar histórias sobre ela e as autoridades finalmente tomaram providências.
Em 1994, a gráfica do governo onde eu trabalhava foi fechada e a BCP começou a operar em tempo integral com três sócios que haviam sido demitidos na mesma época. Nossa base de clientes incluía agências sociais próximas à nossa loja no centro da cidade de Edmonton, além de vários sindicatos. Em 2003, comprei uma máquina de encadernação perfeita e pude começar a imprimir livros. Nosso primeiro livro foi A Moral Anarquista, de Kropotkin, um eterno favorito. Por fim, foram impressos cerca de 30 títulos, que foram distribuídos pela AK Press, livrarias independentes e mesas de literatura em feiras de livros anarquistas.
Como você começou a traduzir textos radicais e anarquistas do russo?
Estudei russo na universidade e depois fiz cursos noturnos de alemão, francês, ucraniano e polonês. Fiquei sabendo de Nestor Makhno pela primeira vez na década de 1960 por meio de um livro do historiador britânico David Footman. Quando cheguei a Edmonton, descobri que a Biblioteca da Universidade de Alberta tinha quatro livros de Nestor Makhno, raridades bibliográficas.
Fico constantemente surpreso com a riqueza da tradição anarquista no Império Russo e na URSS. Por muitos anos, The Russian Anarchists (“Os Anarquistas Russos”), de Paul Avrich, era o único trabalho de pesquisa sobre o assunto, mas recentemente surgiram duas histórias na Rússia e uma na Ucrânia. É uma medida da profundidade do movimento o fato de essas histórias serem praticamente independentes umas das outras e quase não darem atenção a Avrich.
Meus primeiros trabalhos de tradução do russo foram artigos de física, que não dão muito espaço para a originalidade. Ao traduzir textos históricos, a maior parte do esforço não vai para a tradução propriamente dita, mas para a pesquisa de nomes de lugares, pessoas etc. e para anotações. Tento fornecer ao leitor mapas, gráficos e índices que facilitam a compreensão do texto.
Embora eu geralmente não trabalhe com textos literários, traduzi alguns poemas de Nestor Makhno. Ele escreveu um poema de nome The Summons (“Os Chamados”) enquanto estava na prisão em 1912. Uma busca em sua cela em 1914 descobriu esse poema, o que o deixou numa cela de castigo por uma semana. Enquanto estava nessa cela, ele compôs outro poema, que escreveu assim que foi autorizado a voltar para sua cela regular. Mas outra pesquisa descobriu o segundo poema (mais sanguinário que o primeiro), e ele acabou na cela de castigo novamente. Portanto, não era fácil ser um poeta anarquista!
Algumas de suas principais contribuições para os estudos anarquistas são as traduções de fontes primárias russas e ucranianas. Em particular, você traduziu e publicou a primeira edição em inglês dos três volumes das memórias de Nestor Makhno. Poderia descrever esse projeto de tradução?
A biblioteca da Universidade de Alberta possui cópias das memórias de Makhno, incluindo as versões em francês e russo do primeiro volume. Comecei a traduzir essas memórias já em 1979, quando a BCP publicou um panfleto intitulado My Visit to the Kremlin (“Minha visita ao Kremlin”), uma tradução de dois capítulos do segundo volume. Esse panfleto acabou sendo publicado em muitos outros idiomas.
A maior parte do trabalho envolvido na preparação das traduções das obras de Makhno foi a pesquisa sobre as pessoas e os lugares que ele menciona. Foi feito um esforço para fornecer material suficiente na forma de notas e mapas para tornar a narrativa inteligível para o leitor.
A Black Cat Press recentemente fechou suas portas após cinquenta anos de atividade. O ambiente econômico para a publicação está cada vez mais difícil em geral, e especialmente para as pequenas editoras anarquistas. Qual é a sua opinião sobre as perspectivas atuais da publicação anarquista e que mudanças podem ter que ser feitas para manter sua viabilidade a longo prazo?
A maioria das editoras anarquistas têm que encomendar uma tiragem substancial e depois esperar vender os livros em um período (esperamos) não muito longo. A BCP estava à frente de seu tempo ao usar um modelo de impressão sob demanda em que os estoques eram mantidos baixos para que o capital não ficasse preso a um estoque que não estava em movimento. O braço editorial da BCP não foi muito afetado pela pandemia; em vez disso, foi a impressão de trabalhos que sofreu, forçando o fechamento.
Como você viu o anarquismo (especialmente no Canadá) mudar ao longo das décadas? O Canadá raramente viu um movimento anarquista organizado como alguns grupos na Europa ou nos Estados Unidos. Por que você acha que isso acontece, e você vê alguma esperança de um movimento canadense organizado no futuro?
Quando me tornei ativo no movimento anarquista no Canadá, na década de 1970, os anarquistas eram todos pobres, tentando sobreviver com empregos de salário mínimo. A geração seguinte estava em situação muito melhor e tinha muito dinheiro para gastar. Agora, a geração atual voltou a ser pobre de novo, sem os recursos para causar impacto. Mas acho que as perspectivas para o futuro são boas porque (a) a velha esquerda (comunistas, trotskistas, ou seja, a brigada da sopa de letrinhas) está intelectual e moralmente falida e (b) o New Democratic Party (“Novo Partido Democrata”) (em Alberta, pelo menos) é ambientalmente irresponsável. Isso deixa muito espaço na esquerda para que os anarquistas estabeleçam seu território e atraiam os jovens para o movimento.
Agradecimentos a Kandis Friesen por compartilhar materiais usados nesta entrevista que foram obtidos previamente.
Fonte: https://freedomnews.org.uk/2024/10/31/interview-malcolm-archibald-of-black-cat-press/
Tradução > anarcademia
agência de notícias anarquistas-ana
Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?
Guilherme de Almeida
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!