[Nova Zelândia] Capitalismo pintado de verde: os limites do orçamento de 2025 do partido verde

O Partido Verde de Aotearoa (Nova Zelândia) lançou recentemente seu orçamento alternativo para 2025, um documento saudado por muitos setores da esquerda liberal como ousado, transformador e progressista. Com propostas que incluem imposto sobre grandes fortunas, imposto sobre heranças, faixas de isenção fiscal para rendas mais baixas e investimentos significativos em saúde, educação e infraestrutura climática, os Verdes se posicionam como o partido da redistribuição, sustentabilidade e bem-estar social.

Mas, para os anarcocomunistas, que não buscam reformar o capitalismo, mas aboli-lo, o orçamento verde levanta questões fundamentais sobre os limites da política parlamentar, a persistência da lógica capitalista sob um verniz ecológico e a contínua domesticação do potencial político radical pelos partidos eleitorais.

1. Tributar os ricos… para salvar o sistema?

No centro do orçamento verde está um novo conjunto de tributos sobre os ricos: um imposto anual de 2,5% sobre ativos líquidos superiores a NZ$ 2 milhões (ou $4 milhões para casais), um imposto de 33% sobre heranças e doações acima de NZ$ 1 milhão ao longo da vida, e o aumento das alíquotas do imposto de renda e de empresas. O objetivo? Arrecadar NZ$ 88,8 bilhões em quatro anos para financiar uma ampla expansão do estado de bem-estar social.

Na superfície, essas são políticas populares. A ideia de que os ultrarricos devem pagar mais em um país onde a desigualdade disparou é atraente, especialmente diante do aumento da pobreza, da crise habitacional e do colapso dos serviços públicos. Mas o problema mais profundo é que esses impostos ainda operam dentro de um sistema em que a propriedade privada é sagrada, o trabalho assalariado é a norma, e a riqueza continua sendo a medida do valor humano.

Devemos perguntar: o que significa tributar a riqueza sem tocar na estrutura de classes que a gera? Um imposto de 2,5% pode redistribuir uma pequena fração do que foi expropriado dos trabalhadores, mas não questiona a legitimidade da acumulação de riqueza em si. Tampouco desafia o papel do Estado capitalista na proteção dos interesses materiais do capital. Na melhor das hipóteses, é uma política de redistribuição sem expropriação, reforma sem ruptura.

O orçamento verde também evita confrontar o papel dos proprietários de imóveis, especuladores e bancos na extração cotidiana de valor das pessoas que trabalham. Esses setores, centrais na economia financeirizada da Nova Zelândia, permanecem amplamente intocados. Na verdade, ao depender do crescimento econômico contínuo para financiar os gastos sociais, os Verdes reafirmam a contradição central do capitalismo: a necessidade de acumulação infinita em um planeta finito.

2. Médicos e creches gratuitos: bem-estar ou pacificação?

Não há dúvida de que os investimentos do orçamento em saúde, educação e segurança social melhorariam materialmente a vida das pessoas. Consultas médicas gratuitas, retorno da gratuidade dos medicamentos, 20 horas de educação infantil a partir dos seis meses de idade e uma garantia de renda de NZ$ 395 por semana para pessoas fora do trabalho ou estudo são avanços reais em direção a uma sociedade mais habitável e humana.

Mas essas reformas não são revolucionárias, são o mínimo que uma colônia de povoamento rica como Aotearoa deveria oferecer. Na verdade, muitas dessas propostas buscam apenas restaurar as proteções sociais-democratas desmanteladas nos últimos 40 anos de neoliberalismo. Seu retorno é bem-vindo, mas tratá-las como “ousadas” ou “transformadoras” reforça o padrão extremamente baixo das expectativas políticas contemporâneas.

Anarquistas devem permanecer críticos quanto ao modo como os estados de bem-estar sempre funcionaram, não apenas para aliviar a pobreza, mas para regulá-la. O bem-estar social muitas vezes serviu como ferramenta de disciplina dos pobres, de apaziguamento do dissenso e de reprodução da força de trabalho. No capitalismo, os serviços sociais não são direitos universais, mas privilégios condicionais atrelados à vigilância estatal, à elegibilidade burocrática e a métricas de produtividade. A menos que sejam radicalmente democratizados e desmercantilizados, as expansões do bem-estar prometidas no Orçamento Verde correm o risco de se tornarem mecanismos de pacificação, e não de libertação.

3. Capitalismo climático e a ilusão do crescimento verde

A agenda ambiental dos Verdes inclui reinvestimento em trens regionais, metrôs leves nas grandes cidades, restauração do programa “Trabalhos pela Natureza” e modificação do Esquema de Comércio de Emissões (ETS) para excluir o reflorestamento e incluir a agropecuária. Essas políticas refletem um desejo sincero de enfrentar a crise climática, mas permanecem amarradas à ideologia do capitalismo verde.

