
Por Octavio Alberola
A razão de ser do anarquismo sempre foi a luta contra todas as formas de dominação e, por isso, os anarquistas pretenderam e pretendem ser os mais indominantes. A indominiação implica a recusa em suportar ou exercer a dominação.
Na realidade, a negatividade e a positividade anarquistas foram e são a contestação mais radical à Ordem autoritária e, por isso, merecem um “elogio ardente”, mesmo que não tenham conseguido “destruir nossa dócil submissão à execrável autoridade do instituído” (Tomás Ibáñez).
De fato, como negar essa docilidade e o caráter retórico de nossa indominiação? Ou seja, a inconsequência de nosso comportamento.
É por isso que, para verificar se nossas práticas indominantes são ou não consequentes com tal pretensão, me pareceu muito pertinente o neologismo “indominiação”; pois, mais do que o Poder e a Autoridade, é a dominação que nos obriga a enfrentar o dilema de suportá-la ou rejeitá-la. Além disso, são essas práticas que nos permitem saber se há coerência entre discurso e prática ou se nossa indominiação hoje é apenas retórica.
Por meio da investigação antropológica, sabemos que a dominação nem sempre existiu nas sociedades humanas e, consequentemente, tampouco a submissão e a resistência; pois é a existência da dominação que dá origem à submissão e à resistência. Ou seja: à possibilidade de responder ao dilema de suportá-la ou rejeitá-la.
Além disso, essa investigação também nos ensina que, nas chamadas “sociedades igualitárias”, era o apoio mútuo que regulava seu funcionamento e que foi a colaboração que evitou nelas a dominação e a divisão entre dominantes e dominados.
Portanto, é a existência da dominação nas sociedades humanas, mais do que a do Poder e da Autoridade, que provoca essa divisão e a dos dominados em submissos e resistentes — mesmo que sua resistência nem sempre tenha sido consequente.
Como não considerar a dominação e a indominiação as mais pertinentes para analisar “nossa dócil submissão à execrável autoridade do instituído”? E como ignorar nessa análise o papel decisivo dos níveis evolutivos da sociedade e do aparato cognitivo das pessoas em cada estágio evolutivo do homo sapiens e sua sociedade?
Sim, como ignorar isso, sabendo que são esses níveis evolutivos que determinam o que a dominação e a indominiação são e, consequentemente, os comportamentos dos contemporâneos em cada estágio evolutivo?
De fato, a indominiação do homo sapiens atual é aquela que o estágio evolutivo de hoje possibilita e, por isso, não pode ser considerado seu estágio evolutivo final, muito menos definitivo para sempre.
Daí que a negatividade e a positividade do anarquismo atual sejam as que o aparato cognitivo atual do homo sapiens torna possíveis. Ou seja, as correspondentes ao estágio evolutivo atual de nossa espécie. E, por isso, sua operacionalidade é a dos padrões culturais e padrões atuais.
Goste ou não, os homo sapiens atuais somos o que a evolução de nosso aparato cognitivo nos permite ser e, por isso, a negatividade e a positividade dos anarquistas atuais são tão inoperantes, contraditórias e inconsequentes. Não apenas por nossa integração ao funcionamento da sociedade capitalista, mas também por nossa “dócil submissão à execrável autoridade do instituído” e por pretender superar essa inoperância e inconsequência com a retórica de nossas práticas indominantes.
Falando claramente, o anarquismo dos anarquistas hoje é o dos anarquistas tal como eles são e não como pretendem ser: pois, gostemos ou não, também os anarquistas somos o que a evolução do aparato cognitivo nos possibilita ser.
Mais claro ainda: quando analisamos o funcionamento do mundo atual, os anarquistas também tendemos a denunciar a “dócil submissão à execrável autoridade do instituído” dos outros e a ignorar a nossa, mesmo que nossa resistência seja apenas retórica.
Reconhecer essa contradição inconsequente é, portanto, necessário para não nos enganarmos e podermos colocar a questão de nossa negatividade e positividade em termos reais e não fictícios; pois colocá-la nesses termos é a única maneira — como para os problemas — de saber se essa inconsequência e essa contradição são superáveis.
Os anarquistas deveríamos ser lúcidos e ter a honestidade e a coragem de reconhecer o que realmente somos: o desejo, ou no máximo uma tentativa frustrada, de ser verdadeiros anarquistas indominantes. Não apenas porque a necessidade de sobreviver na sociedade capitalista nos obriga, como aos demais, a nos submeter à Ordem dominante, mas também por estarmos conscientes da impossibilidade de nosso aparato cognitivo funcionar de outra forma que não a imposta pelo nível evolutivo atual. Um nível ainda insuficiente para tornar mais operacional nosso desejo de indominiação.
Em resumo, além do que possa ser a radicalidade de nossa retórica opositora nesta sociedade (não há outra), nossa existência nela nos torna cúmplices dela. A única maneira de não sê-lo é a construção de uma sociedade alternativa baseada na igualdade e na ecosolidariedade. Mas, também nesse caso, o desejo de indominiação não deve ficar apenas na retórica.
Saber e reconhecer isso é o que mais pode nos ajudar a decidir ser indominantes consequentes e a encontrar a maneira de construir essa sociedade alternativa à capitalista.
Fonte: https://redeslibertarias.com/2025/05/22/la-indominacion-y-el-homo-sapiens-actual/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
haja mio,
da gata errando
em seu eterno cio
João César dos Santos
Um grande camarada! Xs lutadores da liberdade irão lhe esquecer. Que a terra lhe seja leve!
segue a página: https://urupia.wordpress.com/
Como ter contato com a comuna?
entra neste site: www.imprimaanarquia.com.br
Parabéns, camarada Liberto! O pessoal da Ana poderia informar como adquirir a obra. Obrigada!