[Portugal] Agroecologia e uma ode à autogestão: o filme

Acaba de sair o documentário “Agroecologia em movimento”, um retrato sobre o movimento português das AMAP – Associações para a Manutenção da Agricultura de Proximidade – grupos auto-organizados de produção agrícola, que erguem uma alternativa ao mundo das cadeias globais de supermercados, dos agrotóxicos e da exploração laboral.

“Agroecologia em movimento” é um olhar íntimo sobre o caminho paciente rumo à soberania alimentar, onde ambientalismo e ecologia se constroem a partir da dignidade de quem trabalha no campo e da solidariedade das comunidades em seu redor. Ao longo deste documentário, realizado por João Garrinhas e apoiado por 117 pessoas através de crowdfunding, ouvimos as vozes de quem está na horta e quer fazer agricultura, mas não consegue sobreviver no «mercado». Ouvimos também as vozes de quem quer fugir dos supermercados e das suas cadeias, que exploram mão-de-obra, envenenam os nossos solos e os nossos corpos. As AMAPs surgem, portanto, como um elo prático de ligação entre ambas as vontades: uma forma de organização social que ultrapassa intermediários e que acolhe relações diretas entre produtoras e consumidoras, que em conjunto organizam um sistema local de produção e distribuição. Por isso mesmo, no contexto das AMAP, as consumidoras são chamadas de co-produtoras. Ao assentar num acto de militância, e numa prática radical de apoio mútuo, as AMAP são um gesto maior. Em primeiro lugar, de defesa do alimento – e de todo o ecossistema que o nutre – como um bem comum e um direito fundamental, que tem sido dominado e violentado pelo actual sistema de produção e de consumo. Em segundo lugar, de criação de comunidades autónomas, que se auto-organizam para manterem vivas as suas redes locais de abastecimento alimentar. Por isso este documentário é, nas palavras de João Garrinhas, com quem conversámos, uma «ode à autogestão».

Jornal MAPA – Fizeste este documentário enquanto membro ativo de uma AMAP. Vê-lo como uma forma de comunicar o movimento, de dentro para fora?

João Garrinhas – De alguma forma, sim. Em 2019 estava a viver na Quinta Maravilha, em Palmela, quando começámos a nossa AMAP. Porque a câmara é um objecto que utilizo há já alguns anos e o vídeo uma forma de registo e de expressão política/social, fui filmando vários momentos sem a ambição de os expor ou de criar conteúdo para outrxs… Não só do projeto AMAP, como de outros processos que passavam pela Maravilha. A AMAP surge de uma relação próxima entre membros da quinta e do Centro de Cultura Libertária, em Cacilhas, e essa proximidade era minha também, o que me deu confiança e intimidade para filmar o processo com estas pessoas. Nesse ano (2019) estivemos em vários momentos assembleários com outras AMAP mais a sul, onde também fui captando imagens, retratando pessoas e registando alguns testemunhos. E foi nestes momentos que percebi que já tinha material para contar uma história, esta nossa história enquanto movimento em torno da agroecologia, da agricultura regenerativa e da auto-organização.

JM – O documentário foi, ele mesmo, um processo colectivo – de várias AMAP, de várias mãos e de vários apoiantes. Queres falar um pouco sobre isto?

JG – Quando filmava estes processos colectivos, o pessoal perguntava-me o que pretendia fazer com todas as filmagens que fazia. Foi aí que a ideia de documentar audiovisual ou cinematograficamente os nossos projetos foi ganhando forma. Faltava tempo e financiamento mas, com a chegada da pandemia a dimensão temporal ganhou outra forma… A situação financeira ficou ainda pior, mas decidimos lançar uma campanha de crowdfunding para a qual fiz um trailer e contei com o apoio de várias companheiras da Regenerar (rede de AMAPs) para escrever os textos. O crowdfunding propunha-se a pagar as despesas mais básicas associadas à fase de rodagem e assim foi, com o apoio de 117 pessoas concretizámos essa fase de rodagem. Toda a equipa trabalhou por militância ou afinidade, por fazer parte do grupo. O envolvimento surge ao nível das relações – quem filma, quem escreve e entrevista, quem capta som… Todas estamos relacionadas com estes projectos e com estas pessoas retratadas, então essa partilha é real e profunda, de igual para igual. Nós estamos ali a fazer um filme mas as pessoas conhecem-nos das mondas, das assembleias e das colheitas. Não somos uma equipa audiovisual urbana que chega e tem um olhar exótico sobre o tema.

JM – Este documentário pretende também inspirar outres a filmar os seus próprios processos de trabalho, movimentos e comunidades?

JG – Acima de tudo, este documentário pretende que as pessoas se organizem e tomem, de alguma forma, as suas vidas pelas suas próprias mãos. Que dependamos cada vez menos de modelos de produção intensivos, que enriquecem os patrões e exploram xs trabalhadorxs e a terra; que dependamos cada vez menos de redes de energia «estatais»; que tenhamos recursos para cuidar da nossa saúde e bem estar; de nos cuidarmos umas às outras em solidariedade e apoio mútuo. Pretende mudar o paradigma da agricultura, que seja regenerativa em vez de extractivista, ou seja, que a produção de alimentos seja em cooperação com a terra, deixando-a mais rica a cada cultura em vez de explorada e destruída. O vídeo é uma ferramenta de comunicação poderosa mas banalizada, está ao dispor de toda a gente através dos smartphones. Esta pode ser utilizada para produzir conteúdos revolucionários, para inspirar e dar voz a projetos que melhoram as nossas vidas… As AMAP surgem no Japão, nos anos 50, num contexto de crise sanitária que teve origem na indústria alimentar, numa altura em que as pessoas não podiam confiar nas empresas, e se reorganizaram. E quando isso acontece, estas redes criadas potenciam o encontro de pessoas, com o alimento na base, mas com o potencial comunitário de construção de relações de entreajuda. Esta forma de organização tem tornado possível criar também modelos de economia paralelos, porque não dependemos de uma autoridade que nos carimba enquanto ecológicos ou biológicos (fuck them), nós certificamos a nossa cena de forma participativa! Somos anti-autoritárixs, se queremos plantar a semente guardada pela avó do Henrique [agricultor da Quinta Maravilha] em Miranda do Douro, pois plantamo-la. Se quisermos usar estrume das ovelhas do vizinho, ninguém nos vem dizer que as ovelhas não comem comida certificada. É de nós para nós, decidimos em assembleia, somos um grupo de pessoas e não fazemos mercados biológicos nem vendemos para lojas… Quem consome coproduz, ou seja, participa de forma activa nas decisões e nos trabalhos em torno desse alimento que consome. ‘Bora sair das teias destas máfias que promovem o nosso isolamento e precariedade. Este filme retrata projectos com convergências e divergências, que seguem os princípios básicos da Agroecologia e se organizam enquanto AMAP ou CSA (community supported agriculture), mas para mim é uma Ode à Autogestão.

Fonte: https://www.jornalmapa.pt/2025/07/31/agroecologia-e-uma-ode-a-autogestao-o-filme/

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mas curam o solo.

Liberto Herrera

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