UMA REFLEXÃO DE ANTONIO ESCOLAR PUJOLAR
Apresentação
Antonio Escolar Pujolar é médico de saúde pública, epidemiologista social. Nascido em Manresa (Barcelona) e criado em Alguaire, um pequeno povoado de Segría (Lleida). Licenciado em Medicina pela Universidade Autônoma de Barcelona (1976), completou sua formação MIR em Medicina Preventiva e Saúde Pública em Madrid, Talavera de la Reina e Murcia (1981).
A província de Cádiz tem sido, ao longo de quase 40 anos, seu principal espaço vital e profissional. Suas pesquisas buscam visibilizar a relação entre os determinantes sociais e a distribuição dos problemas de saúde. Seu trabalho como epidemiologista social tem sido dedicado ao estudo das desigualdades sociais em saúde e sua relação com alguns determinantes estruturais e intermediários (as políticas e o poder; o nível de estudos; dificuldade para chegar ao fim do mês; nível de privação e vulnerabilidade do bairro de residência; acesso aos serviços de saúde…)
Membro da Associação pela Defesa da Saúde Pública da Andaluzia, editor do Primeiro Relatório sobre Desigualdades Sociais e Saúde na Andaluzia, participou da organização das Jornadas sobre Desigualdades Sociais e Saúde, realizadas de forma ininterrupta na cidade de Cádiz de 2001 a 2020.
A pesquisa com a qual se sente mais à vontade como epidemiologista social está contida no livro «O Meio Social, a pedra angular», que junto com o de Beatriz Díaz «Caminho de Gibraltar», buscava compreender «as causas das causas das causas» da sobremortalidade por câncer na região de El Campo de Gibraltar.
Para xs interessadxs em conhecer as pesquisas nas quais participei:
https://www.researchgate.net/profile/Antonio-Escolar-Pujolar
«A epidemiologia é um terreno de luta de ideias, de disputa sobre como enunciar a saúde e como agir, e essa disputa obedece a interesses sociais conflitantes». Jaime Breilh
É difícil
responder o que acaba te levando à prática profissional de um epidemiologista social. Minha formação na Faculdade de Medicina e no MIR de Medicina Preventiva e Saúde Pública não apontavam nessa direção.
A epidemiologia, o ramo do conhecimento que escolhi para meu futuro desempenho profissional, constitui um âmbito particular da Saúde Pública, dedicado à medida da frequência e distribuição populacional de problemas e fenômenos de saúde, identificar seus determinantes, propor-estabelecer medidas de controle e avaliar sua eficácia e efetividade. A epidemiologia em sua etapa chamada moderna, a partir da segunda metade do século XX, consolida-se como o ramo da Saúde Pública que converte em números, quantifica, a magnitude e características dos problemas de saúde de uma população, perspectiva especialmente implementada nos países do norte global de influência anglo-saxã.
No marco de um modelo de desenvolvimento capitalista, com uma orientação empirista da ciência, enumerar da forma mais precisa possível os fenômenos de saúde nas populações e propor medidas de controle era e é fundamental para garantir sua continuidade. Os problemas de saúde nos interrogam sobre suas possíveis causas, inquietam as populações, que buscam e exigem respostas, as quais devem ser convenientemente modeladas pelo poder para evitar efeitos desestabilizadores. Conduzir o processo de investigação causal era e é fundamental para a governança do Sistema. Uma governança que não podia se permitir a aparição surpreendente de episódios epidêmicos, pandêmicos entre eles, que pudessem colocar em questão o objetivo irrenunciável do crescimento econômico e, sobretudo, revelar sua responsabilidade na gênese dos problemas de saúde.
A epidemiologia moderna
nos países do norte global não ia se enfrentar tanto a epidemias de doenças infecciosas, com exceções como a AIDS, ou a mais recente da COVID-19, quanto às consequências sobre a Saúde Pública derivadas do modelo de desenvolvimento capitalista de matriz industrial. Consequências ligadas, entre outras exposições de risco para a saúde, à introdução massiva no meio natural e nos corpos (incorporação) de centenas de milhares de substâncias químicas biocompatíveis, fossem ou não cancerígenas. Exposições de risco introduzidas extensivamente nos distintos processos industriais sustentadores do desenvolvimento capitalista e executadas nos compartimentos de exploração laboral (benzeno, cloreto de vinila…), impregnadas nos hábitos (tabagismo, …), submersas na alimentação (alimentos processados…), e/ou vertidas ao meio ambiente (contaminantes atmosféricos, águas, alimentos…). Consequências finalmente «encarnadas» nos corpos sob a forma de distintos tipos de câncer, doenças cardiovasculares, respiratórias, digestivas, musculoesqueléticas, autoimunes…, além de doenças mentais entrelaçadas com os processos de transformação das relações sociais, a destruição do comunitário e a entronização das fantasias da individualidade.
