
Algumas notas vitais sobre a companheira de Buenaventura Durruti, Émilienne Morin, e sua filha Colette, por ocasião do falecimento recente desta última na França.
Por Chema Álvarez Rodríguez | 22/04/2025
Há poucos dias faleceu na França Colette, também conhecida como Diana, de sobrenome de casada Marlot e de solteira Durruti. A notícia de sua morte, da qual não sabemos a data exata, chegou a uma imprensa restrita e aos meios libertários por ser filha de quem foi: Buenaventura Durruti, anarco-sindicalista morto na frente de Madri em 1936, defendendo a capital contra o fascismo. Quem não conhece Durruti?
Sabemos quase nada da vida de Colette, exceto o que teve a ver com a memória de seu pai. Às vezes, essa lembrança também traz a figura esmaecida de sua mãe, Émilienne Morin, a francesa que Durruti conheceu na Livraria Internacional Anarquista de Paris.
Émilienne tinha 26 anos e trabalhava, ou havia trabalhado, como secretária no jornal Ce qu’il faut dire…, fundado por Sébastien Faure. Filha de uma operária de fábrica, Ernestine Giraud, e de Étienne Morin, sindicalista e compagnon du bâtiment, Émilienne fez parte, em sua juventude, do grupo do 15º distrito de Paris, junto aos Jovens Sindicalistas do Sena. Ativa e comprometida com a causa revolucionária, também participou das campanhas pela libertação de Sacco e Vanzetti, assim como dos comitês de apoio à libertação de Durruti, Ascaso e Jover quando estiveram presos na França, mesmo sem conhecê-los. Em 1924, casou-se com o anarquista Mario Antonio Casari, também conhecido como Cesario Tafani e Oscar Barodi, de quem se divorciou três anos depois.
Em 14 de julho de 1927, Émilienne estava na Livraria Social Internacional, também chamada Livraria Internacional Anarquista, no número 72 da Rue des Prairies, no 20º distrito de Paris. A livraria, cuja abertura contou com apoio financeiro de anarquistas espanhóis, era gerida por Séverin Férandel, anarquista francês, poliglota, editor e companheiro à época de Berthe Suzanne Faber, diretora do jornal em língua espanhola Acción. Berthe e Émilienne não eram apenas companheiras, mas grandes amigas.
Naquele dia de verão parisiense, Berthe e Émilienne viram entrar na livraria dois espanhóis. Reconheceram imediatamente Durruti e Ascaso, que trabalhavam na Renault, e bastaram poucas palavras para que Durruti e Émilienne unissem suas vidas a partir daquele momento, selando uma relação no melhor paraíso que um anarquista poderia sonhar: uma livraria. Com o tempo, Berthe Faber também se tornaria companheira sentimental de Francisco Ascaso. A relação entre Émilienne e Berthe, os rumos de suas vidas após a perda dos companheiros, sua troca de cartas enquanto Berthe estava na Barcelona sitiada e faminta no fim da guerra, em dezembro de 1938, e Émilienne em Paris participando dos comitês de ajuda, sua amizade ao longo do tempo — daria para escrever outro artigo inteiro.
As forças vitais de Mimí, apelido de Émilienne, eram a inteligência e a independência. Esse testemunho foi escrito por Lola Iturbe, amiga pessoal, em seu livro A mulher na luta social e na guerra civil da Espanha. Lola a descreveu como uma mulher muito simpática, de pele clara e olhos azuis, com cabelo cortado à garçon, dotada de grandes habilidades oratórias, demonstradas nos debates públicos. Lola e Émilienne se conheceram em Bruxelas, pouco depois de Durruti ser expulso da França em 1927. Émilienne logo se reuniu com ele e participou dos debates públicos. As polêmicas a que Lola se refere eram discussões na Casa do Povo de Bruxelas, especialmente com os comunistas.
A morte de Durruti em 20 de novembro de 1936, na frente de Madri, foi um golpe duro para Émilienne. Colette já havia nascido. Tinha cinco anos.
Em março de 1979, Roberto Merino, advogado parisiense de Émilienne, publicou uma carta no jornal El País, fácil de encontrar na internet (Pensão para a viúva de Durruti), denunciando que Émilienne havia solicitado ao Estado espanhol a pensão de viuvez como familiar de “espanhol falecido em decorrência da guerra de 1936-1939”, com base num decreto real que permitia tais solicitações. No entanto, a resposta do Estado espanhol, por meio do cônsul em Paris, onde ela residia, foi que a maior dificuldade seria provar a existência de casamento entre Buenaventura e Émilienne, já que jamais haviam se casado. Certa vez, quando perguntaram a Mimí se havia se casado com Durruti, ela respondeu:
“Durruti e eu nunca nos casamos, é claro. O que você pensa? Os anarquistas não vão ao cartório. Nos conhecemos em Paris. Ele acabara de sair da prisão. Houve uma imensa campanha por toda a França e o governo cedeu. Ele foi libertado. Saiu naquela mesma tarde, visitou alguns amigos. Eu estava lá, nos vimos, nos apaixonamos à primeira vista e assim seguimos.”