Em nenhum momento o Orçamento Verde questiona a causa estrutural da catástrofe climática: a exigência capitalista por crescimento infinito e maximização do lucro. Ao enquadrar as soluções climáticas em termos de mecanismos de mercado, incentivos ao investimento e expansão da infraestrutura, os Verdes reforçam uma lógica que trata a Terra não como um bem comum a ser cuidado coletivamente, mas como um recurso a ser gerenciado para garantir estabilidade econômica de longo prazo.

Do ponto de vista anarcocomunista, a crise ecológica não é uma falha de políticas públicas, mas uma inevitabilidade estrutural da produção capitalista. A verdadeira justiça climática exige não ajustes tecnocráticos ou investimentos eco-keynesianos, mas a abolição do capitalismo fóssil, o fim da propriedade privada e a restauração da autonomia coletiva sobre a terra, a água e os sistemas alimentares.

4. Eleitoralismo e a política de contenção

O orçamento de 2025 dos Verdes deve ser entendido não apenas como plano fiscal, mas como performance política. Serve para posicionar os Verdes como a consciência moral do Parlamento, mais compassivos que o Labour, mais competentes que o Te Pāti Māori, e mais visionários que a coalizão reacionária entre National, ACT e NZ First. Mas esse papel não ameaça o sistema; ele é seu flanco esquerdo.

Anarquistas há muito criticam a armadilha do eleitoralismo: a ideia de que mudanças significativas podem ser alcançadas por meio da participação na democracia parlamentar burguesa. A história da social-democracia ao redor do mundo mostra como a energia radical frequentemente é capturada, neutralizada e institucionalizada por partidos que prometem transformação, mas entregam apenas gestão.

O orçamento verde é um exemplo clássico. Ao se apresentar como uma alternativa “realista” e “totalmente calculada”, os Verdes tranquilizam o capital de que são administradores responsáveis do sistema. Propõem ajustes, não rupturas; equidade, não liberdade. E, embora suas políticas sejam frequentemente atacadas pela direita como “marxistas” ou “radicais”, não são nada disso. Nenhuma fábrica será coletivizada. Nenhuma terra será devolvida. Nenhum patrão será expropriado. A ordem social permanece intacta.

5. O que seria uma transformação real?

Se o orçamento verde representa o teto do que a política parlamentar pode oferecer, os anarcocomunistas devem olhar para o horizonte. Como seria uma reorganização verdadeiramente radical da sociedade em Aotearoa?

– Abolir o capitalismo: Acabar com o sistema de trabalho assalariado, desmontar o controle corporativo e coletivizar os meios de produção sob controle democrático dos trabalhadores.

– Descolonizar agora: Devolver as terras ao tangata whenua, honrar o tino rangatiratanga e desmontar as estruturas do colonialismo de povoamento incrustadas no Estado, no sistema jurídico e na economia.

– Destruir o estado: Substituir as burocracias centralizadas por assembleias descentralizadas, federadas e diretamente democráticas enraizadas nas comunidades, locais de trabalho e marae.

– Cuidado como comum: Desmercantilizar saúde, educação e moradia, não como serviços estatais, mas como bens comuns geridos coletivamente por quem os utiliza.

– Reparação ecológica: Acabar com a extração de combustíveis fósseis, a monocultura industrial e a dependência de automóveis. Reflorestar terras, apoiar os saberes ecológicos indígenas e construir comunidades resilientes, de baixo carbono, baseadas em cuidado, reciprocidade e suficiência.

Esses não são pontos de orçamento ou propostas de política pública. São transformações revolucionárias que só podem ser conquistadas por meio de ação coletiva de massa, democracia direta e desmantelamento do estado e do capital.

Conclusão: O orçamento não é o suficiente

O orçamento de 2025 do Partido Verde espelha as contradições do nosso tempo. Oferece melhorias reais para quem sofre sob o regime atual e identifica corretamente a obscena concentração de riqueza em Aotearoa. Mas não pode, e não pretende, desafiar os fundamentos desse regime. É um programa para gerir a desigualdade, não para aboli-la; para pintar o capitalismo de verde, não para encerrá-lo.

Anarcocomunistas devem resistir à tentação de ver esse orçamento como um trampolim rumo à revolução. A história nos ensina que a reforma não é uma escada para a libertação, mas um beco sem saída que drena energia e neutraliza a dissidência. A tarefa diante de nós não é votar melhor ou fazer lobby com mais afinco: é construir poder popular, organizar-se nos locais de trabalho e nas comunidades, e desmantelar os sistemas de dominação que nenhum orçamento será capaz de consertar.

O futuro de que precisamos não pode ser orçado. Ele deve ser conquistado.

Fonte: https://awsm4u.noblogs.org/post/2025/05/15/greenwashed-capitalism-the-limits-of-the-green-partys-2025-budget/ 

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

As cores da noite
recamadas de silêncio
preparam o dia.

 Eolo Yberê Libera

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