
Em novembro de 2024, o Parlamento da Nova Zelândia tornou-se palco de um ato histórico de desafio quando parlamentares do Te Pāti Māori realizaram uma haka durante a primeira leitura do projeto de lei sobre os Princípios do Tratado. Esse protesto cultural, que resultou em severas suspensões, reacendeu debates sobre a legitimidade das instituições coloniais e a eficácia da participação indígena dentro delas. Esta análise examina o incidente sob duas perspectivas: a estratégia comparativa do abstencionismo (como a utilizada pelo Sinn Féin) e uma crítica anarcocomunista ao poder estatal. Ambas convergem em uma questão central: Te Pāti Māori deveria rejeitar o engajamento parlamentar para priorizar a soberania indígena e formas alternativas de governança?
O Projeto dos Princípios do Tratado: Continuidade Colonial e Resistência
O projeto de lei, apresentado pelo Partido ACT, buscava redefinir os princípios fundamentais do Tratado de Waitangi, o acordo de 1840 entre chefes Māori e a Coroa Britânica. Críticos argumentaram que o projeto desmantelava décadas de avanços nos direitos Māori, substituindo a parceria e a autodeterminação por uma visão homogeneizada de “cidadania igualitária”. A proposta gerou indignação nacional, culminando em um hīkoi (marcha de protesto) de nove dias que reuniu mais de 42 mil pessoas em Wellington, uma das maiores manifestações da história da Nova Zelândia.
Durante a primeira leitura do projeto, parlamentares do Te Pāti Māori realizaram a haka “Ka Mate”, uma dança tradicional Māori que simboliza resistência. A deputada Hana-Rawhiti Maipi-Clarke rasgou uma cópia do projeto, chamando-o de traição aos direitos indígenas. O presidente da Casa considerou o protesto “gravemente desordeiro”, suspendendo os co-líderes Rawiri Waititi e Debbie Ngarewa-Packer por 21 dias e Maipi-Clarke por sete dias, as punições mais severas já aplicadas a parlamentares em exercício.
Decoro Parlamentar vs. Tikanga Māori: Choque de Mundos
O protesto evidenciou as tensões entre as regras parlamentares e o tikanga Māori (costumes Māori). Enquanto o Parlamento impõe normas rígidas de procedimento, a expressão política Māori valoriza tradições orais, debates comunitários e atos simbólicos como a haka. Críticos condenaram as suspensões como formas de silenciamento da voz indígena, revelando desigualdades sistêmicas dentro de uma instituição colonial.
Helmut Modlik, diretor executivo da iwi Ngāti Toa, defendeu a haka como uma expressão legítima de dissidência, argumentando que o Parlamento só existe porque os chefes Māori permitiram sua criação. Da mesma forma, Waititi afirmou que haka e waiata (canções) são inseparáveis do discurso político Māori. Ainda assim, o Comitê de Privilégios classificou o protesto como “intimidador”, revelando a recusa do Estado em acomodar formas indígenas de resistência.
Abstencionismo: O Legado do Sinn Féin e a Crítica Anarcocomunista
O episódio reacende a questão da viabilidade do abstencionismo, estratégia usada historicamente pelo Sinn Féin, que recusava assentos no Parlamento britânico como forma de rejeição à autoridade inglesa sobre a Irlanda do Norte e afirmação da soberania irlandesa. Para o Te Pāti Māori, essa abordagem poderia simbolizar a rejeição de um sistema colonial que marginaliza os direitos Māori.
Sob a ótica anarcocomunista, os sistemas parlamentares são inerentemente opressores, servindo aos interesses do capital e da colonização. Pensadores como Rudolf Rocker e François Dumartheray sustentavam que instituições estatais cooptam a dissidência, sendo necessário construir estruturas alternativas baseadas em ajuda mútua e democracia direta. O protesto do Te Pāti Māori revela os limites de buscar justiça dentro de um arcabouço construído para manter hierarquias coloniais.
