
O ataque lançado por Israel contra o Irã na noite de 12 para 13 de junho representa um ponto de virada dramático rumo à globalização da guerra. Após mais de três anos de guerra entre a OTAN e a Federação Russa na Ucrânia, e dois anos de genocídio em curso em Gaza, as fortes tensões na Ásia Ocidental estão dando origem a uma nova guerra entre potências regionais – ambas possuidoras de armas de alta tecnologia e indústria nuclear –, desencadeada imediatamente por um ataque criminoso e sem escrúpulos contra instalações nucleares iranianas. De um lado, está o Irã, que não possui armas nucleares nem há provas de que esteja construindo-as, e que se submete aos controles das agências internacionais. De outro, Israel, que possui armas nucleares sem declará-las, não respeita tratados nem aceita controles, e habitualmente realiza ataques militares sem limites éticos.
Embora o direito internacional e as organizações que o representam tenham tido a função de garantir a ordem mundial – isto é, as relações precisas de poder e dominação entre os Estados –, o fato de que hoje sejam questionados, principalmente por Israel e Estados Unidos, é um sinal claro da crise global, da ruptura dos equilíbrios anteriores e do retorno à guerra como meio de resolver rivalidades interestatais.
O Irã foi atacado pouco após submeter-se a controles em suas instalações nucleares e durante negociações com os EUA sobre enriquecimento de urânio. A intenção de Israel de descarrilar as negociações e qualquer hipótese de resolução política dos desacordos é evidente.
Os países aliados agiram imediatamente para repelir o contra-ataque iraniano, derrubando dezenas de foguetes e drones, enquanto existe grave risco de participação direta de países ocidentais (começando pelos EUA) nos bombardeios. Isso representaria um agravamento ainda mais drástico da crise.
Os EUA travaram a chamada “guerra infinita” nos últimos trinta anos – uma série ininterrupta de guerras, ataques militares e operações de desestabilização (do ataque ao Iraque à mudança de regime na Síria). Seus objetivos agora se expandem em várias frentes: a russa, toda a Ásia Ocidental e, em perspectiva, o Indo-Pacífico. Os conflitos em curso se ampliam e outros surgem, numa tendência rumo a uma guerra mundial que, diante da situação atual, parece imparável. No pano de fundo, pairam tensões políticas e militares entre EUA e China.
Enquanto isso, nos países ocidentais, especialmente na potência dominante norte-americana, ocorrem crises sociais gravíssimas que, por vezes, parecem assumir características de guerra civil. Sabemos que, historicamente, os Estados resolvem suas crises internas mais graves com a guerra.
Voltando aos acontecimentos recentes, a responsabilidade por esta nova e gravíssima escalada recai sobre a iniciativa criminosa do Estado de Israel. Uma entidade fundada no colonialismo de assentamento, na supremacia racista, no fanatismo religioso, na militarização da sociedade, e vanguarda em tecnologias de controle testadas na população palestina colonizada, deportada e exterminada. A ação de 7 de outubro de 2023, entre as diversas contradições que abriu, inclui sem dúvida a de ter desmascarado a verdadeira face dessa entidade. Israel comete um genocídio, mas não consegue derrotar a resistência de um povo – contradição que tenta sublimar relançando-se em novas aventuras: da invasão do Líbano às inúmeras provocações (inclusive terroristas) e aos eventos de sexta-feira à noite. Portanto, devemos reafirmar com firmeza: um genocídio está sendo cometido em Gaza. Precisamos garantir que esta nova guerra não sirva para ocultar sua consumação.
Israel é, por um lado, a ponta de lança do imperialismo ocidental e o ator que por décadas fez o trabalho sujo em nome de EUA e Europa; por outro, sua liderança política descontrolada pode influenciar as políticas das potências ocidentais em seu benefício. Nossos líderes são plenamente corresponsáveis pelas atrocidades de Israel; sem o apoio dessas potências, Israel não poderia realizar suas aventuras militares e talvez nem sobreviver.
