Grécia: Sob o concreto, algo está queimando

Título original: Κάτω απ’ το τσιμέντο, κάτι βράζει

Autor: Rasprava Squat, 2025

sob o concreto,

algo está queimando

Após o fim do evento “Memória revolucionária e perspectiva da luta” na rua Mesologgiou, uma multidão de companheiros desceu para as ruas Kolettis e Themistokleous em defesa da liberação do prédio.

A seguir, o comunicado introdutório da ocupação:

O silêncio da metrópole pesa como uma rocha em nossos ombros. As ruas estão cheias de olhares desgastados, corpos que se arrastam por hábito, por medo, por submissão. O mundo se movimenta por caminhos predeterminados, sem hesitar, modulando seus sonhos. Tudo é programado para funcionar exatamente como eles querem: trabalho, consumo, obediência. No entanto, sempre, sob a superfície, algo está fervendo.

A história não é escrita pelos obedientes. Alguns poucos optam por carregar o fardo da desobediência. Para quebrar o concreto da normalidade. Confrontar a mão invisível do poder que sufoca todos os aspectos de nossa vida. Recusar-se a se submeter não é uma mera postura. É um chamado para questionar, para derrubar, para retomar tudo o que nos pertence.

Somos companheiros, anarquistas de diferentes origens políticas e ideológicas, mas nos encontramos nas mesmas chamas de luta. É aí, onde nossas lutas comuns e experiências coletivas nos uniram, que reconhecemos a necessidade vital da criação de um espaço para reuniões, amadurecimento político1, troca de opiniões e fortalecimento organizacional.

Em um momento em que o isolamento é imposto e as comunidades de luta estão sendo desmanteladas pela repressão, a formação de tais espaços não é apenas necessária – é crucial.

Os golpes repressivos dos últimos anos não ocorreram por acaso. As autoridades estão tentando eliminar qualquer foco de resistência, esmagar qualquer forma de auto-organização e extinguir a chama da contestação.

Grandes conquistas foram perdidas, o movimento foi relegado à defensiva, a recessão já está no horizonte. Mas sabemos que a história é escrita por aqueles que não recuam, por aqueles que não têm medo de enfrentar a realidade.

Permanecer na defensiva é aceitar a derrota. E isso não vai acontecer.

Agora é hora de transformar palavras em ação, de passar da defesa para o ataque.

Portanto, vamos deixar claro que o inimigo não se livrará de nós tão facilmente.

Precisamos definir nosso próprio campo de luta, reivindicar nosso espaço e tempo.

Libertar territórios da dominação, criar um centro vibrante de resistência, uma célula radical de mobilização2 tanto na teoria quanto na ação.

Concebemos a ocupação como parte integrante do movimento e o movimento como um elemento orgânico da ocupação.

A existência de territórios de luta não é apenas uma questão prática, mas uma questão profundamente política.

As ocupações não são apenas lugares para passear, não são apenas lugares de hospitalidade.

São redutos de resistência, laboratórios de práticas radicais, rachaduras à normalidade que tentam nos impor.

E essa é uma realidade inegociável.

Cada bairro, cada rua, cada praça não é um terreno neutro. É um mapa vibrante de oposições, conflitos e reivindicações. As cidades são construídas com base na disciplina, no policiamento e na esterilização do espaço público. As praças estão cheias de câmeras de vigilância, as paredes são pintadas de cinza, os edifícios se tornam bastiões inacessíveis para aqueles que não podem pagar o preço da existência em um mundo onde tudo tem um custo.

A dominação está implementando um plano estratégico de controle universal das metrópoles, esmagando qualquer fonte de resistência.

Armado com propaganda obscura e guerra ideológica, ele tenta moldar a consciência, enquanto a degradação deliberada dos bairros por meio da disseminação do crime organizado e da expulsão violenta da população local está preparando o caminho para sua completa absorção pelo capital.

A repressão do estado atua como uma guarda armada dos empresários, as agências imobiliárias estão devorando terras, as casas se tornam mercadorias, os aluguéis sobem, os espaços públicos se tornam campos estéreis de vigilância e uniformidade consumista.

A praga da gentrificação e da ostentação está devorando as cidades, agindo como um mecanismo de subjugação e controle social.

Exarchia, um bairro que tem uma história vibrante de lutas, está na mira do estado e do ataque capitalista.

O estado, por um lado, desencadeia ondas de repressão: as ocupações são evacuadas, a presença da polícia é reforçada, os espaços públicos são militarizados. Por outro lado, o capital está saqueando a memória coletiva, absorvendo símbolos de resistência e transformando-os em uma mercadoria turística. Nossas subculturas são forjadas e adaptadas a projetos comerciais “alternativos”, enquanto o bairro é alterado para atender à indústria do entretenimento e do estilo de vida [lifestyle].

