‘Usei ácido por dois meses seguidos. Foi a melhor época da minha vida’: A anarco-punk americana Sunny War fala sobre bebida, drogas e a KKK

Por Alex Pedritix | 07/03/2025

Ela é a cantora de blues que dedilha e cuja vida foi transformada pela banda punk Crass – e que se tornou viral por fazer shows enquanto era sem-teto. Ela fala sobre fantasmas, sua infância “fedorenta” e a luta contra a extrema direita.

Sunny War está ligando por vídeo de sua casa em Chattanooga, Tennessee. A casa pertencia à sua avó e depois ao seu pai, que morreu durante a produção de seu último álbum. Depois que War e seu irmão se mudaram para lá, ela se convenceu de que a casa era mal-assombrada. Ela via pessoas e ouvia ruídos à noite. “Parecia que alguém estava andando por ali, a ponto de eu sair pulando com um facão na mão, achando que alguém tinha invadido a casa”, diz ela. “Isso acontecia o tempo todo. Eu achava que estava ficando louca aqui dentro.” Era confuso, “porque eu já fui louca antes. E também estava bebendo muito e, às vezes, isso me faz ter alucinações.”

Mas as aparições não eram fantasmas, nem resultavam de uma crise de saúde mental, nem mesmo de uma bebedeira: “Eu não tinha dinheiro, então não podia inspecionar a casa nem nada”, diz War, com 35 anos. “Eu estava meio que ocupando um espaço por um tempo. Então, só descobri depois de um ano que havia um vazamento de gás muito ruim no sistema dos aquecedores – era essa a causa do problema. As pessoas que inspecionaram a casa disseram: ‘Há quanto tempo você está aqui? Isso é realmente perigoso'”.

Os vazamentos de gás foram consertados, as alucinações pararam e War escreveu uma música a partir disso: Ghosts, uma exploração da morte de seu pai e do que se seguiu, aparece em seu novo álbum, Armageddon in a Summer Dress. É um disco fantástico, mais uma prova de um talento de compositora que atraiu a atenção de Willie Nelson (que fez um cover de sua música If It Wasn’t Broken em seu último álbum) e Mitski, que convidou War para tocar em seus shows mais recentes em Nova York. Trata-se de uma música americana profundamente enraizada no blues – War é uma devota de Elizabeth Cotten, cuja música Freight Train se tornou um clássico da era skiffle, e toca guitarra com um estilo característico de dedilhado “crab claw”, mais comumente usado em banjo – mas ela também mostra seu amor de longa data pelo anarco-punk.

Baforando um cigarro enquanto fala, ela é uma entrevistada desarmantemente franca e aparentemente sem filtro. “Todo mundo que eu amo é punk”, ela dá de ombros. “Quando era criança, essas eram as únicas pessoas que faziam amizade comigo, porque talvez eu fosse um pouco fedorenta e tivesse problemas com a bebida.”

Ex-integrante de uma dupla punk com o nome espetacular de Anus Kings [Reis dos Cus], War tem pôsteres antigos de Discharge e Multi-Death Corporations na parede de sua casa; ela é vista com frequência usando camisetas de Rudimentary Peni e Conflict. As letras de Armageddon in a Summer Dress versam sobre tudo, desde romance até o desejo de se desligar do incessante fluxo de notícias. Há momentos em que elas soam notavelmente como o conteúdo de um single punk de 7 polegadas: “Sucking dick for a dollar’s not the only way to ho / We sell labour, we sell hours, sell our power, sell our souls.” (“Chupar paus por alguns dólares não é a única maneira de se prostituir / Nós vendemos trabalho, vendemos horas, vendemos poder, vendemos nossas almas”) Até mesmo seu nome artístico faz com que ela soe como membro de uma banda punk – seu nome verdadeiro é Sydney Ward – ao passo que Armageddon talvez seja o primeiro álbum da história a contar com a participação de Steve Ignorant, ex-vocalista do Crass, que você poderia imaginar sendo tocado na BBC Radio 2 ou rendendo ao seu autor uma vaga no Later… With Jools Holland (De Noite… com Jools Holland).

A participação de Ignorant, segundo ela, foi a realização de um sonho: ela ouviu o Crass quando tinha “provavelmente 13 anos” e eles mudaram sua vida. “Fui criada como cristã batista – minha avó fez uma lavagem cerebral em mim para que eu tivesse medo do inferno – e o Crass me fez perceber: sofri abuso. Foi abusivo fazer com que uma criança tivesse tanto medo de algo sem escolha. Eu estava tendo muita dificuldade na escola, não era boa em aprender da maneira que eles tentavam nos ensinar, estava sendo reprovada em tudo. O Crass me mostrou: Não tenho que fazer isso; tudo o que estou fazendo é contra a minha vontade. Comecei a pensar de forma diferente”. Ela faltou à escola para sair com punks “que bebiam na praia o dia todo e comiam lixo – fatias de pizza que as pessoas tinham jogado fora. O Crass foi como a porta de entrada para eu descobrir o que queria fazer”.

Ela fugiu de casa para Venice Beach, na Califórnia, pegando trens, “dormindo na floresta”, fazendo bicos para ganhar dinheiro. “Foi a melhor época da minha vida”, diz ela. “Eu só tinha uma mochila, um saco de dormir e meu violão. Eu dormia no Golden Gate Park [em São Francisco], ia para o Oregon. Fui ao [festival de contracultura] Rainbow Gathering com os esquisitões do Grateful Dead que conheci, tomei ácido por dois meses seguidos e me diverti muito. Foi incrível”. Longe de ser um ambiente inseguro para uma adolescente, ela diz: “As pessoas cuidavam de mim, certificavam-se de que eu não fosse presa, diziam-me com quem não deveria andar, alertavam sobre quem era um abusador”. Foi ótimo, até que não foi mais. “Eu me envolvi com várias drogas e fiquei muito dependente.”

