
A ANA entrevistou a Associação de Trabalhadores de Base (ATB) do Rio de Janeiro (RJ), confira a seguir.
Agência de Notícias Anarquistas-ANA > Contem um pouco o que é a Associação de Trabalhadores de Base (ATB), como surgiu, histórico…
ATB < A Associação de Trabalhadores de Base (ATB-RJ) é uma organização sindical e popular autônoma, anticapitalista, antirracista e antissexista para trabalhadores de todas as configurações de gênero, etnias e raças. Reivindicamos a tradição que articula as experiências da Associação Internacional dos Trabalhadores (1864), das Bolsas de Trabalho e do sindicalismo revolucionário.
Sobre o seu surgimento, podemos dizer que, de certa forma, a Articulação de Grupos Autônomos (AGA), que promoveu feiras de economias coletivas entre outras atividades no Rio de Janeiro a partir de 2015, foi uma das precursoras da movimentação que veio a gerar a ATB. Mas podemos afirmar que o evento crucial para a criação da Associação de Trabalhadores de Base foi o I Seminário Autonomia e Organização, ocorrido nos dias 2 e 3 de março de 2018, no Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do RJ (SEPE) e no Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ).
A esse seminário seguiu-se outro, intitulado Autonomia e Organização: Diálogos com a Confederação Nacional do Trabalho (CNT-Espanha) em 26 e 27 de abril de 2019. Tais eventos tiveram participação do Coletivo FormigAção (valorosa empreitada da militância do Morro da Formiga), grupo Sindiscope autônomo (Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II-SINDSCOPE), RALE (Rede Autônoma de Luta pela Educação – SEPE), Coletivo Roça (da Favela da Maré), grupo Inimigos do Rei (categoria petroleira – SINDIPETRO-RJ) entre mais gente envolvida. A criação da ATB-RJ, no entanto, foi inspirada em iniciativas correlatas em outros estados. Naquela época tínhamos notícias de esforços nesse sentido no Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia. Com o pessoal de Salvador chegamos a conversar inúmeras vezes sobre a necessidade de ações mais coordenadas. É nossa intenção retomar essa rede federada o mais breve possível.
ANA > Vocês estão envolvidos em alguma luta trabalhista concreta?
ATB < Entre nossos/as membros/as temos pessoas ligadas à luta sindical na Educação (SINDSCOPE e SEPE), na Petrobrás e Justiça. Além disso, temos participação direta em movimentos sociais, o que priorizamos muito, como ocupações em favelas do Rio de Janeiro (Morro da Formiga e Maré), em bibliotecas (como a Biblioteca Engenho do Mato, de Niterói) e no Quilombo Cafundá-Astrogilda (Zona Oeste do Rio de Janeiro), onde inclusive foi formalizada a fundação da ATB, entre outros movimentos de classe importantes no Rio de Janeiro.
Durante a pandemia (COVID-19) optamos por uma atuação mais discreta, mas bastante efetiva, nas periferias. Renunciamos à propaganda mais explícita do nosso trabalho para um mergulho nas ações de distribuição de cestas básicas e outros auxílios materiais e logísticos. Nessa época iniciamos as nossas cotizações entre os filiados que foram muito importantes para a realização prática dessa nossa linha de atuação, uma vez que possibilitaram a acumulação de recursos financeiros para o posterior investimento em ações na periferia obedecendo ao nosso programa.
Passado esse período de grandes dificuldades, iniciamos então um debate importante sobre a questão cooperativista, já com uma iniciativa concreta nessa direção, na modalidade de ação conjunta na prestação de serviços. Esse aspecto é para a ATB de grande relevância, uma vez que é imprescindível para a consecução do autossustento, premissa sem a qual corremos o risco de estagnar na dependência exclusiva de apoios externos. Entendemos igualmente que os nossos futuros núcleos devem surgir de ações cujo protagonismo precisa ser das pessoas mais diretamente envolvidas. Tais aspectos só podem existir para nós combinados, sem hierarquia entre eles, de forma complementar e articulada.
Nessa mesma direção, estamos nos relacionando com outras organizações (os “Invisíveis” mais objetivamente) que atuam em apoio a pessoas terceirizadas, empregadas em autarquias e instituições direta ou indiretamente ligadas ao Estado. Prestamos solidariedade aos precarizados de forma ativa, quer em protestos nos locais de trabalho, quer no diálogo propositivo para encontrar vias mais adequadas para o encaminhamento das suas demandas. Valendo lembrar que essas pessoas vivem um cotidiano do mais violento assédio por parte dos empregadores e que os órgãos para os quais “prestam serviço” não os amparam de forma nenhuma.
