[Espanha] Arquivos sem dono: Contribuições para piratear em tempos de streaming e controle digital

O que aconteceu com a pirataria?

Piratear é uma prática, uma ferramenta e uma resposta. Durante anos, foi a única maneira de acessar música, livros, filmes ou programas que, por preço ou disponibilidade, estavam fora do nosso alcance. Piratear foi — e ainda é — uma forma de libertar o acesso à informação. Quem tem o direito de se apropriar da “cultura”? Por que a música, o cinema ou os livros precisam ser monopolizados por empresas pagas, com licenças restritivas ou limitados a “certas regiões” ou classes sociais? Nem tudo o que é pirateado está disponível legalmente. Muitas vezes, nem sequer há como comprá-lo. Está esgotado, censurado, restrito a certas plataformas ou simplesmente esquecido pelas próprias empresas.

Este fanzine romantiza a pirataria como uma forma de roubo, sim, mas também reivindica a arte de compartilhar. Do “faça você mesmo”. Este não é um manual técnico, mas uma ajuda para se mover com certa autonomia, saber buscar, compartilhar e entender quais ferramentas existem para recuperar esse velho gesto de passar para alguém um filme, um disco ou um livro. Para que continue circulando. Piratear é não aceitar que só se possa acessar o que se paga ou o que um algoritmo permite. A pirataria, em seu conceito mais puro, deixa de lado o interesse econômico para se tornar uma instância libertadora das lógicas capitalistas. Uma fuga, um refúgio…

Há algum tempo, piratear era quase parte do cotidiano digital. eMule, Ares, fóruns com mil mirrors no MegaUpload, Rapidshare, trackers privados, álbuns ripados com cuidado, filmes legendados por “fãs” apenas pelo amor de compartilhar, sem qualquer tipo de ganho econômico.

Com o tempo, parece que tudo isso desapareceu. Uma parte importante disso se deve aos serviços de streaming. Spotify, Netflix, YouTube. Por alguns poucos dólares — ou às vezes até de graça com anúncios —, oferecem acesso imediato, ilimitado, limpo, sem aparentes complicações. Para que baixar um filme se ele está na Netflix? Para que procurar um torrent se tudo pode ser ouvido no Spotify? Muita gente parou de piratear não por convicção, mas porque não precisou mais.

Mas essa conveniência tem um custo. Com a morte dos formatos físicos, o que vemos ou ouvimos não nos pertence mais materialmente. Não pode ser guardado, modificado ou compartilhado. Se for removido do catálogo, desaparece. Isso traz problemas de fragmentação, controle, censura e perda de autonomia. Hoje, para ver “tudo”, são necessárias cinco assinaturas diferentes. E isso sem contar os algoritmos que decidem o que recomendam e o que não. Essa conveniência adquirida ao longo dos anos, por contraste, faz a pirataria parecer “inacessível” ou tecnicamente difícil.

Enquanto isso, os espaços para piratear foram diminuindo. Sites fechados, fóruns abandonados, redes P2P com poucos usuários. Alguns morreram, outros se tornaram mais difíceis de encontrar.

Piratear hoje não é tão fácil quanto antes, mas ainda é necessário. Para muitos, ainda é a única forma de acessar cultura, conhecimento ou história. Não é apenas uma prática técnica, mas também uma forma de resistência; de não precisar de permissão para acessar o que deveria estar ao alcance de todos. Piratear é compartilhar e manter vivo o que está sendo esquecido. Estes parágrafos são uma homenagem àqueles que compartilharam e compartilham desinteressadamente. Mas também são um convite para que não deixemos de fazer isso.

O que é piratear?

Para muitos, a pirataria é um gesto político; para outros, é a única opção. Enquanto em algumas regiões o acesso a plataformas digitais é amplo, diverso e legal, em outras nem sequer é possível pagar por elas. Seja por falta de infraestrutura e acesso a bens materiais de conectividade, meios de pagamento compatíveis com empresas internacionais ou preços abusivos quando uma assinatura em dólares ou euros deve ser paga com salários locais em moedas desvalorizadas. Ou simplesmente porque o serviço não é oferecido na região. A pirataria é uma resposta que surge da desigualdade.

A isso se soma a censura: conteúdos bloqueados por decisão estatal, empresarial ou pela combinação de ambas. Em muitos lugares, o que não é pirateado não é conhecido.

