
Completam 111 anos do nascimento de Casilda Hernáez, uma cenetista “pragmática” e com uma “vida interior muito intensa”.
Por Iban Gorriti | 15/04/2025
Inovadora. Revolucionária. Líder. Referência. Feminista. Nudista. Iconoclasta. Antifranquista. Cigana. Valente. Anarcossindicalista. Vocábulos como estes e mais se utilizaram para vestir a figura de Casilda Hernáez Vargas. A ela, havia termos que não gostava como o de miliciana. Preferia envolver-se em locuções como combatente. Duas décadas depois de seu falecimento, as bibliotecas, a hemeroteca, internet… mantêm com vida a essas denominações. No 111º aniversário de seu nascimento, diferentes pessoas que a conheceram das portas adentro de sua casa aportam à DEIA suas visões a respeito de sua figura histórica.
Mikel Orrantia recorre à “austera”, “um pouco seca, mas de afetos constantes”, “muito da CNT”, “de vida interior muito intensa”, “de vida quase monástica”, “muito trabalhadora”. Eugenio García, por sua parte, a distingue como “muito séria”, “comprometida”, “próxima”, “pragmática”, “boa”.
Não obstante, quem foi esta mulher nascida em Zizurkil em 9 de abril de 1914 e falecida em Lapurdi em 31 de agosto de 1992 por causa de um câncer pouco alegre desde que falecera seu companheiro em 1982, uma década justa antes que ela? Em sua lápide se aprecia a legenda atribuída a sua amiga Begoña Gorospe: “Andra! Zu zera bukatzen ez den sua!” (Mulher! Tú és o fogo que não se acaba!). Ela apresentava a si mesma como neta de uma mulher cigana que vivia em uma carroça cigana. Daí seu sobrenome materno: Vargas. “Eu era de uma família magnífica, dessas que tem todos as cores”, precisava em um livro de Luis María Jiménez de Aberasturi, impresso em 2012 e sob o título de ‘Casilda miliciana, historia de un sentimiento’. “Aquela avó e seus tios anarquistas influíram nessa militância que lhe encaminhou a participar nas primeiras greves que as obreiras bascas realizaram na capital de Gipuzkoa”. De fato, existe um ensaio informativo intitulado Anarquismo gitano, obra de Silvia Agüero e Nicolás Jiménez. Estes autores estimam que a “gitanologia clássica está carregada de estereótipos que considera esta cultura como anarquista por suas características”. O estudo reúne as impressões de seis personalidades ciganas — ou assim consideradas — que tiveram uma participação no anarquismo estatal durante a primeira metade do século XX: Casilda Hernáez Vargas, Casto Moreno Vargas, Catalina Junquera y Valencia, María de la Salud Paz Lozano Hernández, Helios Gómez Rodríguez e Mariano Rodríguez Vázquez. Uma HQ de Rubén Uceda, datada de 2022, também difunde sua biografia.
Tomando como referência a enciclopédia do anarquismo espanhol, de três tomos, a que também se citou Casilda ‘Méndez’ Vargas a citam como uma rebelde e idealista, feminista total, iconoclasta, das Juventudes Libertárias e que se tornou popular nas barricadas donostiarras de outubro de 1934. Antes de ser detida por aqueles fatos, assembleias anarquistas evocam que aquela basca era filha de mãe solteira. Cresceu no bairro donostiarra de Egia. Aprendeu a ler e escrever na escola pública de Atocha. Naqueles tempos nos quais a guipuzcoana rompia com o puritanismo católico banhando-se desnuda na praia de Gros, foi detida por distribuir pasquins e por posse de explosivos. Acabou condenada a 29 anos de prisão pelo que foi internada no forte de Guadalupe e em Madrid. Recobrou a liberdade com a anistia de fevereiro de 1936 da Frente Popular. Destacou-se nas lutas de julho daquele mesmo ano após o golpe de Estado. Lutou em Donostia e na batalha de Irun após o que ficou em Iparralde. Entrada por Catalunha, marchou na defesa de Madrid e a sua volta, combateu em uma brigada anarquista em Aragão.
