[Rússia] Algumas pessoas deixam o país, outras recorrem a explosivos

Em dezembro de 2023, o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) anunciou a prisão de um cidadão russo-italiano acusado de atacar um aeródromo militar e sabotar uma linha ferroviária. O suspeito era Ruslan Sidiki, um anarquista de 36 anos, ciclista de longa distância e eletricista. Atualmente em prisão preventiva, ele pode enfrentar uma sentença de prisão perpétua. O site Mediazona publicou uma coleção de cartas de Sidiki, nas quais ele descreve por que recorreu à sabotagem, como planejou e executou os ataques e por que se considera um prisioneiro de guerra, e não um preso político. O Meduza resumiu o conteúdo dessas cartas.

Ruslan Sidiki nasceu em Ryazan, na Rússia, mas passou boa parte da infância na Itália, para onde se mudou com a mãe. Depois de terminar a escola, tentou entrar para o exército italiano, mas não foi aceito. Permaneceu na Itália por vários anos, trabalhando e visitando a família e os amigos em Ryazan sempre que podia. Em uma dessas visitas, recebeu uma oferta de emprego como eletricista — e decidiu ficar.

“A vida aqui era bem boa até 2008”, lembrou ele. “Sentia falta da minha avó e dos meus amigos, e naquela época a Europa parecia um pouco entediante demais.”

Antes da anexação da Crimeia pela Rússia e do início da guerra no leste da Ucrânia, em 2014, Sidiki viajava com frequência para a Ucrânia, onde, entre outras coisas, fazia caminhadas pela zona de exclusão de Chernobyl. Gostava do desafio de navegar por terrenos difíceis, escapar de patrulhas e usar equipamentos militares. Nessas viagens, construiu uma rede de aventureiros com ideias semelhantes, incluindo amigos ucranianos.

Em suas cartas, Sidiki se descreve como anarquista. Diz que suas ideias sobre um mundo justo sem Estado começaram a se formar muito antes de entrar em contato com a filosofia anarquista. Embora critique o que chama de rigidez ideológica de alguns anarquistas e comunistas, afirma que sua oposição ao fascismo e ao totalitarismo nunca vacilou.

No dia em que a Rússia lançou sua invasão em grande escala da Ucrânia, Sidiki lembra de ter sentido uma sensação esmagadora de impotência. “Vi trens carregados de equipamento militar passando e o desespero me deu vontade de mastigar os canos dos canhões”, escreveu. Convencido de que a resistência armada era a única opção restante, decidiu agir. Para ele, o governo russo havia “cortado todos os meios pacíficos de influenciar a situação” ao reprimir ativistas contrários à guerra. “Qualquer um que se manifeste contra a guerra é rotulado de traidor e enfrenta repressão”, escreveu. “Nessas circunstâncias, não é surpresa que algumas pessoas prefiram deixar o país, enquanto outras recorram a explosivos.”

Sidiki escolheu como alvo a Base Aérea Dyagilevo, a apenas 10 quilômetros de sua casa. A ideia surgiu quando ele percebeu que o zumbido baixo dos aviões sobre Ryazan frequentemente coincidia com relatos de ataques aéreos russos na Ucrânia. Ele compartilhou seus planos com um “camarada ucraniano”, que o colocou em contato com “alguém experiente nessa área”. Por sugestão dessa pessoa, Sidiki viajou para a Letônia para “testar suas habilidades” — ele já se interessava por explosivos há anos e aprendera a fabricar bombas caseiras por volta dos 18 anos.

Em julho de 2023, ele executou seu ataque. Usando drones com um mecanismo de lançamento programado, configurou três veículos aéreos não tripulados para decolar três horas depois e deixou o local. Mais tarde, soube pelas notícias que apenas um dos drones chegou à base. Os outros dois, ele suspeita, foram derrubados por uma raposa que viu por perto, mas não se preocupou em espantar.

“Para ser honesto, fiquei preocupado que fossem me rastrear”, admitiu. “Mas planejei bem minha rota, alternando entre pontos cegos e áreas com câmeras. E o atraso de três horas entre minha saída e o lançamento dos drones tornou o rastreamento ainda mais difícil. Se não fosse pelos drones que ficaram para trás, eles não teriam conseguido identificar o local de lançamento.” Mesmo assim, passou o mês seguinte em alerta, ouvindo passos do lado de fora de sua porta. “Mas depois de um mês, a ansiedade passou. Se tivessem me descoberto, teriam me pegado em poucas semanas.”