A pirataria surge como um acesso paralelo, como uma via informal. É a forma como alguém pode assistir a um filme que não foi lançado em sua área, ler um livro que não foi traduzido ou ouvir um disco que nunca chegou à sua região. É a circulação fora do mapa. Não há horizontalidade sem acesso.

O que não circula, desaparece

Em sua página de “Ajuda”, o Netflix pergunta a si mesmo por que filmes desaparecem de seu catálogo. E responde sem conflito que uma das causas é a “popularidade na região e o custo da licença”. Lembrando-nos — mesmo que indiretamente — que é, acima de tudo, uma empresa lucrativa. De nada adianta ter um catálogo que poucas pessoas queiram ver ou que seja muito caro em relação às assinaturas que consomem esse conteúdo. Então, pode ser removido, suprimido, apagado. Netflix, Mubi e similares não são arquivos: são catálogos projetados para rentabilizar a moda. O capitalismo cultural não arquiva; descarta. O que não rende, o que não monetiza, o que não entra em seu catálogo, é deletado.

A pirataria resgata o que fica fora do catálogo. Preserva o que foi censurado, o artista independente que ninguém colocou no Spotify ou no YouTube. O que desaparece do acesso também desaparece da conversa, dos debates, da memória. É apagado não apenas do catálogo, mas do imaginário e das possibilidades. Um filme legendado por fãs, uma pasta com livros escaneados à mão: isso é arquivo. Um arquivo sujo, incompleto, imperfeito, mas vivo. Porque existe e circula.

Quando pirateamos, também restauramos. Ao recuperar um filme para alguém que nunca o viu, reeditar um livro que não foi reimpresso… mantemos isso vivo.

A propriedade intelectual como ideologia

Todo conhecimento, toda arte, todo saber é fruto da experiência humana compartilhada. Ninguém inventa a partir do nada. O novo é sempre um eco, uma mutação do que nos precede. Toda propriedade intelectual é um roubo intelectual. A propriedade intelectual é uma construção ideológica útil ao capital. Uma ferramenta projetada para proteger interesses empresariais sob o disfarce de “defender os autores”. Mas, na prática, raramente beneficia quem cria. Beneficia quem comercializa. Quem tem o poder legal para explorar, distribuir, bloquear ou destruir uma obra, sem nunca tê-la criado.

Impõe-se escassez artificial a coisas que, por sua natureza, poderiam ser infinitas. Um arquivo não se esgota se for copiado, nem um livro se quebra se for baixado. Mas todo o sistema é organizado como se essas perdas fossem reais e tangíveis.

A propriedade intelectual não “protege” a cultura: a privatiza. A transforma em mercadoria. E, como toda mercadoria, a subordina às regras do mercado. O que não vende, não é editado, e o que não dá lucro, é apagado. É a possibilidade de copiar — e de impedir que outros copiem — que define o poder e a autoridade cultural.

O compartilhamento comunitário

Piratear não é um ato solitário. Por trás de cada torrent, cada legenda embutida ou cada pasta de livros, há uma expressão do “comunitário”. Não uma empresa, nem um algoritmo, nem uma plataforma: pessoas. Indivíduos que dedicam tempo, conhecimento e cuidado para que outros acessem algo que, de outra forma, seria inacessível.

A pirataria também é uma prática de compartilhamento. Dos fóruns antigos aos canais do Telegram ou repositórios colaborativos, o que há em comum é o desejo de colocar em circulação. E, na maioria das vezes, de fazê-lo sem pedir nada em troca. Essa generosidade sem mercado é um dos gestos mais desafiadores que ainda sobrevivem na internet.

Quem compartilha um arquivo está defendendo outra forma de relação digital. Um compromisso com o meio, não apenas com o consumo. Faz parte de um tecido sólido que contradiz o modelo de usuário passivo que as plataformas propõem.

Pirataria hierárquica

Nem tudo o que é baixado é compartilhado, nem tudo o que é compartilhado é feito com um espírito coletivo. Embora a pirataria seja reivindicada como uma prática coletiva, também pode reproduzir lógicas individualistas: competição, exclusão, acumulação sem sentido. É comum encontrar arquivos cheios de livros que ninguém leu, pastas repletas de coisas que só servem para acumular. Como se a pirataria fosse uma versão paralela do consumo ansioso, mas sem pagar.

Há também uma hierarquia silenciosa. Quem sabe ripear, automatizar downloads, modificar scripts ou remover DRM tem, querendo ou não, mais poder do que quem está apenas começando. Às vezes, um link é compartilhado, mas não o caminho para chegar a ele por meios próprios. Espera-se que os outros já saibam. Responde-se com soberba técnica, como se o saber fosse algo que se conquista e não uma construção comum.