A epidemiologia moderna se situava diante de um novo perfil de morbimortalidade dominado pelas doenças crônicas, que sem reparos acabamos denominando como próprias das sociedades desenvolvidas do norte global, o preço, justificava-se, que essas sociedades deviam pagar pelo desenvolvimento capitalista, inevitáveis se queríamos desfrutar do bem-estar que, apesar de tudo, destilava o capitalismo. Negando a existência de modelos econômicos e sociais alternativos, as populações do norte global deviam assumir em prol do progresso econômico exposições e riscos para a saúde. Assim o acabaram aceitando as populações do norte global e a comunidade científica, a qual, majoritária e adequadamente disciplinada pela indústria farmacêutica e pelas prioridades de financiamento, concentrou seus esforços investigativos na busca de soluções terapêuticas que permitissem, mais que a cura, a cronificação dos processos patológicos, com o que assim se garantia a continuidade do fluxo de dividendos e bônus entre acionistas e diretores. A epidemiologia convencional, embora com um menor protagonismo, acompanhou esse caminho, encarregando-se de encontrar as soluções adequadas para manter a frequência das doenças do novo perfil dentro de limites «normais», mas sem questionar a radicalidade de suas causas.
ENQUANTO ISSO
grande parte da população do sul global ia ser submetida a partir dos anos 80, e após uma descolonização aparente, ao papel de ator secundário que a nova globalização de orientação neoliberal lhes havia reservado. Privados de direitos trabalhistas e garantias ambientais, sua incorporação aos processos de manufatura de bens de consumo destinados aos mercados do norte e sul global ia conduzi-los, após os correspondentes períodos de latência (tempo entre as exposições e a doença), a somar seus corpos aos novos perfis de morbimortalidade das sociedades ocidentais desenvolvidas, mas sem dispor de recursos amortizadores suficientes para enfrentar suas consequências. Perfil que, em muitos territórios, sobretudo africanos, ia conviver com seus panoramas prévios de morbimortalidade próprios das doenças infecciosas.
O Sistema precisava levar uma boa contabilidade de doenças e mortes. Mas não valia qualquer contabilidade, pois os problemas de saúde podem ser contados (numerados) e contados (relatados) de diversas maneiras. A metodologia que se impôs, tanto no relato quanto na quantificação, dissecava os fenômenos de saúde mostrando os elementos causais mais próximos à doença, ao mesmo tempo que se ocultavam e ignoravam os elementos que poderiam ter iniciado a cadeia causal, os distais. Estudos específicos e sistemas de vigilância epidemiológica assumiriam essa abordagem, favorecendo, entre outras iniciativas, a criação e exploração de bases de dados nas quais os elementos individuais, comportamentais e/ou biológicos, fossem os protagonistas destacados.
FUNDAMENTALMENTE
a epidemiologia moderna concentrou a busca dos determinantes da saúde em: 1º) os comportamentos individuais, os chamados estilos de vida, 2º) o funcionamento de nossa biologia (marcadores celulares e moleculares), e 3º) o funcionamento dos serviços de saúde (qualidade, acessibilidade, cobertura). A partir de abordagens analíticas de uma progressiva complexidade matemático-estatística, a epidemiologia forneceu um extenso catálogo de “fatores de risco” de cunho individual. Desse catálogo extrai-se a tríade preventiva: 1º.) deixar de fumar, 2º) praticar exercício físico e 3º) aumentar o consumo de frutas e verduras, tríade convertida na principal guia de uma vida saudável, guia assumida pela população geral e pelos profissionais de saúde, e proclamada de forma incansável pelos meios de comunicação. Uma estratégia geradora de mais desigualdade, dado que o seguimento da norma saudável ignora sua determinação social, com o que aqueles indivíduos pertencentes a grupos e classes sociais com melhores condições de vida, em suma, com mais capacidade de decisão, podem adotá-la com mais facilidade. Os dados mostram, com muito poucas exceções, um gradiente social negativo na distribuição da tríade saudável.
Uma sofisticada riqueza «metodológica» nas análises, da qual se presume em congressos e reuniões científicas, frente a uma pobreza epistemológica esmagadora. Aprisionados sob toneladas de dados, dedica-se mais tempo ao trato dos mesmos que à ação direta dirigida a dar soluções efetivas aos problemas analisados. Apesar de seu fracasso objetivo, a estratégia de promoção da saúde centrada nos estilos de vida, e não nas condições e modos de vida, acabou se impondo.
