Guardião ou Gestor? A armadilha da conciliação e o futuro da luta indígena

O poder político institucionalizado tem a astúcia de engolir até mesmo aqueles que nasceram para proteger a Terra. A política, como está organizada no Brasil, não acolhe as causas coletivas, ela as absorve, reconfigura e esvazia seus significados ancestrais.

É dentro desse jogo de máscaras que muitos parentes, ao ingressarem no cenário institucional, deixam de ser guardiões da floresta para se tornarem peças controláveis de uma engrenagem corrupta e corruptível. Acreditam estar se tornando gestores, mas na prática não têm poder de mando nem promovem mudanças efetivas para os povos, a não ser alguns eventos sociais que apenas alavancam candidaturas.

Alguns acreditam que ocupar espaços no governo representa um avanço. Mas não estamos vendo isso na prática. Outros, como nós, sempre alertaram para o risco de que essas estruturas sirvam apenas para administrar concessões e transformar direitos conquistados com muita luta e sangue em moeda de troca. A institucionalização serve, sobretudo, como instrumento de conciliação e controle. E se não houver enfrentamento real à lógica do capital e à colonialidade do poder, o caráter de guardião se dissolverá.

O sistema político não foi feito para nos libertar, ele foi feito para manter o capitalismo e os sistemas de exploração dos recursos naturais em movimento. E quando alguém aceita jogar segundo essas regras, sem tensioná-las e principalmente sem rompê-las, torna-se mais um gestor da destruição. Nunca um guardião, propriamente falando.

A imagem de “guardião da floresta” carrega em si a potência da resistência indígena há mais de 525 anos. É uma conexão incorruptível, porque nossa cultura ancestral não permite conciliação com quem nos fere é como água e óleo: não se misturam. A história mostra que, quando tomamos lados dentro da lógica do opressor, sempre somos traídos.

Quando alguém é cooptado pelo poder político, acaba se tornando apenas um símbolo publicitário. Uma espécie de acessório de uma falsa diversidade. Enquanto isso, a realidade territorial continua violenta, e as bases com suas urgências, suas vozes, seguem esquecidas

Pastas e documentos acumulam poeira. Nunca resultados.

Precisamos nos perguntar: que tipo de representatividade estamos construindo? Ela liberta ou apenas concilia? Ela eleva a voz coletiva ou serve para garantir os direitos individuais de quem já está dentro da estrutura? Os representantes indígenas de hoje agem como mensageiros da ancestralidade ou como mediadores econômicos de conflitos que deveriam ser enfrentados com coragem?

Seus projetos são realmente voltados para os mais desfavorecidos? Ou estamos vendo uma verticalização das prioridades, em que os parentes mais invisibilizados continuam sem escuta e sem retorno?

A luta indígena não é compatível com a lógica do lucro. Ela não se presta à vaidade, nem cabe na frieza dos invasores. A floresta é corpo vivo e quem é fiel ao papel de guardião carrega essa verdade com coragem, sem se deixar corromper.

Essa verdade mora nos corações indomáveis, atentos às falhas históricas da conciliação. Mesmo antes da República, os franceses e portugueses já manipulavam uma polarização durante o período da invasão. E quem pagou o preço da conciliação, ontem como hoje, foram os parentes.

A história repete suas armadilhas, mas nós seguimos lembrando, resistindo, e dizendo não!

Autonomia Indígena Libertária – AIL

agência de notícias anarquistas-ana

Já nasceram frutos.
Não descansa, mesmo assim,
a chuva de outono!

Maria Helena Sato

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