Em maio de 1937, Hernáez esteve em Barcelona junto a quem passaria a ser seu companheiro de vida, o anarquista Félix Likiniano, artista autor do anagrama do ETA, organização com a qual teve contato, ainda que não tenha feito parte dela. Cruzada ao Estado francês, Casilda sofreu o campo de Argelès-sur-Mer e residiu um tempo em Lorient, região da Bretanha. Sua casa foi refúgio de sabotadores antinazis. Em outubro de 1943, o casal se estabeleceu em Biarritz e seu domicílio situado na rua principal da comuna labortana se converteu no centro de operações antinazis e antifranquistas, com organização de grupos na selva navarra de Irati. “Ante a decadência confederal, o casal se sentiu solidário com a luta do ETA, ao mesmo tempo que as relações entre o casal se azedavam, devido a que se disse que Likiniano era muito libertário, mas muito menos anarquista, e Casilda entrou em uma fase depressiva da qual parece que se recuperou mais tarde”, segundo o investigador Miguel Iñiguez.
Diferentes pessoas a recordam bem de ter estado em sua casa como por seu compromisso político. Neste último grupo estão pessoas como Iñaki Astoreka, histórico memorialista da CNT Bilbao. “Eu não conheci pessoalmente Casilda. As referências eram de companheiros veteranos como o falecido Luis Arrieta que contavam fatos acontecidos em 1936 na defesa de Donostia contra a sublevação fascista, na qual fez parte ativa. Depois através dos estudos sobre sua memória é importante ressaltar o papel que ela e outras mulheres desempenharam na luta pelas liberdades e desmontar as falsidades que sobre elas se verteram”.
Os históricos Mikel Orrantia, de Balmaseda e vizinho de Forua, e Eugenio García, que trabalhou durante quase quatro décadas na Imprensa Luna de Bilbao, trataram com Hernáez e Likiniano. “Recordo Casilda em sua casa e que costumava ir ajudar a uma amiga a trabalhar em um mercado”, começa García e continua: “Era uma tia muito séria e comprometida a nível da CNT. Era próxima e por sua casa passava todo mundo”. O encarcerado, por sua parte, conheceu a antifascista em dois tempos. Primeiro, após sua saída do ETA em 1971 e em seguida, após o falecimento do recordado revolucionário. “Casilda era de trato reservado e muito seca. Fechada em si mesma com uma vida interior muito intensa por causa das barbaridades cometidas pelos golpistas em Donostia, pelo sofrido no cárcere e no exílio. Tinha poucas relações com as pessoas, muito solidária e altamente comprometida, como também o era Likiniano”. Na opinião de Orrantia, a ácrata era “mais de Juventudes Libertárias e do anarquismo tipo Durruti que outra coisa”. Daí que pense que Hernáez “não foi uma líder política. Isso sim, as primeiras armas que ETA teve foram dos anarquistas. Liki e Casilda as entregaram porque acreditavam que o ETA ia ser sucessor da FAI”.
García avalia que eram muito diferentes. “Eu recordo Casilda como uma mulher muito pragmática e muito boa pessoa sempre disposta a ajudar, e Félix, por sua parte, como um pouco idealista. Ela, mais séria”. Morreu aos 78 anos.
Fonte: https://www.deia.eus/historias-vascas/2025/04/15/casilda-hernaez-fuego-libertaria-9524806.html
Tradução > Sol de Abril
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agência de notícias anarquistas-ana
o fogo partiu saciado
a floresta de luto
soluça
Eugénia Tabosa
caralho... que porrada esse texto!
Vantiê, eu também estudo pedagogia e sei que você tem razão. E, novamente, eu acho que é porque o capitalismo…
Mais uma ressalva: Sou pedagogo e professor atuante e há décadas vivencio cotidianamente a realidade do sistema educacional hierárquico no…
Vantiê, concordo totalmente. Por outro lado, o capitalismo nunca gera riqueza para a maioria das pessoas, o máximo que ele…
Só uma ressalva: criar bolhas de consumismo (que foi o que de fato houve durante os governos Lula), como estrategia…