PARA O SISTEMA
era e é fundamental colocar o foco causal do «adoecer» no plano individual dos comportamentos, invisibilizando simultaneamente os contextos nos quais estes se produzem. Uma abordagem que situa o indivíduo como único responsável pelo problema de saúde. Amputados de seus contextos sociais, só «conta» o que nos digam os parâmetros biológicos ou comportamentais. Os afetados por um problema de saúde são culpabilizados por não terem sido capazes de cumprir a norma saudável, uma culpa que se prolonga o não comparecimento aos serviços de saúde para obter conselho preventivo ou um diagnóstico. Vítimas convertidas em culpadas, enquanto os verdadeiros culpados se ocultam na culpa alheia. Um panorama ideal para os que definem as regras da «normalidade», os detentores do poder.
A conservação da saúde e a prevenção da doença se convertem, na atual etapa do capitalismo neoliberal, em um projeto de gestão empresarial, a gestão do EU saudável se incorpora à do EU empreendedor. Uma gestão sustentada em dois pilares: o seguimento da guia saudável e o contato regular com o sistema de cuidados de saúde. O compromisso de produtividade exigido pelo Sistema para a obtenção de mais-valias se estende ao âmbito da saúde, produzir sua própria saúde fazendo um uso adequado do conhecimento que, entre outros âmbitos da ciência, forneceu a epidemiologia moderna.
Para quando a vontade individual falha, quando minha gestão do EU saudável se mostra incapaz de alcançar os objetivos marcados, aparece o Mercado ao resgate, para quem possa pagar, colocando à minha disposição um amplo catálogo de salva-vidas: cursos de alimentação natural, de manutenção do peso, prática de esportes e exercício físico, yoga, mindfulness, atividades de lazer, detecção precoce de doenças, explorações complementares, conselhos, monitorizações, etc.
Desprovida de seus contextos, as alternativas preventivas, terapêuticas ou reparadoras ficam limitadas a estas duas geografias: o indivíduo e o mercado.
IMPOR
um determinado modelo causal no âmbito da saúde-doença é fundamental para poder conduzir as populações para os desvios explicativos que garantam a continuidade da governança capitalista, sobretudo para a manutenção da desigualdade social sobre a qual esta se constitui. Uma vez interiorizado que o processo de adoecer ou de manter a saúde depende principalmente de si mesmo, os designers das perguntas e respostas convenientes podem seguir concentrados em seu principal objetivo, a acumulação de mais-valias e privilégios associados.
Durante um curto período temporal animado pela OMS, as análises e recomendações surgidas da Conferência Internacional de Alma-Ata (1978) tentaram deslocar o hospitalocentrismo prevalente, eixo dominante dos Sistemas de Saúde, para um modelo alternativo, a Atenção Primária de Saúde, mais próxima da cotidianidade vital das pessoas e no qual se considerasse a Saúde como um direito carregado de conteúdo socioeconômico, aberto à participação da sociedade, com uma assistência sanitária baseada em métodos e tecnologias simples, cientificamente fundamentadas e socialmente aceitáveis. No entanto, e para desgraça de grande parte da população mundial, sobretudo do sul global, a chegada de M. Thatcher (1979) e R. Reagan (1981) aos governos da Grã-Bretanha e dos EUA deu um impulso decisivo à extensão da iniciativa privada e público-privada a todas as áreas da atividade econômica, incluída a sanitária, limitando o papel do Estado na defesa dos serviços públicos.
A Atenção Primária de Saúde que reclamava dos Estados um papel central para seu desenvolvimento e manutenção entrou em uma crise da qual não se recuperou, e que no Estado Espanhol se encontra em seu máximo esplendor. O hospital como instituição emblemática, que concentra especialistas e tecnologias, se reafirma como centro do sistema de cuidados de saúde, o farol que ilumina a rota da cidadania na busca de soluções para seus problemas de saúde. O hospital como destilado da primazia biotecnológica sobre os corpos, sua materialidade, acabou se impondo sobre a significação social e relacional da Atenção Primária de Saúde. Concentração de significados curativos engrenada com a concentração de dispositivos tecnológicos.
