[Suíça] Lucros astronômicos da grande indústria bélica | Os que lucram com as guerras

por Sergio Ferrari | 10/12/2024

Com cerca de vinte conflitos devastadores em todo o mundo, como o entre Rússia e Ucrânia ou o de Israel com Palestina e Líbano, para citar os dois mais midiáticos, a pergunta crucial é: quem realmente se beneficia com a guerra?

Além dos condimentos, dos benefícios e das repercussões geopolíticas de todo confronto militar, a grande indústria bélica mundial continua sendo a principal beneficiada. As receitas em 2023 com a venda de armas e serviços militares das 100 maiores empresas do setor aumentaram em média 4,2% em relação a 2022, atingindo 632 bilhões de dólares — uma cifra muito maior do que a necessária para erradicar a fome no mundo. Três em cada quatro dessas empresas aumentaram suas receitas, um importante crescimento após o declínio médio que haviam experimentado em 2022. [1]

Esse aumento foi registrado, de forma geral, em todo o mundo, embora tenha gerado cifras particularmente suculentas para as empresas na Rússia e no Oriente Médio, como revelou na primeira semana de dezembro o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI). Conhecido em espanhol como Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, essa entidade internacional independente, com sede na capital sueca, dedica-se à pesquisa sobre conflitos, armamentos, controle de armas e desarmamento. Fundado em 1966, o SIPRI tem fornecido desde então dados baseados em informações públicas, análises e recomendações, e continua sendo uma fonte de referência sobre o tema da guerra e da paz.

Segundo Lorenzo Scarazzato, pesquisador do Programa de Gastos Militares e Produção de Armas do SIPRI, “em 2023, houve um aumento significativo das receitas com armas, e é provável que essa tendência continue em 2024”. De qualquer forma, Scarazzato ressalta que essas “receitas das 100 principais empresas produtoras de armas ainda não refletem completamente a magnitude [real] da demanda, e muitas empresas iniciaram campanhas de contratação, o que sugere que estão otimistas em relação às suas vendas futuras”.

Guerras midiáticas e conflitos “ignorados”

O relatório ¡Alerta 2024!, publicado pela Escola de Cultura de Paz de Barcelona, contabilizou em 2023 dezessete conflitos armados de alta intensidade em todo o mundo (de um total de trinta e seis situações conflituosas). Esses conflitos são definidos por seus elevados níveis de letalidade (mais de mil mortes anuais), graves impactos na população, deslocamentos forçados massivos e severas consequências no território.

Essa organização, dedicada a analisar confrontos bélicos, direitos humanos e construção da paz, além dos conflitos Rússia-Ucrânia e Israel-Palestina, identifica enfrentamentos militares de alta intensidade na Etiópia (em Amhara e Oromia), Mali, na região do Lago Chade (Boko Haram), no Sahel Ocidental, na República Democrática do Congo (região oriental, com dois picos principais), Somália, Sudão, Sudão do Sul, Mianmar, Paquistão, Iraque, Síria e Iêmen. Em 2023, em quase metade dos casos, observou-se um agravamento da situação. A grande maioria dessas trinta e seis situações conflituosas concentra-se na África (18) e na Ásia e no Pacífico (9). [2]

Com nome e sobrenome

Quarenta e uma das 100 maiores empresas de produção e comercialização de armamentos estão nos Estados Unidos e, em 2023, declararam receitas de 317 bilhões de dólares, um aumento de 2,5% em relação a 2022. Desde 2018, as cinco empresas no topo do ranking mundial elaborado pelo SIPRI têm sede nesse país: Lockheed Martin, RTX, Northrop Grumman, Boeing e General Dynamics. [3]

Segundo o instituto, a indústria bélica europeia está relativamente atrasada. As receitas com armas das vinte e sete empresas sediadas no Velho Mundo (excluindo a Rússia) totalizaram 133 bilhões de dólares em 2023, o que representa um aumento de apenas 0,2% em relação a 2022, o mais baixo do mundo. A britânica BAE Systems (sexta em importância); a transnacional europeia Airbus (12ª), a francesa Thales (16ª), a inglesa Rolls-Royce (22ª) e a alemã Rheinmetall (26ª) estão entre as trinta primeiras. Mas esse crescimento relativamente baixo, segundo Scarazzato, não se deve a uma menor demanda, mas ao fato de que “os sistemas de armas complexos têm prazos de produção mais longos [e, consequentemente] as empresas que os produzem reagem mais lentamente às mudanças na demanda”.