Nossa oposição inflexível ao projeto sionista não nos leva a apoiar a República Islâmica do Irã – uma potência regional com uma oligarquia petrolífera e indústria altamente desenvolvida (incluindo a militar). Não se trata apenas de uma teocracia odiosa que tortura e enforca opositores e oprime especialmente as mulheres (elemento que a propaganda liberal ocidental se deleita em enfatizar). Trata-se de um regime que coloca seu poder obscurantista a serviço de sua própria burguesia para reprimir trabalhadorxs pelo terror. Consideremos, entre muitos, o caso da sindicalista Sharifeh Mohammadi, condenada à morte por coordenar greves radicais que abalaram o país nos últimos anos.
Desde 2005, mais de 500 sindicalistas foram presxs, encarceradxs ou, em alguns casos, condenadxs à morte e expulsxs por criar organizações sindicais independentes e realizar atividades sindicais dentro de acordos e normas trabalhistas internacionais.
Numa guerra entre regimes tão odiosos, os únicos heróis são os desertores. Como anarquistas e revolucionárixs, desejamos a queda do governo teocrático do Irã – regime opressor que surgiu ao asfixiar sangrentamente uma geração de companheirxs revolucionárixs. Ao mesmo tempo, sabemos que um regime deve cair sob os golpes de um levante genuinamente popular, enquanto mudanças de regime planejadas por capitalistas ocidentais (como ensina a história recente) apenas substituem um opressor por outro ainda mais feroz, subordinado a potências estrangeiras, transformando países inteiros em infernos. Com isso em mente, convidamos todxs xs revolucionárixs e pessoas de boa vontade a estarem atentxs a uma possível convulsão no Irã (atual principal alvo estratégico de Israel), distinguindo com cuidado o joio do trigo e evitando cair em false flags – armas preferenciais do poder brando ocidental há mais de uma década para corromper e cooptar dissidências, levando-as ao terreno altamente compatível dos “direitos” liberais. Mesmo que surja um autêntico movimento de classe (nada impossível num país onde aiatolás chegaram ao poder encarcerando e enforcando revolucionárixs), isso não deve abalar em um milímetro nossa oposição intransigente ao sistema de Israel e a todo o imperialismo ocidental que o alimenta.
Em geral, numa guerra entre Estados – especialmente entre potências regionais com aliados internacionais importantes –, xs oprimidxs não têm aliadxs nem amigxs entre governos, sendo apenas carne para canhão em suas guerras sujas. Convencidxs de que “enquanto existir o Estado, nunca haverá paz”, nossa postura permanece internacionalista: contra todo Estado, começando pelo nosso. Portanto, da nossa posição, não podemos ignorar as responsabilidades do governo italiano nem de seus patrões, que têm as mãos manchadas de sangue palestino. Não esqueçamos que a marinha italiana lidera a Operação Aspides, coordenando uma coalizão de sete países da UE: o objetivo é combater a ação iemenita que, ao atacar navios, bloqueou por longo tempo uma rota comercial vital e causou enormes danos à economia mundial – implementando uma das formas mais efetivas de apoio e solidariedade ao povo de Gaza.
O governo italiano oferece a Israel apoio político incondicional. Os exércitos italiano e israelense estão cada vez mais integrados, militares treinam-se mutuamente, a indústria bélica italiana é a terceira maior exportadora para Israel (após EUA e Alemanha), enquanto a Itália compra sistemas de armas de alta tecnologia de seu aliado sionista. Até instalações do “Bel Paese” são escolhidas por Israel para “descompressão” de soldados após combates.
Os serviços secretos italianos compartilham informações e tecnologias com o aparato israelense, como recentemente demonstrou o caso Paragon. Não esqueçamos como o poder judiciário italiano está alinhado com a repressão israelense – como mostra o escandaloso julgamento em curso em Áquila contra Annan Yaeesh, que tenta apresentar a resistência armada palestina (legítima até pelo direito internacional) como terrorismo. A Itália apoia a logística militar israelense (como o desembarque em portos italianos de navios da ZIM) e a pesquisa tecnológica para supremacia militar (em inúmeras universidades).
Hoje, na mídia italiana, é quase impossível obter informações que não sejam propaganda de guerra descarada. Esses veículos são parte integral da máquina de guerra – afirmação reforçada ao considerarmos que, na atual estratégia bélica ocidental, o espetáculo determina cada vez mais as decisões no campo de batalha.