Não permitiremos que transformem o terreno de nossas lutas em apenas mais uma atração ornamental. Estamos inaugurando a ocupação no bairro histórico de Exarchia por todos esses motivos.

Porque suas ruas não estão à venda.

Porque memórias não são comercializadas.

Porque a resistência viva não é uma atração turística, mas um campo de batalha.

As ocupações podem certamente ser ilhas de resistência no arquipélago da luta. Elas também são barricadas. São espaços onde a dominação perde o controle, onde o estado não é mais o regulador absoluto da vida. São oficinas de luta, pontos de encontro, centros de auto-organização e ação.

A cultura insurrecional e revolucionária não acontece por conta própria.

É cultivada.

Ela se desenvolve nos porões, nas praças, nos abrigos, nos olhos que não se curvam, nos corpos que não aceitam obedecer ao inimigo.

A ocupação não é um evento isolado.

Ela tem o potencial de se desviar na prática da negação, de nos lembrar constantemente de que não somos números nos registros do estado, não somos engrenagens nas rodas da produção, não somos peões no jogo de xadrez do poder.

Estamos aqui para tomar o que é nosso, para abrir brechas a partir das quais surgem novas possibilidades.

As circunstâncias, portanto, nos deixam intactos no que diz respeito à nossa consciência e ação anarquista. Não queremos nos alinhar com o terror que surge dos “tempos repressivamente duros”. Contra a retórica reformista, cuja expressão reside no conformismo político no campo da ação, estamos determinados a uma ruptura radical total e duradoura.

Nossa preocupação não é a repressão que existe e continuará existindo contra nós, mas a constante disputa entre nós mesmos para evitar estratégias políticas que levem um movimento a cair no esquecimento por meio de uma presença militante cada vez mais incompleta, tanto em termos de eventos como de estruturas.

Entendemos que, como movimento, a ausência de uma cultura militante nos enfraquece, nos torna vulneráveis e impotentes diante da investida do poder.

A inação é sinônimo de derrota.

Portanto, por meio dessa iniciativa, tentamos construir uma base sólida que impulsione uma perspectiva revolucionária/insurrecional, intensifique a ameaça contra os mecanismos opressivos do presente e cultive as consciências insurgentes do amanhã.

Pois a insurreição não é um esquema teórico. É prática, é fermentação3, é conflito constante.

POR QUE escolhemos e promovemos o REVOLUCIONÁRIO e o INSURRECIONÁRIO (AÇÃO DIRETA) como uma cultura?

  1. Porque é o único meio de confronto direto com o inimigo, aqui e agora. É a prática que cria “pontos zero”, quebrando as correntes da normalidade, permitindo que os indivíduos determinem seu próprio destino.
  2. Porque, em sua essência, a Anarquia é uma luta constante pela liberdade. Não é um slogan, não é uma teoria, é um conflito, é uma práxis.
  3. As relações de camaradagem da causa não são um conceito abstrato, mas relações vivas e inegociáveis entre os militantes. Elas são forjadas no fogo da batalha, lado a lado em cada crise, cada derrota, cada momento difícil. É lá que redescobrimos nosso eu-coletivo perdido.
  4. Porque ela leva os indivíduos a ultrapassarem seus limites, a romperem as correntes do medo, a questionarem o impossível.
  5. Porque a agressividade da ação direta não é uma violência aleatória, mas uma decisão estratégica.

Uma expansão da ação revolucionária, a ampliação do confronto violento com as forças do poder, é necessária para a demolição do estado e da estrutura capitalista e para a destruição das relações sociais de opressão.

É dever de todo ser humano militante enriquecer diariamente as ferramentas que, tanto em nível prático quanto teórico, o levarão à realização de seus ideais. Isso requer ousadia, risco, imaginação, organização, fé e consistência. A intenção não é suficiente, é preciso decisão. Por essas razões, portanto, a inauguração desta ocupação é para nós uma contribuição nessa direção.

RUMO À ANARQUIA

Juntos podemos fazer tudo, podemos jogar fora a visão do fim que parece muito próximo

Podemos viver como seres humanos orgulhosos e livres

Podemos destruir o muro e ver uma vida inteira de alegria esperando por nós!

Ocupação Rasprava

Rua Koletti e Themistocleous.

1 (πολιτικής ζύμωσης no texto original, significa literalmente fermentação política), o debate teórico dentro de um espaço político, social, etc. que prepara a mudança de uma situação.

2 (εστία ζύμωσης, no texto original, significa literalmente epicentro (ponto focal) de fermentação)

3 (Ζύμωση no texto original), o debate teórico dentro de um espaço político, social, etc. que propicia a mudança de uma situação, no mesmo contexto da nota de rodapé nº 1.

Tradução > acervo trans-anarquista

agência de notícias anarquistas-ana

Ao longo do muro
Flores de trapoeraba
E um banco vazio…

Tânia D’Orfani

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