No entanto, vários produtores europeus registraram um crescimento substancial em suas receitas, especialmente em munições, artilharia e sistemas de defesa aérea e terrestre, impulsionados pela demanda relacionada à guerra Rússia-Ucrânia. Empresas da Alemanha, Suécia, Ucrânia, Polônia, Noruega e República Tcheca, em particular, aproveitaram essa demanda. Por exemplo, a alemã Rheinmetall aumentou sua capacidade de produção de munições de 155 milímetros e de seus tanques Leopard. Grande parte desses lucros se deve a transações por meio de programas de intercâmbio circular, nos quais os países que fornecem material militar à Ucrânia podem receber equipamentos de reposição de seus aliados.

O outro lado da moeda do conflito bélico no Leste Europeu: as duas empresas russas incluídas no ranking das 100 principais, a Rostec, uma corporação estatal que controla numerosos produtores de armamentos, na sétima posição, e a United Shipbuilding, na 41ª, aumentaram suas receitas em 40%, atingindo 25,5 bilhões de dólares. A maioria dos analistas, de acordo com o relatório do SIPRI, concorda que a produção russa de novos armamentos militares aumentou substancialmente em 2023, enquanto o arsenal existente passou por uma ampla renovação e modernização. Especificamente, mais aviões de combate, helicópteros, drones, tanques, munições e mísseis.

Os produtores de armas do Oriente Médio também experimentaram um crescimento nas receitas vinculado aos conflitos em Gaza e na Ucrânia. Seis das empresas no ranking das cem mais importantes estão nessa região. Suas receitas combinadas cresceram 18%, atingindo 19,6 bilhões de dólares. Desde o início da guerra em Gaza, as três empresas israelenses no ranking ganharam 13,6 bilhões de dólares, um recorde histórico para elas. Por sua vez, as três grandes empresas na Turquia contabilizaram um aumento de 24%, crescimento impulsionado pelas exportações para a guerra na Ucrânia, assim como pelo empenho do governo turco em alcançar sua própria autossuficiência em termos de armamentos.

Na Ásia, as quatro empresas sediadas na Coreia do Sul (e que estão no ranking das 100 mais importantes) aumentaram suas receitas combinadas em 39%. Por sua vez, as cinco principais empresas sediadas no Japão cresceram 35%. A NCSIST, a única empresa taiwanesa no ranking, teve um aumento de 27% em relação ao ano anterior. As três empresas indianas do ranking aumentaram 5,8%. Quanto à China, as nove empresas que fazem parte do top 100 cresceram apenas 0,7%, seu menor aumento percentual anual desde 2019, devido à atual desaceleração econômica do país.

Os prejudicados

Vários organismos internacionais estimam que, até 2030, quase 600 milhões de pessoas ainda sofrerão de fome em todo o planeta. Um estudo de novembro realizado por duas agências das Nações Unidas calcula que acabar com a fome até essa data custaria cerca de 540 bilhões de dólares. Ou seja, muito menos do que as receitas em 2023 das cem empresas mais importantes no setor de produção e comercialização de armas.

Uma grande parte das vítimas atuais da fome vive em regiões assoladas por cruéis conflitos bélicos: da Palestina ao Sudão, passando pela República Democrática do Congo e pelo Mali. Um relatório de outubro da organização não governamental OXFAM afirma que a fome provocada por conflitos bélicos custa até 21.000 vidas diárias em todo o mundo. Esse documento, intitulado Food Wars (Guerras alimentares), analisou 54 países afetados por conflitos armados e constatou que eles concentram quase a totalidade dos 281 milhões de pessoas que atualmente sofrem de fome aguda. Além disso, essa realidade bélica tem sido uma das principais causas de deslocamentos forçados, com um recorde mundial atual de mais de 117 milhões de pessoas. [4]

As armas matam. Apenas em 2023, foram mais de 160.000 vítimas diretas em zonas de guerra. Além disso, as guerras provocam fome e miséria extrema, que somam suas próprias cifras trágicas ao obituário mundial. Apesar desse drama, a corrida armamentista não para. E os benefícios dela são repartidos, essencialmente, entre um centena de grandes empresas de países que incentivam ou participam dessa fúria bélica: as grandes beneficiárias dos tiroteios planetários.

Notas

[1] https://www.sipri.org/media/press-release/2024/worlds-top-arms-producers-see-revenues-rise-back-wars-and-regional-tensions.

[2] https://reliefweb.int/report/world/alerta-2024-informe-sobre-conflictos-derechos-humanos-y-construccion-de-paz

[3] https://www.sipri.org/visualizations/2024/sipri-top-100-arms-producing-and-military-services-companies-world-2023

[4] https://www.oxfam.org/es/letters-and-statements/el-hambre-que-provocan-los-conflictos-se-cobra-hasta-21-000-vidas-diarias-en

Fonte: https://www.cadtm.org/Los-que-lucran-con-las-guerras

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

De que árvore florida
chega? Não sei.
Mas é seu perfume…

Matsuo Bashô

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