Na carta ao El País, Merino denunciava a exigência dessa prova absurda por vários motivos: primeiro, porque os anarquistas não costumavam se casar, por não reconhecerem nem Deus nem Patrão (nem Igreja nem Estado); segundo, porque existiam numerosas e notórias provas de que Durruti e Émilienne eram, de fato, um casal, reconhecido em recortes de jornal e crônicas da época, pai e mãe de sua filha Colette.
Não sabemos se, ao fim, ela conseguiu o direito à pensão. Imaginamos que sim, pois não vemos uma mulher como Émilienne aceitando os desígnios de um Estado mesquinho que fundamenta a união entre pessoas em um contrato escrito.
Lola Iturbe conta que, quando Durruti morreu, viu Émilienne sofrida, mas espiritualmente forte. Iturbe guardou até sua morte a folha que Mimí, estremecida de emoção, escreveu à máquina em um escritório do Conselho de Defesa, com o título “À mon grand disparu“, “Ao meu grande ausente”, publicada na edição número 6 da revista Mujeres Libres, e antes em Tiempos Nuevos. A carta dizia:
“Em meio a esta imensa multidão que chora sinceramente sua morte, me sinto menos sozinha, e esta grandiosa manifestação de simpatia (de adoração, mais precisamente) me dá a força necessária para sobreviver a você.
Nenhum orgulho dita estas palavras; a glória, como para você, sempre me foi indiferente, e na solidão cultivarei sua lembrança.
Até a vitória final darei à luta antifascista meus modestos esforços. Tenho também outra missão: educar dignamente nossa pequena Colette, sua filha, de quem você tanto se orgulhava. Minha única ambição é fazer dela uma militante que se pareça com você tanto no espírito quanto nos traços físicos; você deixou à Humanidade um pouco de sua carne e sangue: nossa Colette é uma viva reprodução de sua face enérgica e bondosa. Diante de seu pobre corpo desfeito, que quis contemplar pela última vez, prometi solenemente a mim mesma superar minha dor e inculcar em nossa filha a energia indomável e a nobreza ingênua que nortearam toda sua vida.
Fazer de nossa Colette uma verdadeira DURRUTI, digna de sua linhagem espiritual, será toda a ilusão da minha vida quebrada.
A vocês, a todos os camaradas que o choram, dedico uma saudação fraternal e, em nome de todos os militantes anônimos que deram a vida pela Revolução, digo: Avante, até a vitória definitiva!”
Émilienne Morin
SAÚDE E FRATERNIDADE
A vida de Colette esteve ligada à memória de seu pai… e de sua mãe. Em uma intervenção para o jornal El País, quando se completaram 60 anos da morte do herói na Cidade Universitária, depois traduzida e publicada em francês, Colette Durruti recordou que sua mãe nunca quis falar com ela sobre a morte do pai, pois doía demais. Pessoa de caráter reservado, nas palavras de Colette, Émilienne nunca quis entrar no debate sobre se a morte de Durruti foi ou não acidental. “Ela me disse apenas uma coisa: seu pai, mais que um herói, era uma boa pessoa.”
Émilienne e Colette tinham apenas lembranças tangíveis de Durruti. A ocupação da França pelo fascismo nos anos 40 as obrigou a queimar todos os documentos que pudessem comprometê-las, incluindo fotografias e cartas. Apenas conservaram a máscara mortuária que Vittorio Macho fez de Durruti poucas horas após sua morte, e que estava pendurada em uma das paredes da casa em Quimper. Colette sempre afirmou que conheceu a vida do pai pelos muitos livros que foram escritos — e continuam sendo escritos — sobre ele.
Colette se casou em 1953 com Roger Marlot, com quem teve um filho e uma filha. Veio à Espanha em diversas ocasiões, algumas delas convidada para participar de homenagens ao pai e à memória de sua época. Morava nos Pirineus Orientais, em uma localidade que conhecemos — porque hoje as redes sociais e a internet permitem descobrir detalhes íntimos de qualquer um —, mas que preferimos não divulgar aqui. Sabemos que sua neta, que já deve estar beirando os 40 anos, sabe perfeitamente quem foram seus bisavós e o que significaram para a história de um país que sempre foi tão ingrato com aqueles que quiseram torná-lo melhor.
Colette Marlot, de solteira Durruti, também chamada Diana, nascida em 4 de dezembro de 1931 e falecida em um dia incerto de meados de abril de 2025, nos deixou na primavera. Intuímos que foi sempre feliz com sua família, para além dos sobrenomes. Que la terre lui soit légère (Que a terra lhe seja leve).
Fonte: https://www.elsaltodiario.com/obituario/memoria-colette
Tradução > Liberto
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agência de notícias anarquistas-ana
Abelhas procuram
— na florada escassa —
prolongar a lida.
Maria Helena Sato
caralho... que porrada esse texto!
Vantiê, eu também estudo pedagogia e sei que você tem razão. E, novamente, eu acho que é porque o capitalismo…
Mais uma ressalva: Sou pedagogo e professor atuante e há décadas vivencio cotidianamente a realidade do sistema educacional hierárquico no…
Vantiê, concordo totalmente. Por outro lado, o capitalismo nunca gera riqueza para a maioria das pessoas, o máximo que ele…
Só uma ressalva: criar bolhas de consumismo (que foi o que de fato houve durante os governos Lula), como estrategia…