Por força dessas importantes questões estamos dando prosseguimento à nossa campanha de formação de novos núcleos, em diferentes partes do RJ, com vistas a expandir as nossas atividades e conseguir ampliar o diálogo com as inúmeras experiências populares. Tal etapa é fundamental, uma vez que não se trata apenas da criação nominal de outros núcleos ou seções da ATB, mas da nossa capacidade de articular isso com as cooperativas, formas de produção de origem popular e criação de espaços de formação política.
ANA > Em um contexto social marcado por estruturas hierárquicas e de poder centralizado, quais são os maiores desafios que a ATB enfrenta para manter uma organização horizontal e não coercitiva? Como lidam, por exemplo, com pressões de instituições ou grupos que buscam cooptar ou criminalizar suas ações?
ATB < Os desafios que a ATB enfrenta para manter uma organização horizontal, desierarquizada, não são pequenos. Pois corremos sempre o risco de nos contaminarmos pelo modo de operar da maioria das organizações sindicais (conformadas a partir da legislação autoritária varguista) e também pelo sistema capitalista, que impõe práticas competitivas e de subjugação. Para nos preservarmos disso, buscamos nos organizar a partir de nossas tradições populares antiautoritárias criando nossos documentos (carta de princípios, estatuto etc.) e nos pautarmos por eles. Isso porque a anomia, longe de gerar liberdade, é uma fragilidade diante de eventuais tentativas de cooptação ou domínio de grupos opressores. Contra tentativas de subjugação, recorremos a nossos princípios, documentos e alianças criadas com outras organizações de cunho popular, dentro da lógica de autodefesa e denúncia permanente das ameaças sofridas por qualquer uma das nossas aliadas. Um procedimento que nos resguarda igualmente, além é claro de reforçar a dimensão política dos grupos com os quais temos relações. Contra a criminalização de qualquer militante, usamos o apoio mútuo, em harmonia com o que aqui já foi dito.
ANA > A ética anarquista valoriza a mutualidade e o apoio comunitário. De que forma a ATB constrói alianças ou redes de solidariedade com outros movimentos sociais, sindicatos ou comunidades sem reproduzir relações de dominação ou dependência?
ATB < Buscamos construir laços com movimentos populares, sindicatos e comunidades sempre sem paternalismo, sem pretensão de sermos portadores da verdade, mas tendo a compreensão de que as experiências comunitárias já existentes sempre têm a nos ensinar. Isso está em consonância não só com a ética anarquista, mas também com outras tradições populares que não necessariamente carregam esse nome. O que importa é a associação funcionar de acordo com princípios como democracia direta, independência de classe etc., rejeitando relações de dominação, seja de uma parte ou de outra.
A nossa experiência acumulada em relações políticas com sindicatos oficiais tem demonstrado que a nossa autonomia se afirma na mesma medida em que somos capazes de identificar as nossas pautas com as causas populares. Ou seja, os sindicatos percebem com alguma facilidade que nos dedicamos a setores com os quais eles não possuem nenhuma relação concreta e que, no mais das vezes, desconhecem quase que completamente. Em assim sendo é possível atuar com relativa unidade e algum sucesso em questões de corte racial sem que a entidade sindical tenha qualquer condição de subordinar a ATB à sua esfera político-administrativa. O impedimento de qualquer processo de cooptação já se encontra no fato de termos perspectivas completamente distintas no que diz respeito à ação em favelas e subúrbios. Em suma, tratamos preferencialmente de assuntos periféricos aos quais os sindicatos oficiais encontram-se historicamente alheios.
ANA > Para vocês, qual é o papel da educação e da formação política na construção de uma consciência de classe anticapitalista e antiautoritária? Como a ATB enxerga o caminho para uma transformação social radical sem cair em vanguardismos ou modelos de revolução centralizados?
ATB < Para a ATB a educação tem um papel importante na disseminação de consciências críticas – anticapitalistas e antiautoritárias. Sabemos que a educação, sozinha, não tem como conduzir à autogestão social, pois com as péssimas condições materiais que o Capitalismo impõe ao povo, a própria educação não tem como se realizar plenamente. Mas, por outro lado, negligenciar práticas e experiências pedagógicas libertárias, considerando que uma revolução social futura magicamente ensinará tudo a todos, é um materialismo mecanicista típico de vanguardas autoritárias, que a História já demonstrou o quanto são nefastas à autonomia popular.
