
A Nicarágua emergeria como um regime revolucionário, entendido como uma transformação profunda das estruturas políticas, econômicas e sociais do país. Diante desse cenário, os olhos do mundo se voltariam para esse pequeno território centro-americano que, vinte anos depois de Cuba, buscaria seu próprio caminho sob três princípios: economia mista, liberdade ideológica e não alinhamento.
Entre 1978 e 1990, formou-se no Estado espanhol um importante movimento de solidariedade com a Revolução Sandinista, que, junto a outros movimentos, o inseriu em uma nova era de transformações sociais. Tentar explicar tudo isso em poucas linhas seria demasiado ousado. Aqui, serão apresentados apenas alguns apontamentos sobre os diferentes tipos de internacionalistas espanhóis que lutaram em território nicaraguense, seja contra a dinastia somocista, seja em apoio à Revolução Sandinista. Para isso, o artigo está dividido em duas partes principais: o período da luta armada contra Somoza (antes de 19 de julho de 1979) e o período do governo revolucionário da FSLN.
1. O fim da ditadura dos Somoza (1978-1979)
Grande parte da vocação religiosa católica espanhola durante a ditadura franquista foi enviada para missões na América Latina. Muitas freiras e sacerdotes, apesar de terem sido ordenados sob o Nacionalcatolicismo, adotaram posturas de denúncia social ao entrarem em contato com as privações das classes mais pobres da região. No caso da Nicarágua, Gaspar García Laviana foi enviado em 1969 para paróquias próximas à fronteira com a Costa Rica. Ele ingressou na FSLN no Natal de 1977 e foi assassinado pela Guarda Nacional em 11 de dezembro de 1978. Laviana tornou-se o principal exemplo do internacionalista para o sandinismo, tanto por sua condição religiosa quanto por sua decisão de pegar em armas.
Muitos outros sacerdotes espanhóis foram expulsos pela ditadura somocista. Alguns, como Antonio Sanjinés (de Bilbao), chegaram a ser capitães do Exército Popular Sandinista (EPS) nos anos 1980. Outros, como José Álvarez Lobo (asturiano), atuaram no apoio logístico, evacuando feridos sandinistas a partir da Costa Rica. Já Pedro María Belzunegui (navarro) foi expulso em 1978 após ser descoberto com um depósito de armas em sua paróquia.
Um caso emblemático foi o do madrilenho Ángel Barrajón, que, junto a Sanjinés, fundou o Movimento Cristão Revolucionário para mobilizar jovens contra Somoza. Expulso, ele organizou redes de solidariedade na Europa, enviando recursos cruciais para a resistência.
No Frente Sur (fronteira com a Costa Rica), onde Edén Pastora liderava a luta, chegaram espanhóis como Pedro Ariza, que, após ouvir Ernesto Cardenal na Alemanha, decidiu viajar para a Nicarágua e integrar-se ao EPS, lutando posteriormente em El Salvador com o FMLN.
Os internacionalistas espanhóis na guerrilha dividiam-se em dois grupos:
- Religiosos radicalizados pelo contato com a realidade nicaraguense, vistos pela FSLN como parte de sua organização.
- Militantes desiludidos com a Transição espanhola, que buscavam na Revolução Sandinista um novo horizonte revolucionário.
2. A Revolução Sandinista (1979-1990)
Após a vitória sandinista, chegaram à Nicarágua espanhóis de diferentes perfis:
- Profissionais especializados(médicos, professores, engenheiros) enviados por meio de acordos oficiais.
- Brigadistas(como os participantes da Campanha Nacional de Alfabetização de 1980).
- Ativistas políticosque viam na Revolução Sandinista uma alternativa ao reformismo espanhol.
Muitos desses internacionalistas permaneceram no país, integrando-se a projetos sociais e políticos. Outros, como Mertxe Brosa e Pedro Ubero, continuaram ativos em iniciativas de solidariedade mesmo após o fim da revolução.
3. Conclusão
A participação espanhola na Revolução Sandinista pode ser dividida em três fases:
- Luta armada contra Somoza(sacerdotes e militantes radicais).