Fóruns onde ninguém responde se você não tem reputação, se é “novato”. Sites onde compartilhar é obrigatório, mas explicar não. Em vez de horizontalidade, muitas vezes há competição, ciúmes, códigos fechados. Como se piratear fosse apenas para quem sabe, e os outros tivessem que agradecer em silêncio. Também há espaços fechados, restritivos, cheios de regras e punições, onde se compartilha muito, mas se cuida pouco. Fóruns onde você precisa de um certo “ratio” para continuar baixando. Uma lógica meritocrática disfarçada de comunidade. Um clube onde não se entra para piratear, mas para provar que já se sabe.

A pirataria se torna elitista quando deixa de se preocupar com o acesso real e comum. Quando o conhecimento técnico se torna uma barreira. Quando compartilhar significa apenas “enviar o arquivo”, mas não implica em dedicar tempo para ensinar a escanear, ripear, comprimir, legendar, montar, distribuir. Nesse ponto, piratear se assemelha mais ao ego de quem sabe do que à comunidade que queremos construir.

Nos primeiros tempos da internet, baixar um filme não era apenas para assistir sozinho; era para levá-lo a um centro cultural, projetá-lo em uma praça, passá-lo em um DVD para quem não podia acessá-lo. O mesmo com livros, música, software. O digital permitia que o escasso se tornasse comum. Mas a prática foi mudando. Cada vez mais, piratear se tornou um ato solitário, de acumulação pessoal e consumo isolado. Como um colecionismo digital, mas sem circulação.

Essa lógica individualista transforma a pirataria em um gesto vazio. Baixar por baixar ou acumular por acumular é como construir uma biblioteca e nunca abrir suas portas. A pirataria faz sentido quando é coletivizada, quando se torna um ato de resistência comum. Quando um arquivo não é apenas um objeto de consumo, mas um meio para conectar, aprender em conjunto, projetar em um bairro ou para um círculo de leitura. A verdadeira potência da pirataria não está no download, mas na circulação e nos vínculos que se criam a partir dela. Não se trata apenas de acumular coisas, mas de pensar como compartilhá-las e libertá-las das limitações do mercado.

Todas essas contradições não deslegitimam a pirataria: a complexificam. Acrescentam questionamentos. Queremos piratear para ter mais coisas ou para que mais pessoas tenham acesso? Queremos saber mais para mostrar ou para compartilhar? Compartilhamos ferramentas ou apenas resultados? Nos importamos que alguém aprenda a ripear ou preferimos continuar sendo os que “sabem”? Não há necessariamente respostas únicas. Mas se os arquivos circulam e o saber não, não há liberdade nem horizontalidade. Então, talvez não estejamos pirateando, apenas acumulando. Para aprofundar teoricamente, recomendamos “A pirataria des-comunal: as origens da acumulação capitalista de conhecimentos”.

Piratear é aprender

A pirataria, como toda prática que escapa dos canais legais e comerciais, requer tempo, tentativa, erro e, acima de tudo, vontade. Não se trata apenas de baixar um arquivo, mas de entender como ele funciona, como é compartilhado, como é mantido disponível.

Isso não significa que seja preciso ser “especialista”. Pelo contrário: piratear também é uma forma de alfabetização digital coletiva. Sempre há uma primeira vez para ripear um DVD, usar torrents ou navegar em sites bloqueados. Tudo se aprende. E se aprende fazendo, perguntando, testando, errando, compartilhando o que se sabe.

Este fanzine existe para isso. Para que essa curva de aprendizagem seja menos solitária, menos técnica, menos elitista. Para que o saber pirata não fique trancado em um punhado de fóruns fechados ou em tutoriais dispersos. Para que a autonomia digital não dependa de especialistas ou influencers, mas de redes horizontais que passam ferramentas, experiências, erros e soluções. Por isso também requer vontade, não podemos em poucas páginas compartilhar experiências ou formas completas ou complexas, será necessário também muito interesse.

Para aprender a piratear, não há uma única forma, nem uma ferramenta mágica: há vários caminhos, e cada um traça sua rota. Que este fanzine sirva como bússola… com muito amor e carinho.

Para baixar o fanzine completo: http://pirata.ftp.sh

Pirata

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

jardim sem flor
entre as páginas do livro
a rosa e sua cor

Alice Ruiz

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