War começou a atrair atenção por sua música quando um professor de uma faculdade comunitária que estava fazendo um documentário sobre comunidades sem-teto a filmou tocando “um blues de Nashville que eu escrevi” e publicou no YouTube com o título Amazing Venice Beach Homeless Girl on Guitar. O vídeo teve milhões de visualizações, mas War tinha desenvolvido um problema com heroína e metanfetamina. Ela começou a ter convulsões e passou um tempo na cadeia e em hospitais psiquiátricos. Ela gravou seu primeiro EP enquanto residia em um asilo, produzindo CDs para vender nas ruas. Certa vez, ela calculou que “quase 40 pessoas que conheci quando era criança de rua” estavam mortas, seja por insuficiência hepática ou overdose. “Mas tenho alguns amigos que ainda pegam trens e dormem na rua. Eles são honestos e muito saudáveis”, ela dá de ombros. “Eles são tipo veganos e tal.”

Depois de ficar limpa, ela começou a lançar álbuns por conta própria, assinou contrato com uma gravadora local e, em seguida, com a instituição americana de longa data New West – lar de Steve Earle, Drive-By Truckers e Elvis Costello e T Bone Burnett’s the Coward Brothers. Sua estreia veio com Anarchist Gospel, de 2023, que contou com a participação da realeza do country alternativo David Rawlings. Os anos de shows na rua a prepararam para a vida de turnê. “Não tenho o medo que outros artistas têm, porque todas as coisas mais malucas que poderiam acontecer enquanto você está tocando já aconteceram comigo”, diz ela. “Já tive gangues de adolescentes que me provocaram. Um viciado em crack roubou todas as minhas gorjetas do estojo da guitarra e fugiu. E presto muita atenção em como as pessoas reagem às músicas, porque, como músico de rua, você está sempre tentando descobrir: ah, as pessoas dão gorjetas muito boas se você tocar isso.”

Ela diz que ainda se identifica como anarquista, embora admita estar se sentindo um pouco “derrotada” e “exausta” atualmente. “No trabalho ativista do qual participei, a polícia se opôs a coisas que eram obviamente positivas.” Ela cita a South Central Farm, uma horta comunitária em Los Angeles que funcionou por cerca de duas décadas, mas foi desmantelada em meados dos anos 2000 depois que o terreno foi vendido. “Havia uma grande fazenda urbana nesse deserto de alimentos em South Central, uma coisa linda. As pessoas estavam cultivando alimentos porque não havia mercearias na área para comprar produtos e ninguém podia comer nada além de fast food. Tudo estava desenvolvido, as pessoas estavam realmente conseguindo se alimentar. E eles simplesmente destruíram tudo sem motivo algum”. Ela solta um suspiro. “Você sente que há pessoas contra tudo o que poderia ser bom.”

É um sentimento agravado pelos recentes acontecimentos na política americana. War se descreve como “”Negra não como Obama; mas sim Negra como quando os Nigerianos me perguntam de que tribo eu sou””. Em Chattanooga, ela viu recentemente um panfleto de divulgação da divisão local da Ku Klux Klan: “VÃO EMBORA”, dizia; ‘SE AUTO-DEPORTEM’. Ela postou o panfleto no Instagram sugerindo que a única resposta racional seria usar suas velhas botas com biqueira de aço. “Isso é real”, ela acena com a cabeça. “Onde eu moro, a KKK nunca foi embora. Mas agora eles têm o cara deles no poder. A única maneira de lidar com isso, para mim, é aceitar que essas pessoas estão no comando de suas próprias vidas. Não posso colocar toda a minha energia em ficar com raiva de como alguém escolhe pensar. Se você é um adulto e se identifica como um Klansman [membro da KKK], o que devo fazer? Não é minha responsabilidade mudar a maneira de pensar de alguém com 40 anos. É apenas um bando de malditos nazistas. Eu nasci aqui; tudo o que posso fazer é me defender. Você tem o direito de ser o que você é, creio eu. E eu tenho o direito de lutar contra você se algo acontecer.”

Pelo menos, em um nível pessoal, as coisas estão indo bem. Armageddon foi aclamado pela crítica e War planeja entrar em processo de produção e fazer uma turnê pelo Reino Unido, embora as condições financeiras impeçam sua ideia de se apresentar com os “cinco guitarristas” que deseja. Além disso, ela conquistou um espaço único para si mesma: realmente não há muitos artistas americanos Negros de inspiração anarco-punk, embora ela diga que não tem certeza do motivo. “Para mim, é o mesmo tipo de música. Se você gosta de punk por causa das letras e da mensagem, com certeza há muita música antiga que tem esse espírito. O folk costumava ser muito anti-institucional. Pete Seeger, canções sindicais, Woody Guthrie – isso é punk-rock. É basicamente uma questão de ser um forasteiro”.

  • Armageddon in a Summer Dress está disponível hoje em New West

Fonte: https://www.theguardian.com/music/2025/mar/07/americana-anarcho-punk-sunny-war-on-ghosts-crass-and-the-kkk

Tradução > acervo trans-anarquista

agência de notícias anarquistas-ana

Rumo sem destino
Borboletas amarelas
voam par em par.

Rafaela Cristiane W. Kowalski

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