[Espanha] Manifesto Antimilitarista

Há meses, diferentes governos vêm tocando novamente os clarins da morte. Com um descaramento que já beira o obsceno — e permitido pela falta de contestação social —, dizem-nos que é urgente a União Europeia se rearmar, elevando os gastos militares para 800 bilhões de euros numa primeira fase. No entanto, não há justificativa pública para esse valor. Para contextualizar: a Rússia planeja aumentar seu orçamento militar em 30%, partindo dos atuais 72 bilhões de dólares. Somente a soma de França e Polônia já se aproxima de 100 bilhões atualmente, sem contar que a França aprovou em 2023 aumentar seus gastos para mais de 70 bilhões anuais até 2030 — e a UE é composta por 27 países com 27 exércitos.

Fala-se de ameaças fictícias, ignorando qualquer lógica, em uníssono com a inefável Ursula von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia, que defende mais que dobrar o orçamento militar — algo que os EUA já ordenaram na era Obama. Na Espanha, o gasto militar foi de 1,2% do PIB em 2023, mas apenas 0,9% foi executado, segundo a vice-presidente. Agora, querem chegar a 2%. Por enquanto. E os governos europeus aplaudem e amplificam a mensagem, incluindo o nosso, “o mais progressista da história”.

Só que nem isso é verdade. Um relatório de outubro de 2022 do Centre Delás d’Estudis per la Pau estimou o gasto militar real da Espanha em 2023 em 27,617 bilhões de euros — mais que o dobro do orçamento oficial do Ministério da Defesa e acima dos 2% exigidos pela OTAN. Outras fontes elevam esse valor para quase 40 bilhões. O truque? Há verbas militares escondidas em outros ministérios, não contabilizadas como “Defesa”. Apesar de algum debate recente, os gastos não pararam de crescer desde 2019, inclusive durante o governo PSOE-Podemos (2020-2023).

Altos funcionários afirmam que o armamento que buscam ampliar e modernizar são “armas para defender a democracia” e a “segurança do nosso modo de vida baseado em direitos”. Um sofisma ridículo, beirando o absurdo, quando lembramos as constantes violações desses mesmos direitos em vários países ocidentais, inclusive europeus:

  • Os assassinatos de migrantes nas fronteiras, sem responsáveis apesar das gravações;
  • Os campos de concentração italianos na Albânia;
  • As torturas em prisões e delegacias, reconhecidas até por tribunais europeus;
  • A venda de armas a Israel, em meio a um genocídio e com seu presidente sendo alvo de um mandado do Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra;
  • Os apoios entusiásticos a golpes de Estado pelo mundo;
  • As detenções e processos contra cantores, humoristas críticos, manifestantes antifascistas (como os 6 de Zaragoza), sindicalistas (os 6 da Suíça), integrantes do movimento antidespejos e sindicatos de inquilinos;
  • A revogação da maternidade de casais lésbicos na Itália e a ilegalidade do casamento homoafetivo, contra a vontade majoritária da população;
  • A morte de mulheres por lhes negarem aborto em gestações de risco na Polônia, ou a impossibilidade de adoção por pessoas LGBTQIA+ no mesmo país.

Nada disso difere significativamente da realidade social russa — nem mesmo da caricatura que a mídia faz diariamente daquele país. Não se trata de desculpar a falta de liberdade em outros lugares, mas de mostrar que, para nossos governantes (espanhóis ou europeus), direitos humanos e liberdade são apenas ferramentas para manipular a população, fazendo-a enxergar os interesses do poder como seus. Hoje, não é só a Rússia: a mídia já fala em “flanco sul”, referindo-se a Marrocos e outros, como se já estivéssemos em guerra.

É óbvia a tentativa de construir linguisticamente um inimigo fictício que justifique suas ações. Só assim se explica que os mesmos que chamam Putin de “ditador” tratem o carniceiro do jornalista Khashoggi — o príncipe herdeiro da ditadura absolutista da Arábia Saudita — com títulos nobres.

O discurso é amplificado porque, aos interesses geopolíticos descarados dos Estados, soma-se a ganância capitalista de quem lucra com a morte. Os industriais de armas esfregam as mãos: seus artefatos, feitos para matar pessoas e destruir cidades indiscriminadamente, serão comprados em massa e preparados para seus fins mortíferos. Já nos disseram mais de uma vez que guerras e o uso de armas “estimulam a economia”. Em 2024, batemos o recorde de 2,46 trilhões de dólares gastos em armamento mundial. Enquanto a economia deles dispara, os mortos somos sempre nós. Vários países já discutem reinstituir o serviço militar obrigatório para expandir seus exércitos. Von der Leyen, porém, riu quando uma jornalista perguntou se seus filhos iriam à guerra.

Além do risco direto de conflito armado, há o desvio de recursos de áreas vitais (saúde, educação, aposentadorias, cultura) para preparar a guerra. Líderes da OTAN já disseram abertamente que, se necessário, cortarão desses orçamentos já insuficientes. E sabemos quem sofre com isso. Muitos desses políticos têm investimentos na indústria da morte — por isso, é fatal dar qualquer crédito a esses supremacistas do privilégio.

Parte da esquerda, mesmo criticando o aumento, defende uma “independência militar europeia” para sair da OTAN; a direita quer manter o status quo. Ambos veem o exército como “defensor da cidadania”. Mas a história mostra que liberdades não são fruto da força militar — muito menos defendidas por ela (especialmente em países colonialistas). São conquistas populares, arrancadas do poder através de organização e mobilização, muitas vezes contra as próprias forças policiais e militares.

A consolidação ou avanço dos direitos depende da capacidade do povo de confrontar seus governantes, pois o exército sempre se voltará contra quem ameaçar a propriedade capitalista e o poder que a defende. É parte de seu DNA — assim como impor o colonialismo pela força onde a sede de riqueza de seus donos os levar.

POR TODAS ESSAS RAZÕES — E OUTRAS QUE SURGIRÃO NA CONSCIÊNCIA DE QUEM LUTA POR IGUALDADE, JUSTIÇA E LIBERDADE REAL — REPUDIAMOS A TENTATIVA DOS ESTADOS DE AUMENTAR SEU PODER MILITAR, POR MAIS QUE O DISFARÇEM DE “DISSUSÃO” OU “DEFESA” COM MENTIRAS, COMO SEMPRE FIZERAM.

Nossa pátria é o mundo.
Nossa família é a humanidade.
Nossa vocação é a vida.

Em todos os lugares:
Insubmissão, deserção e resistência
contra toda autoridade.

Grupo Anarquista Albatros (FAI)

federacionanarquistaiberica.wordpress.com

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Ao fim da fogueira
Apenas cinco cachorros
Dormindo ao redor.

Miyoko Namikata

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