FRENTE
a esse agir da epidemiologia moderna surge a moderna «epidemiologia social», que se distingue, de acordo com N. Krieger, por seu empenho em investigar explicitamente os determinantes sociais das distribuições da saúde, da doença e do bem-estar nas populações, em vez de tratar esses determinantes como um simples pano de fundo dos fenômenos biomédicos e/ou comportamentais (acréscimo meu). Um empenho que, para alguns autores, sobretudo latino-americanos (J. Breilh), ficava aquém no afã de aprofundar na radicalidade das causas e que deu lugar à reivindicação de uma epidemiologia social que aprofundasse em maior medida no estudo das relações de poder que determinam a saúde dos povos, orientação à qual se etiquetou como epidemiologia crítica.
Entre outras características específicas da epidemiologia social «crítica» está sua ênfase no estudo do processo de saúde-doença nos coletivos, na comunidade, entendendo-a não como um conjunto unidimensional ou um somatório de indivíduos, como assim se contempla na epidemiologia moderna ou convencional, mas reclamando o coletivo ou comunitário pela carga social e histórica que os constitui como grupo humano. Na epidemiologia convencional, o socioeconômico, quando é considerado nas análises, é apenas um fator de risco mais, como pode ser o ter sido fumante, não como um determinante estrutural.
No espaço da epidemiologia social, elaboraram-se distintos marcos teóricos explicativos relativos à determinação social da saúde-doença. O ponto essencial de quase todos eles é que o padrão-perfil de distribuição da saúde em uma população é fundamentalmente consequência das condições e modos de vida de seus componentes, condições e modos que, em maior ou menor medida, estão desigualmente e injustamente distribuídos. Condições e modos de vida estreitamente ligados às estruturas e relações de poder político-econômicas, expressas de acordo com os contextos culturais e históricos nos quais aquelas se configuram. Através de interações complexas, entre outras com as características biológicas individuais, expressa-se finalmente uma distribuição social da saúde-doença em um espaço, um lugar e um tempo históricos dados.
Para explicar essa distribuição, é chave resgatar o conceito de mais-valia, ou mais-valor, base fundamental do sistema capitalista que permite a desigual e injusta acumulação de capital e de acesso ao bem-estar material, do qual se beneficiam especialmente os situados no topo da estrutura social. Todo o processo extrativo necessário para a geração de mais-valias precisa de uma intermediação com a natureza e com os corpos dos sujeitos implicados (gráficos 1 e 2). Segundo o papel atribuído no processo extrativo, de acordo com o gênero, a classe social, a etnia ou o território, a saúde contida em uns corpos é, em maior ou menor grau, extraída e transferida para outros corpos situados em posições de poder superiores1.
A consecução de mais-valias leva incorporada não só a componente de intercâmbio monetário, mas também de intercâmbio de saúde produzido nos diversos circuitos extrativos, de produção e reprodução, transitados ao longo da vida. A obtenção de mais-valia implica um plus de saúde (vida) para uns à custa de menos saúde de outros (doença e morte). Segundo seja a magnitude e características da extração e transferência de saúde na escala social e seus estratos, assim serão as desigualdades sociais em saúde.
DESIGUALDADES SOCIAIS EM SAÚDE
definidas como diferenças no estado de saúde e/ou doença que aparecem entre grupos de população definidos social, econômica, demográfica ou geograficamente, que qualificamos como iniquidades em saúde quando são improcedentes, injustas, evitáveis e desnecessárias. A classe social, o gênero, a etnia e o território são alguns dos eixos que as determinam. As desigualdades sociais em saúde são uma consequência da iniquidade social, são o reflexo da injusta distribuição do poder cultural, político e econômico de uma sociedade, expressão do conjunto de relações históricas ‘depositadas’ no interior dos corpos dos indivíduos.
De forma similar à pegada ecológica gerada pelo padrão de exploração dos recursos naturais necessários para manter estilos, condições e modos de vida, também acumulamos (coletiva e individualmente) uma pegada de desigualdade social em saúde gerada pelo padrão de exploração dos corpos necessário para manter estilos, condições e modos de vida. Não só a exploração dos recursos naturais facilita a existência de desiguais níveis de bem-estar, mas para que isso seja possível, precisa-se da exploração da força de trabalho, um processo que leva consigo a extração e transferência de saúde entre os corpos implicados.
A investigação epidemiológica socialmente orientada tem posto repetidamente em evidência que são sobretudo mulheres e populações situadas no extremo inferior da estrutura social, muito mais submetidas a processos extrativos de saúde, as que apresentam piores cifras de morbimortalidade, esperança de vida e outros indicadores de saúde. É importante assinalar que a desigualdade social em saúde pode se expressar na escala social não só em sentido vertical, de cima para baixo, mas também de forma horizontal, transversal. Em cada um dos estratos que compõem a escala social, dão-se desiguais distribuições de poder que afetam a magnitude e distribuição da desigualdade em saúde. A violência contra a mulher, como exemplo, não deve se circunscrever exclusivamente ao marco de relações próprio do sistema capitalista, mas além disso está integrada em marcos culturais e antropológicos que o transcendem desde há séculos.
