[Itália] Que nojo! | Neoliberalismo bélico. Em Trump confiamos.

De crise em crise, de guerra em guerra. A crise e as guerras, com sua sucessão, são utilizadas como instrumentos coercitivos que tornam crônica a insegurança, o medo individual e coletivo, para manter a subordinação dos invisíveis. Junto ao “trabalho pobre e precário” e à inflação especulativa, que anulam salários e renda. A ordem social é permeada por uma cadeia de emergências próximas que espalham insegurança, instabilidade e um catastrofismo impotente: uma representação, uma encenação que contribui para conservar o equilíbrio das hierarquias, a fim de impedir que os explorados encontrem qualquer “saída” de sua condição, qualquer narrativa de emancipação de classe para um futuro. Os capitalistas projetam uma imagem de realidade simbólico-cultural da “Sociedade do Risco” invertida sobre as existências dos dominados e explorados.

À crise econômica se soma a austeridade para os proletários, com uma narrativa e despolitização úteis para ocultar a opressão econômica: o exercício social da austeridade prevê a construção do consenso daqueles que a sofrerão, acompanhada por uma evolução autoritária das instituições do Estado e de sua governança sobre a sociedade.

O Neoliberalismo utiliza instrumentalmente o contínuo de crises e emergências para realizar uma Sociedade baseada no Livre Mercado, “livre” não porque determinado pelo suposto encontro entre oferta e demanda, mas por ser “liberado” da mediação do Estado e de qualquer pacto social. É um projeto tanto constitutivo quanto planetário, impondo uma Globalização não mais unívoca (made in USA), mas polimórfica, capaz de se adaptar às formas históricas das nações com efeito Global, exercendo-se através das instituições do Estado, bem como pela habitual coerção militar da guerra e da vigilância digital na “era da não-paz”. A necessidade capitalista das guerras é especificamente entendida como salvaguarda contra a democracia representativa: a democracia representativa provocaria excessos reivindicativos das massas (igualdade, justiça social, através de partidos, sindicatos, associações) com efeitos perniciosos, resultando na ingovernabilidade das sociedades, pois se eliminam os direitos privados dos indivíduos e a ordem do Mercado; inadmissíveis são as limitações à liberdade capitalista, que nunca deve ser preterida pela ação pública e política: é a “Demarquia”, a ordem política do neoliberalismo, em que o Estado deve instaurar, proteger e conservar as regras da “Sociedade da Troca”. Uma democracia agora desprovida de poder soberano, não mais expressão de uma maioria (o Governo dos cidadãos), mas reduzida porque submetida aos princípios nos quais se funda a Sociedade Liberalista (o Governo da Lei): Propriedade Privada, Mercado e Lucro; é o Mercado a forma da Sociedade moldada pelo Neoliberalismo, e a Concorrência é seu instrumento disciplinar; consequentemente, é a Economia que organiza a sociedade humana, com a política e as instituições postas a garantir sua governabilidade produtiva. Assim pensava Friedrich von Hayek (1899-1992), economista e sociólogo, um dos maiores ideólogos do Liberalismo absoluto e de suas aspirações políticas autoritárias e totalitárias. Ainda hoje, ele é uma referência para a direita europeia, como o recente partido português Chega, para o presidente neoliberal argentino Milei com o novo ministro da Desregulamentação Estatal e economista Federico Sturzenegger, aluno predileto de Elon Musk, o mega bilionário que “puxou” a campanha eleitoral presidencial de Donald Trump, não apenas com financiamento, mas principalmente com o uso instrumental do Tik Tok e do Twitter-X para induzir o consenso de massa, agora membro do novo executivo trumpiano que já dita a linha política aos populistas europeus (*).