Dois meses após o ataque, a avó de Sidiki faleceu. A perda o abalou profundamente. “Isso afetou minha clareza mental e minha cautela”, escreveu. “Sinceramente, eu deveria ter me dado alguns meses para me recuperar. Mas não fiz isso.”

Após abandonar os ataques com drones — depois de concluir, por tentativa e erro, que a área era protegida por sistemas de guerra eletrônica —, Ruslan Sidiki voltou sua atenção para as ferrovias. Ele mapeou uma rota na região de Ryazan usada para transportar equipamento militar e construiu duas bombas e um transmissor de vídeo com um mecanismo de autodestruição. Segundo ele, toda a operação custou apenas 10.000 rublos (cerca de 100 dólares).

Em novembro de 2023, Sidiki pedalou até o local, plantou os explosivos e posicionou uma câmera para capturar o momento da detonação. Ao amanhecer do dia seguinte, depois de se certificar de que o trem que se aproximava não transportava passageiros, detonou as bombas remotamente. Dezenove vagões de carga descarrilaram, e o assistente do maquinista sofreu ferimentos leves.

Depois disso, Sidiki escondeu sua bicicleta e as roupas que usava na floresta e voltou para casa por uma rota diferente. Mais tarde, enviou notícias do descarrilamento para seu contato na Ucrânia. “Alguns dias depois, ele me disse que seus superiores haviam decidido me enviar 15.000 dólares”, escreveu Sidiki. “Fiquei chocado — nunca tinha segurado mais de 1.000 euros na minha vida. Disse a ele que não precisava de dinheiro naquele momento e pedi para adiar o assunto.”

Três semanas depois, as autoridades chegaram até Sidiki. Os investigadores conseguiram identificá-lo por meio de imagens de uma câmera de vigilância — capturadas cinco horas após a explosão — que o mostravam caminhando por uma estrada pavimentada. “Eu estava exausto e achei que o perigo tinha passado, então caminhei o último quilômetro pelo asfalto em vez de evitar as câmeras”, escreveu.

Mesmo assim, rastreá-lo não foi fácil. “As forças de segurança me disseram que não tinham como saber de onde eu tinha vindo naquela noite. Eles estavam perdidos, assim como no caso dos drones. Mesmo quando me prenderam, ainda não tinham certeza do meu envolvimento”, lembrou Sidiki.

Na delegacia, ele contou que homens não identificados, vestidos à paisana, o torturaram por vários dias. Eles o espancaram severamente, aplicaram choques elétricos e filmaram tudo com um celular. Quando foi transferido para um centro de detenção preventiva, os médicos da instalação ficaram visivelmente chocados com sua condição. “O médico ficou atônito — meu corpo inteiro estava coberto de hematomas”, escreveu.

Sidiki foi acusado de cometer um ato terrorista, fabricar e distribuir explosivos como parte de um grupo organizado e passar por treinamento para atividades terroristas. Atualmente, aguarda julgamento e pode ser condenado à prisão perpétua. “Entendo que vou pegar uma pena longa. Não me iludo com a possibilidade de um resultado favorável”, escreveu.

Sidiki não se considera um prisioneiro político, mas sim um prisioneiro de guerra. Para ele, suas ações fazem parte do conflito entre Rússia e Ucrânia.

“Minhas ações se encaixam na definição de ‘sabotagem’, não de ‘terrorismo'”, argumentou. “Nunca tive a intenção de espalhar medo entre os civis. Meu objetivo era destruir aeronaves para que não fossem usadas para bombardear, destruir ferrovias para que não fossem usadas para transportar armas.”

Apesar de ter sido capturado, Sidiki disse que não se arrepende. “A guerra acabou para mim — fui pego. Mas sou genuinamente grato aos ucranianos que confiaram em mim. Se alguém é culpado pelo meu encarceramento, sou apenas eu”, escreveu. “Espero que os ucranianos enfrentem cada provação com resiliência. Desejo a todos céus pacíficos.”

Fonte: https://meduza.io/en/feature/2025/02/10/some-people-leave-the-country-others-turn-to-explosives

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

brilha o grampo
ou ela tem no cabelo
um pirilampo?

Carlos Seabra