Críticos do abstencionismo alertam para os riscos de se abrir mão de uma influência política arduamente conquistada. Abandonar o Parlamento significaria renunciar à defesa legislativa direta, potencialmente deixando os direitos Māori ainda mais expostos a propostas como a dos Princípios do Tratado. A ausência no debate nacional também pode marginalizar perspectivas indígenas e enfraquecer alianças. Além disso, o abstencionismo pode ser mal interpretado por eleitores não-Māori, parecendo divisivo em vez de uma escolha ética e política, dificultando a construção de solidariedades interétnicas. Embora o poder simbólico da recusa seja inegável, suas consequências práticas, sobretudo num sistema em que a representação Māori é frágil, exigem reflexão cuidadosa.
Entretanto, defensores do abstencionismo argumentam que recusar o engajamento parlamentar é um ato radical e necessário de soberania. Rejeitar a participação em instituições que suprimem a expressão indígena, como a punição à haka do Te Pāti Māori, desafia a legitimidade de um sistema colonial hostil aos direitos Māori. Essa postura se alinha com a luta mais ampla pela autodeterminação Māori, evitando os compromissos impostos pela política colonial, que frequentemente dilui as demandas indígenas em reformas moderadas. Ademais, o abstencionismo pode impulsionar a mobilização de base, como ocorreu com o Sinn Féin na Irlanda do Norte, cuja recusa em legitimar o domínio britânico fortaleceu o apoio popular. A teoria anarcocomunista reforça essa via, ao propor a criação de instituições autônomas lideradas por Māori, como sistemas educacionais e de saúde geridos por iwi, fora do controle estatal. Essas estruturas de poder dual resistem à assimilação e materializam a soberania indígena na prática, enraizadas no tikanga Māori, e não em hierarquias coloniais.
Construindo Alternativas: Poder Dual e Autonomia Indígena
O pensamento anarcocomunista enfatiza o poder dual, a construção de sistemas autônomos paralelos ao Estado. Em Aotearoa, isso converge com as tradições Māori de governança por hapū (sub-tribos) e iwi (tribos), que priorizam o bem-estar coletivo em oposição ao individualismo liberal.
Fortalecendo estruturas autônomas nas áreas de educação, saúde e manejo ambiental lideradas por Māori, comunidades podem recuperar sua autonomia e resistir à assimilação. Esses esforços espelham a estratégia do Sinn Féin de construir instituições alternativas, demonstrando que a libertação não está em reformar sistemas opressores, mas em superá-los.
Conclusão
O protesto do Te Pāti Māori e a resposta punitiva que provocou expõem as bases coloniais do sistema parlamentar da Nova Zelândia. O abstencionismo surge como uma estratégia potente, não apenas como rejeição simbólica das instituições coloniais, mas como afirmação radical da soberania indígena. Embora críticos alertem para riscos como perda de influência legislativa e incompreensão pública, os limites da participação em um sistema desenhado para marginalizar vozes Māori não podem ser ignorados.
Ao se retirar do Parlamento, o Te Pāti Māori poderia redirecionar suas energias para construir estruturas de poder dual, educação, saúde e governança lideradas por Māori e baseadas no tikanga, priorizando a autonomia em vez da assimilação. Isso fortalece comunidades Māori contra a cooptação estatal, permitindo que retomem o controle de seus destinos.
Os riscos percebidos de marginalização empalidecem diante do potencial de cultivar, desde a base, uma soberania indígena real. A verdadeira libertação não reside em buscar validação de sistemas opressores, mas em criar alternativas que incorporem valores Māori. O abstencionismo, portanto, não é rendição, é um ato revolucionário de recusa, uma declaração de que os Māori não mais legitimarão a ordem colonial. Ao adotar esse caminho, o Te Pāti Māori pode inspirar um movimento transformador, demonstrando que o futuro de Aotearoa não está em reformar instituições falidas, mas em construir algo novo.
Tradução > Contrafatual
agência de notícias anarquistas-ana
Na fria vidraça,
pinta colorida imagem —
Borboleta de inverno.
Alberto Murata
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Parabéns, camarada Liberto! O pessoal da Ana poderia informar como adquirir a obra. Obrigada!
Obrigado pela traduçao
Oiapoque/AP, 28 de maio de 2025. De Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque – CCPIO CARTA DE REPÚDIO…
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