Manifesto de Inimigos do Rei

Maio de 2025

Por que falamos agora?

O jornal O Inimigo do Rei sobreviveu, de 1977 a 1988, como uma experiência alternativa e antiautoritária, mantendo-se como uma voz combativa em defesa do anarquismo e contra a ditadura em vigor, naquele momento. Seu objetivo sempre foi duplo: divulgar o pensamento libertário e incentivar a construção de organizações baseadas na ação direta, na solidariedade, no federalismo e na autogestão. Em suas páginas, rejeitávamos toda e qualquer forma de centralização do poder e denunciávamos as armadilhas da política institucional que buscam domesticar as forças vivas da transformação social. Hoje, trinta e sete anos após a última edição impressa, sentimos a necessidade urgente de nos manifestarmos novamente. O autoritarismo se espalha com uma velocidade avassaladora pelos quatro cantos do mundo, impulsionado pelo crescimento da extrema direita e por novas formas de controle e repressão. Ao mesmo tempo, a esquerda institucional e os movimentos progressistas seguem sendo seduzidos por soluções que reforçam a estrutura estatal e seus mecanismos coercitivos. Diante desse cenário, nós, ex-participantes de O Inimigo do Rei, reafirmamos nosso compromisso com a liberdade, a autogestão e a resistência contra toda forma de dominação.

O mundo que denunciamos

A expansão do autoritarismo não se dá apenas por meio de governos de extrema direita, mas também por meio de novas formas de controle digital, da militarização das sociedades e do aprofundamento das desigualdades econômicas. O capitalismo, em sua fase mais agressiva, segue devastando territórios, precarizando vidas e restringindo direitos, enquanto os Estados reforçam seus aparatos repressivos para conter qualquer forma de dissidência. Além disso, assistimos a um fenômeno preocupante: a escolha, por meio de eleições, da via autoritária como suposta solução para problemas como economia, imigração e governabilidade. Em diversos países, a extrema direita tem se apresentado como resposta ao caos social, seduzindo parcelas significativas da população com discursos de ódio, nacionalismo excludente e repressão brutal. Paralelamente, cresce a atração por um “novo” conservadorismo que, em muitos aspectos, revela-se tão ou mais estúpido que aquele da Era Vitoriana, reafirmando valores retrógrados e reforçando estruturas opressivas. No Brasil, a falsa polarização entre neoliberais e progressistas tem apenas aprofundado a dependência de mecanismos estatais, afastando cada vez mais a possibilidade de uma organização social verdadeiramente livre. O populismo autoritário avança tanto à direita quanto à esquerda, enquanto comunidades autônomas, movimentos populares e minorias continuam sendo silenciados e perseguidos.

O que defendemos

Desde as edições de O Inimigo do Rei, sempre enfatizamos que liberdade e igualdade podem (e devem) caminhar lado a lado. Não buscamos utopias inatingíveis, mas apontamos para experiências concretas de autogestão e organização popular que demonstram a capacidade das pessoas de viver sem tutela do Estado e do capital. Reforçamos a capacidade autônoma da classe trabalhadora de gerenciar seus locais de trabalho, criando espaços livres de exploração e coerção. Acreditamos que a emancipação real só virá quando aqueles que produzem a riqueza também a administrarem coletivamente, sem patrões, sem burocratas e sem parasitas políticos. Além disso, alertamos para a necessidade constante de vigilância contra elementos sociais que possam se tornar entraves ao respeito e à tolerância mútua. A religião, por exemplo, não pode ser instrumento de opressão ou imposição de valores autoritários. Defendemos que a liberdade individual deve prevalecer sobre dogmas e que cada pessoa deve ter o direito de viver de acordo com suas próprias convicções, sem medo de repressão ou discriminação.

Chamado à ação

Este manifesto é um chamado para que se fortaleçam redes de solidariedade e resistência. A experiência de O Inimigo do Rei mostrou que é possível enfrentar as estruturas de poder com independência e criatividade, mesmo em um período ditatorial. Conclamamos todas e todos que não aceitam a submissão a se organizar, a se conectar e a fortalecer práticas libertárias em seus territórios.

Seguimos inimigos do rei, do estado e de qualquer forma de dominação.

Porque a luta pela liberdade não tem fim.

veiosdakombi.com.br

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Frio da manhã
— os pombos aglomerados
parecem mais cinzas

Marba Furtado

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