Vale acrescentar ainda que a nossa Associação tem em seus quadros filiados número significativo de pessoas diretamente ligadas à Educação, seja como ofício mais objetivamente ou em ações cotidianas e continuadas em espaços periféricos. Entendemos assim a formação como um fenômeno dentro do qual a formalidade ocupa apenas uma parte dos nossos esforços. Nesse sentido as nossas atitudes são igualmente pedagógicas, bem como os processos que ajudamos a estabelecer em territórios quase completamente abandonados pelo chamado “poder público”. Por força desse fato, os esforços realizam-se invariavelmente na lógica federada, com a observância da plena autonomia local e coesão ditada pela solidariedade de classe. Aspectos, aliás, que repetimos quase como um mantra em todas as partes por onde passamos.
ANA > Mesmo com sorteio de carros, shows com cantores midiáticos, o 1º de Maio em São Paulo das “grandes” centrais sindicais teve público reduzido. Podemos dizer que o sindicalismo oficial no Brasil hoje é um “cadáver ambulante”?
ATB < O que percebemos é que com a ascensão deste governo de coalizão ao poder, houve uma diminuição das ações sindicais no sentido de não desgastar Lula e seus aliados “à esquerda”, se é que assim podemos chamar. Um exemplo é a educação, pois o MEC, sob os auspícios de Camilo Santana, tem se aliado ao empresariado, na figura do “Todos pela Educação”, Fundação Lemann e afins. Saímos de um governo reacionário, com um MEC sob o comando de pastores e fascistas, para retornar ao um Ministério sob a liderança de um secretário ligado aos tubarões da educação. No meio de tudo isso, tivemos a reforma do ensino, da qual o atual governo buscou minimizar os danos, mas que continua sendo prejudicial aos/às estudantes. Os sindicatos precisam despertar para a luta de classes, não apenas classista de seus membros e membras. Isso independente de quem esteja no governo da democracia burguesa.
No plano ideológico, é preciso sempre ter em conta que somos adeptos do sindicalismo revolucionário e das tradições que o antecederam. Em assim sendo, a nossa oposição ao sindicalismo tradicional é mais que inevitável. Denunciamos sempre que possível as insuficientes iniciativas desses órgãos que se apresentam invariavelmente burocráticos. Contudo, as nossas investidas são sempre prioritariamente contra as instâncias mais objetivamente gestadas pelo capitalismo. Entendemos que existe uma rivalidade entre nós e os sindicatos corporativos, mas de nenhuma forma confundimos estes com as empresas privadas e a estrutura estatal que oprimem diretamente a classe trabalhadora. Estas últimas, as temos como inimigas. Sobre esse ponto, é necessário também sublinhar que na nossa dimensão estratégica os sindicatos corporativos não ocupam lugar significativo. São inclusive obstáculos, a depender da sua configuração ideológica. Mas nas nossas apostas táticas eles podem até se apresentar como agentes ou “parceiros” eventuais em iniciativas mais amplas, isso quando estiverem desenvolvendo algum trabalho nas periferias e territórios de resistência nos quais estivermos.
ANA > Vocês ficaram surpresos com a revelação de uma fraude bilionária no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) envolvendo sindicatos e associações de aposentados?
ATB < As fraudes não são novas e menos ainda a ingerência sobre os pecúlios da classe trabalhadora da parte dos governos. Isso é aspecto saliente da heteronomia patrocinada pelo Estado e grupos aos quais se associa para a espoliação dos produtores. O estelionato não se esgota nas urnas ele se apresenta através de procedimentos dos mais variados e com diferentes níveis de crueldade. Uma Seguridade Social gerida por um ente dos mais suscetíveis às pressões de grupos diretamente ligados ao grande capital jamais estará livre, não apenas dos escândalos financeiros, como ainda da ação especulativa de quem se apresenta para administrar seus fundos.
Temos hoje um passivo de razoáveis proporções nas mãos de grupos sindicais na forma de “fundos de pensão”, privados e semiprivados ou ainda semipúblicos. Uma verdadeira “ciranda financeira” que sustenta os apetites mais vorazes das burocracias encasteladas em sindicatos oficiais. Esses “gestores” são parte dessa engrenagem que tritura a classe trabalhadora e, particularmente nesse caso, com um cinismo escandaloso. São agentes do capital e agem como “vestais” no “Interesse dos contribuintes”. Uma tragédia legada pelo advento do sindicalismo corporativo dos anos de 1930 e que se reinventa, sempre contra a classe trabalhadora.