Apesar da propaganda incessante, xs exploradxs em geral se opõem à guerra; em particular, o genocídio em Gaza chocou profundamente a opinião pública. Mas a rebelião das consciências não basta. Além disso, as classes mais pobres das sociedades ocidentais já pagam caro o custo da guerra: da inflação à repressão. Recentemente, o chefe da OTAN, Rutte, declarou que se xs europeus não quiserem cortar gastos com saúde em favor de gastos militares (a meta declarada é 5% do PIB!), “terão que aprender russo”. Por outro lado, as políticas repressivas cada vez mais brutais de nossos governos – das quais o pacote de segurança recém-aprovado (que reprime bloqueios de estradas, piquetes sindicais, protestos em prisões – mesmo pacíficos – e introduz o chamado “terrorismo do mundo”) é apenas o resultado mais recente – devem ser interpretadas em todos os aspectos como verdadeiras políticas de guerra, também à luz das tensões sociais mencionadas.
Nos próximos meses, será crucial que anarquistas e simpatizantes conectem a resistência contra essa ofensiva (bem como a solidariedade com nossos companheirxs perseguidxs) à luta geral contra a guerra, da qual essas operações são a manifestação na frente interna.
A propaganda cada vez mais parcial e onipresente, o cerceamento tecnológico das faculdades críticas, as derrotas históricas do movimento operário e certo autoisolamento de minorias ativas pesam sobre a sensação de impotência e resignação. O próprio nível tecnológico da guerra travada – da confrontação aérea e balística entre Israel e Irã às tecnologias da OTAN e Rússia na Ucrânia – induz à sensação de inevitabilidade, dada a aparente impossibilidade de forças humanas dos exploradxs detê-las. No entanto, a variante humana e de classe é decisiva:
São as ferramentas dos estivadores que carregam armas em navios rumo a Israel – e essas armas, como nos mostraram no Marrocos, Marselha e Gênova, podem decidir parar. São os corpos de proletárixs russxs e ucranianxs que são jogadxs nas trincheiras para se massacrarem mutuamente pelos interesses das classes dominantes russa e estadunidense (enquanto Putin e Trump conversam amigavelmente ao telefone) – mas esses corpos podem desertar, e o fazem aos milhares.
A resistência armada do povo palestino – sem aliados entre grandes potências – consegue com sua vontade e ação opor-se a uma das máquinas de guerra mais terríveis e avançadas do planeta. Israel possui domínio tecnológico exorbitante, mas vemos combatentes palestinos reciclarem bombas não detonadas do inimigo para fabricar artefatos caseiros. A imaginação dxs oprimidxs não tem limites. E xs oprimidxs, como disse Errico Malatesta, estão sempre em legítima defesa; os meios a usar, desde que coerentes com os objetivos de igualdade e liberdade para todxs xs seres humanos, são apenas questão de oportunidade.
Do nosso lado, nas múltiplas frentes, lutamos pela derrota de nosso próprio campo: pela derrota da OTAN, pela destruição do sionismo. Transformemos a guerra dos senhores em guerra contra os senhores!
Assembleia “Sabotemos a Guerra”
Fonte: https://informativoanarquista.noblogs.org/post/2025/06/24/italia-mientras-exista-el-estado-no-habra-paz-declaracion-de-la-asamblea-sabotear-la-guerra-sobre-la-guerra-entre-israel-e-iran/
Tradução > Liberto
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agência de notícias anarquistas-ana
Papagaio danado!
Canta, assobia e xinga o cão
e solta gargalhadas
Kingo Yamazaki
Oiapoque/AP, 28 de maio de 2025. De Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque – CCPIO CARTA DE REPÚDIO…
A carta não ta disponível
UM ÓTIMO TEXTO!
COMO FAZ FALTA ESSE TIPO DE ESPAÇO NO BRASIL. O MAIS PRÓXIMO É O CCS DE SP!
ESSE CASO É O CÚMULO DO ABSURDO! A JUSTIÇA ESPANHOLA NÃO TENTA NEM DISSIMULAR SEU APOIO AO PATRONATO, AO FASCISMO!