Sobre o Comunitarismo Ácrata 1

É preciso deixar claro que a tática comunitarista ácrata não se trata de uma “instituição”, bem diferente disto, trata-se, bem entendido, mais propriamente de “uma identificação”, de “um modo de atuação” e de “uma cultura”, de forma que perfis e páginas que optem por aderir a esta proposta não estariam aderindo a nenhuma “organização” específica, mas a uma “fraternidade” de aspirações específicas. Isto significa que o caráter original da atuação libertária de indivíduos e/ou grupos aderentes ao projeto (e, claro, seus perfis e páginas inclusos) não precisaria se adequar a nenhuma “legislação exterior”, ocorrendo como consequência à adesão em pauta apenas uma “natural” agregação de novas demandas procedimentais ao seu “fazer” anarquista.

Os entes associativos das redes comunitaristas ácratas, em seus vários níveis (células, tecidos, órgãos, organismos e populações), propondo-se a integrar a melhor tradição libertária, não devem se constituir como espécies de estruturas governamentais daquelas experiências que as integram, mas apenas – seguindo as concepções associativas propostas já desde Proudhon e praticadas durante o período do auge da A.I.T. -, (deverão se constituir como) lócus de união de forças para o atendimento conjunto de demandas de interesse comum e cujos portes excedam as capacidades particulares dos entes integrando as associações, bem como exerceriam também o papel viabilizadores de processos de comunicação, auto reconhecimento, estatística e intercâmbio das experiências comunitaristas ácratas.

Por se tratar de uma tática calcada em uma visão transformacionista do processo de mudança social (em detrimento das visões insurrecionalistas/revolucionárias;reformistas/institucionalizantes;e/ouescapistas/heterotópicas), própria da concepção anarquista ácrata da qual deriva, pode-se dizer que, de certo modo, a proposta comunitarista ácrata é destinada em especial para os grupos sociais de “deserdada/os” das benesses da civilização moderna (pauperizada/os e miseráveis em geral, trabalhadora/es precarizada/os, desempregada/os, grupos humanos específicos historicamente discriminados e/ou sobre explorados..), visto que estes, por se encontrarem em situações críticas de partir para o “tudo ou nada” em suas existências, em princípio, estariam mais disponíveis para arriscar modos  “outros” de vida que ao menos acenem para possibilidades de minorar as agruras pelas quais passam – diferentemente dos grupos bem acomodados pelo acesso ao consumismo. Porém, ante à perspectiva – cada vez mais claramente intuída de forma generalizada por quase todos os grupos sociais   – de um provável processo progressivo de arruinamento do sistema globalizado e da própria civilização (razonamiento fundante da opção pela visão transformacionista no anarquismo ácrata), como também – ante à perspectiva talvez ainda não tão intuída de forma generalizada, mas certamente já receada por um número cada vez maior de pessoas – de configuração das sociedades capitalistas globalizadas como sociedades da precarização universal do trabalho e do consequente rebaixamento sócio econômico imparável das classes médias (alguns dos fenômenos que estão na base do razonamiento acima aludido), é de se esperar que parcelas cada vez maiores das classes médias (baixa e alta), e até mesmo extratos inferiores das classes altas (atenção, aqui não se está fazendo referência ao que classicamente se conceitua como grande burguesia, ou seja, grandes proprietária/os de meios de produção exploradora/es de mão de obra assalariada, mas sim – se faz referência -, p.ex., a setores das altas hierarquias dos funcionalismos públicos auferindo altos salários e em vias de perda de “privilégios” devido à tendência mundialmente dominante à adoção de políticas de “enxugamento” e redução das máquinas burocráticas estatais, a parcelas do médio e até alto empresariado atuando em setores de atividades econômicas em vias de desaparecimento devido às dramáticas transformações da economia globalizada, a categorias das médias e altas hierarquias de empregada/os de empresas privadas atuando em setores de atividades econômicas em vias de desaparecimento..) se tornem cada vez mais sensíveis à possibilidade de aderir a experiências de vida como as propostas no âmbito comunitarista ácrata, o que significa dizer que, deste modo, a proposta comunitarista ácrata assume um caráter potencialmente trans classista. Mas, pela sua “missão” e caráter anti sistêmico, as redes comunitaristas ácratas devem evitar o ingresso em seu âmbito de representantes de determinadas categorias profissionais e sociais que, pelos seus vínculos, compromissos e “cultura” específica de grupo, representam ameaças reais ou potenciais à sua existência. Tais categorias seriam, p.ex., militares e policiais (principalmente de médias e altas patentes – e/ou cargos, no caso de agentes civis), representantes das médias e altas hierarquias de organizações religiosas (especialmente as regressivas), integrantes dos extratos médios e superiores das instituições jurídicas (que são parte do aparelho repressivo do Estado), membros em geral de organizações criminosas (capitalistas fora da lei), militantes de partidos políticos formais ou informais.

Como forma de estimular um processo de reforço permanente de sua identificação, de desenvolvimento permanente de seu modo de atuação e de enriquecimento permanente de sua cultura, propõe-se aos entes das redes comunitaristas ácratas algumas formas de eventos presenciais periódicos de confraternização, de intercâmbio e de interação intra, inter e extra redes, quais sejam: as reuniões, as exposições e os encontros.

Visto que o horizonte mais amplo ansiado pelo projeto do comunitarismo ácrata é a realização de processos alter antropogênicos, ou seja, sua meta mais visionária é constituir-se em um campo de fecundação de outros modos de ser humano (diferentes dos modos hierarquizantes/autoritários), propõe-se assim a adoção, no rol de seus fazeres libertários, de algumas práticas “alter antropogenéticas” (geradoras de novos modos diferenciados de ser humano), as quais podem ser propriamente denominadas como “vivências”. Tais vivências devem abranger um leque variado de formas de atividades que constituem e instituem um campo de imaginário de uma cultura, tais como vivências musicais (produção de composições musicais inspiradas nas visões e experiências das redes comunitaristas ácratas), vivências literárias (produção de composições literárias inspiradas nas visões e experiências das redes comunitaristas ácratas), vivências de cultura corporal (produção de adornos, vestimentas, “estilos” e códigos gestuais inspiradas nas visões e experiências das redes comunitaristas ácratas), vivências alimentares (produção de modos, dietas e estéticas alimentares inspiradas nas visões e experiências das redes comunitaristas ácratas); vivências de jogos (criação e experimentação/fruição de jogos, tanto de mesa quanto corporais, tanto individuais quanto coletivos, inspirados nas visões e experiências das redes comunitaristas ácratas); vivências de cultura de “crescimento interior” “grupindividual” (práticas coletivas de sessões de conversações sobre comportamentos individuais e/ou de grupo onde se procura criar um ambiente acolhedor e não discriminatório, e se praticar uma escuta empática e sem julgamentos, com a finalidade de evidenciar padrões de comportamentos e visões que possam ser ‘problemáticas’ para o crescimento tanto de indivíduos quanto de grupos, no que concerne a seus anseios instituintes de outros modos de ser humano, não hierárquicos/autoritários) etc.

Trecho do “Manifesto Anarquista Ácrata”, de autoria de Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira.

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