O retorno de “The Donald” à Casa Branca marca o “Governo dos bilionários”, revigorando o ordoliberalismo patriótico de uma “nova economia social de mercado” (**), onde o Direito é o conformador da ordem econômica e garantidor da livre iniciativa, da liberdade de empresa, de mercado e da propriedade privada, com a abolição de tudo o que é público, bem comum, cuidado e mutualismo; no programa do novo presidente, há a previsão de menos impostos para empresas e patrimônios, mas, portanto, menos receitas e fundos estatais para o já escasso welfare americano; tarifas protecionistas para estimular a produção e o consumo interno, desde que as empresas domésticas sejam capazes de suprir as lacunas causadas pela queda das importações; a ação das tarifas e do retorno de algumas cadeias produtivas ao país trarão repercussões econômicas e ocupacionais negativas para a União Europeia e para os estados do “quintal de casa”, como o México; expulsão e deportação de migrantes; supremacia branca que legitima o racismo e abolição dos direitos das minorias; desregulamentação do custo do trabalho; aumento dos gastos militares para a defesa, um setor altamente lucrativo, aliado ao desengajamento na frente ucraniana em favor de uma maior incisividade no Pacífico e, parcialmente, na África: os futuros limites do confronto com a China para a redefinição eco-geopolítica das áreas de influência globais; um confronto entre diferentes modelos de Capitalismo que, lembro, é polimórfico, com caminhos de enfrentamento que não serão lineares, não fosse pelas interconexões financeiras entre os estados: por exemplo, o Banco Popular da China possui 967,8 bilhões de dólares em títulos do Tesouro dos EUA (em junho de 2024, segundo o Departamento do Tesouro), e a dívida pública americana chega a 33,1 trilhões de dólares (129% do PIB); os principais bancos financeiros europeus e os Fundos de Investimento são os maiores compradores dos títulos da dívida italiana (2,973 trilhões de euros, ou 135,8% do PIB)…

As linhas programáticas do mandato presidencial já estavam presentes no “Project 2025”, o projeto político elaborado pela Fundação Heritage para a nova administração de direita: observando bem, os programas da Nova Direita, inclusive a europeia, baseiam-se todos na defesa da hierarquia e na rejeição de qualquer contrato social. Em Trump confiamos.

Roberto Brioschi 

(*) “Tik Tokracia” é o neologismo criado para indicar a influência das plataformas de mídia social na manipulação e direcionamento da opinião pública para um objetivo pré-definido: durante as eleições americanas, Musk ordenou a modificação dos algoritmos do Twitter-X para superar as reações sociais favoráveis aos posts de Biden; na Romênia, as eleições presidenciais foram anuladas devido a ações coordenadas de milhares de contas visando influenciar os eleitores.

Uma pesquisa da Universidade de Oxford, publicada em dezembro de 2024, indica que as simplificações de conteúdo presentes nas mídias sociais, os novos centros de poder, juntamente com seu monopólio comunicativo e cultural, provocam o “Brain rot”, que é a deterioração do cérebro devido ao consumo de conteúdo de baixa qualidade. (Fonte: Público n. 14, 21.12.2024, Fundação Feltrinelli)

(**)Segundo as previsões dos “Círculos de Friburgo em Brisgóvia”, escola de economia surgida na Alemanha desde os anos 1930 até o limiar dos anos 1950.

Nota do Autor: 

O “Em Trump confiamos” remete a “In God we trust”, inscrito nos cinturões de todos os exércitos. O “Governo dos bilionários” teve seu debut mundial no 1º Governo Berlusconi (maio-dezembro de 1994), ultraliberal, fundado tanto na figura do Líder absoluto quanto em suas comunicações messiânicas e midiáticas, voltadas a construir em torno dele a identidade e o destino de um novo povo; entenda-se que a comunicação do Líder prescinde sempre de conteúdos de verdade, bastando que seja funcional ao projeto político; tal e qual faz hoje Giorgia Meloni.

Fonte: https://www.sicilialibertaria.it/2025/01/09/puh-schifiu/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Entre as ruas, eu,
e em mim, eu em outras ruas,
sob a mesma noite.

Alexei Bueno

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