O extrativismo de saúde efetuado sobre o corpo das mulheres pode ser exercido por homens situados nos mesmos estratos sociais nos quais aquelas se situam, inclusive no mesmo grupo familiar. O trabalho reprodutivo e doméstico, trabalho não remunerado, constitui um dos fatores sobre os quais se construiu a obtenção de mais-valias de saúde extraídas dos corpos das mulheres, e transferidas para benefício maioritário dos homens. A mulher sofreu e sofre um duplo impacto negativo da desigualdade social em saúde, um derivado de sua posição na escala social e outro derivado do componente de gênero. Como destaca o coletivo ecofeminista venezuelano LaDanta LasCanta: para a manutenção da ordem política “A dominação da natureza e a dominação das mulheres são duas caras de uma mesma moeda, próprias da civilização patriarcal-capitalista”.
Adentrar-se no terreno da investigação sobre a determinação social das desigualdades em saúde é complicado e frustrante quando o equipamento formativo se encontra tão ligado a ciências impregnadas de reducionismo empírico e quantitativista. Para um epidemiologista social, deslocar-se desde as abordagens analíticas que consideram como objeto principal o efeito dos determinantes sociais intermediários (estilos de vida em especial) para os determinantes de tipo mais estrutural (governança, contexto econômico e político, normas e valores culturais, políticas…) exige a busca de aportes procedentes da história, da política, da economia, da sociologia e da antropologia, entre outras áreas do conhecimento humanista. Em consequência, a investigação qualitativa, também em epidemiologia, deveria ocupar um lugar muito mais destacado.
ENCERRAMENTO:
Encontrar um espaço de escuta aos argumentos da determinação social da saúde torna-se cada vez mais complicado quanto mais cresce o alegato científico neoliberal. Os discursos comerciais e mecanicistas avançam com promessas de implantes neuronais, transcrição de mentes a dispositivos eletrônicos, geoengenharia, design genético sob medida, viagens interplanetárias ou imortalidade entre outras utopias-delírios transumanistas. No entanto, e mais que nunca, precisamos de análises humanistas, desnudos de tecnologias, para poder compreender como chegamos à atual situação de crise civilizatória que ameaça a vida do planeta. Confiar na tecnologia para evitar as consequências negativas intrínsecas ao atual modelo capitalista de crescimento sem limites é uma falácia, um jogo de autoengano alimentado pelos fogoneiros do Sistema e aplaudido por seus pregoeiros. É primordial apagar o fogo que seguem alimentando como se não houvesse um amanhã para habitar.
Desde a epidemiologia social, com uma ênfase crítica mais explícita, podem-se aportar conhecimentos que nos ajudem a abandonar a cosmovisão própria do capitalismo, com uma sociedade entregue ao incremento constante e sem limites da produção e do consumo de bens materiais, uma cosmovisão na qual está presa a ciência e uma parte importante da população mundial.
Para poder crescer em equidade social e, portanto, em saúde, é imperativo mudar nossa relação predatória com a natureza, abandonar as fantasias da individualidade e recuperar o coletivo, o comunitário, o apoio mútuo.
Obrigado.
«Quando olho para minha mãe,
com um corpo paralisado pela dor de quinze anos de árduo trabalho de pé,
em uma cadeia de montagem,
com direito a apenas duas pausas de dez minutos para ir ao banheiro,
impressiona-me o que significa fisicamente a desigualdade social».
Didier Eribon, filósofo.
NOTA:
Gráficos 1 e 2. Modificação pessoal do original em: Report No. 20 to the Storting (2006-2007). National strategy to reduce social inequalities in health. Recommendation from the Ministry of Health and Care Services. Norway, 2007. Ilustração de Elisabeth Moseng.
Fonte: https://www.nodo50.org/ekintza/2025/epidemiologia-y-gobernanza-capitalista/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Libélula!
Dá saudades da terra natal
A cor deste muro
Buson
A FACA agradece a ressonância que nossas palavras tem encontrado na ANA: ideias e projetos autônomos, horizontais, autogeridos e anticapitalistas…
parabens
Parabéns pela análise e coerência.
Olá Fernando Vaz, tudo bem com você? Aqui é o Marcolino Jeremias, um dos organizadores da Biblioteca Carlo Aldegheri, no…
Boa tarde, meu nome é Fernando Vaz, moro na cidade de Praia Grande. Há mais de 4 anos descobri que…