Por tudo isso temos tentado criar no âmbito da ATB cooperativas que venham a nos auxiliar a superar isso ou, pelo menos, mitigar os efeitos dessa política previdenciária nefasta para quem de fato carrega nas costas esse Estado em parceria com o qual a burguesia brasileira renova e garante o sistema de exploração.
ANA > Qual a opinião de vocês sobre o governo Lula atual, o “Lula 3”?
ATB < Mais recuado do que nunca, está refém de um congresso extremamente reacionário e fisiologista. Temendo o retorno de Bolsonaro e de seus aliados ao Executivo no governo federal. O governo vai se equilibrando entre as escassas vitórias no plano social e as estrondosas capitulações frente ao grande capital.
Os fatos só fazem confirmar a fisionomia desenhada por um dos quadros históricos do Partido dos Trabalhadores, segundo o qual o PT é hoje um partido de centro esquerda à frente de um governo de centro direita. Uma constatação que, aliás, não esconde o cinismo de quem a sustenta. Avaliamos que não há o que esperar do atual cenário e que, se de fato existe uma distinção entre o PT e seus adversários políticos, esta não resulta em diferença significativa para a situação da classe trabalhadora. Não há proveito substantivo para a massa de explorados, ainda que na retórica os atuais gestores da “coisa pública” reafirmem o compromisso com a elevação dos indicadores sociais.
No mais, o que assistimos é a execução de políticas raciais, que pouco incidem sobre os privilégios; ações de igualdade de gênero, que ignoram a diversidade social e o reconhecimento de identidades sexuais que não conseguem vencer os estigmas de um tecido social abandonado ao fundamentalismo religioso. Para o projeto genuinamente popular a fórmula não sofre alteração, fica cada vez mais evidente a necessidade da luta de classes e de estarmos prontos e organizados/as para uma futura revolução social antissistêmica e que tenha por princípio um viés anticapitalista. Para a consecução desse objetivo, o “Lula 3”, assim como os anteriores, não tem nada a nos dizer.
ANA > Algum recado final? Valeu!
ATB < Agradecemos à ANA o espaço que nos foi oferecido generosamente e desejamos loga vida ao esforço empreendido pelas/os compas a ela vinculadas/os. Nos interessa ainda sublinhar que a ATB não tem pretensões de substituir o sindicato oficial, menos ainda de o combater ferozmente, uma vez que entendemos que tratamos de uma categoria de trabalhadoras/es que estes sindicatos já abandonaram faz muito tempo. O nosso objetivo é ajudar a organizar a periferia, dar estrutura mínima para que iniciativas populares possam responder a problemas concretos que venham a se apresentar e reclamem por soluções coletivas. Queremos dialogar com o povo que existe abaixo dos “radares da receita federal”, dos que trabalham anonimamente e exercem profissões completamente desconhecidas. Sim, desconhecidas das entidades que estão vivendo no conforto dos descontos das margens consignadas de contracheques de trabalhadoras/es que ainda vivem na formalidade.
Para finalizar, convidamos as pessoas que tiverem interesse em entender melhor a nossa proposta a lerem os nossos documentos e postagens nos seguintes endereços: https://atbrj.wordpress.com/sobre/ e https://www.facebook.com/profile.php?id=100063463837497
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agência de notícias anarquistas-ana
Trezentos quilômetros
Para não vos contemplar –
Mangueiras da minha infância!
Paulo Franchetti
ESTIMADAS, NA MINHA COMPREENSÃO A QUASE TOTALIDADE DO TEXTO ESTÁ MUITO BEM REDIGIDA, DESTACANDO-SE OS ASPECTOS CARACTERIZADORES DOS PRINCÍPIOS GERAIS…
caralho... que porrada esse texto!
Vantiê, eu também estudo pedagogia e sei que você tem razão. E, novamente, eu acho que é porque o capitalismo…
Mais uma ressalva: Sou pedagogo e professor atuante e há décadas vivencio cotidianamente a realidade do sistema educacional hierárquico no…
Vantiê, concordo totalmente. Por outro lado, o capitalismo nunca gera riqueza para a maioria das pessoas, o máximo que ele…