- Apoio à reconstrução pós-1979(profissionais e brigadistas).
- Solidariedade nos anos 1980(jovens ativistas vinculados a movimentos sociais).
Esses internacionalistas desempenharam papéis variados: combate, logística, educação, saúde e difusão de informações sobre a revolução. Sua contribuição foi parte de uma ampla rede global de apoio ao sandinismo durante a Guerra Fria.
A Revolução Sandinista terminou formalmente em 1990, com a vitória eleitoral da oposição apoiada pelos EUA. No entanto, sua memória permanece viva entre aqueles que participaram dela.
Notas:
1 – Para conhecer melhor todo o processo de luta e a evolução da Dinastia Somocista, pode-se ler o livro:
Ferrero, María Dolores, La Nicaragua de los Somoza 1936-1979*, Huelva e Managua, Instituto de História da Nicarágua e Centroamérica e Universidade de Huelva, 2010.
2 – Para ampliar essas ideias, pode-se consultar gratuitamente a produção histórica do autor do artigo através do link do ORCID ou ler sua tese de doutorado:
Ágreda Portero, José Manuel, Internacionalistas, activistas y brigadistas. La red transnacional de solidaridad con Nicaragua desde el Estado español (1978-1991), Santiago de Compostela, USC, 2022.
https://minerva.usc.es/entities/publication/ef22b979-b532-4438-a2c6-a37840d80280
3 – A figura de Gaspar García Laviana ainda hoje é visível em sua terra natal, Astúrias. Lá, o Fórum Gaspar García Laviana mantém atividades e já publicou várias biografias e memórias de seus amigos na Nicarágua. https://www.forogasparglaviana.es/sobre_gaspar.html
Além disso, Amanda Castro realizou o curta «Terra de Guerrilheiros», que busca conectar a figura de Gaspar à memória do guerrilheiro José Mata Castro.
https://amandacastro.es/tierra-de-guerrilleros.php
4 – García, Txema, Lava e cinzas. A Revolução Sandinista e o vulcão da solidariedade basca, Donostia, Txertoa, 2019.
5 – Entrevista com José Álvarez Lobo, Oviedo, 8 de janeiro de 2015.
6 – Diário ABC, «Detidos seis líderes da oposição na Nicarágua», 5 de setembro de 1978, p. 15.
7 – Entrevista com Ángel Barrajón, via Skype, 8 de março de 2016.
8 – Entrevista com Pedro Ariza, Manágua, 2 de agosto de 2015.
9 – Duarte, Carlos, «Os combates da Frente Sul e a queda de Gaspar García Laviana», Correo, 46, 7 de agosto de 2016, p. 53.
10 – Rodríguez Jiménez, José Luis, «Antecedentes e primeiras missões no exterior das Forças Armadas», La Albolafia: Revista de Humanidades y Cultura, 14 (2018), pp. 134-155.
11 – Para ver o envolvimento da elite espanhola na Revolução Sandinista, pode-se ler:
Blázquez, Belén, *A projeção de um líder político: Felipe González e a Nicarágua 1978-1996*, Sevilha, Centro de Estudos Andaluzes, 2006.
12 – Entrevista com José Antonio Lobato, Manágua, 17 de agosto de 2015.
13 – Entrevista com Víctor Pozas, Bilbao, 19 de junho de 2017. Entrevista com José María Recover, Madri, 22 de setembro de 2018. Víctor Pozas realizou uma tese doutoral sobre as relações internacionais da Revolução Sandinista, intitulada: Nicarágua (1979-1990). Ator singular do pragmatismo e protagonismo da revolução sandinista no cenário internacional, Bilbao, UPV, 2000.
14 – Homenagem a Carmen e Patxi Irañeta, Iosu Irañeta, 2016. Vídeo caseiro.
15 – Cardenal, Ernesto, A Revolução Perdida, Manágua, Anamá Ediciones, 2013, p. 316.
16 – Romero, Alberto, «As brigadas de solidariedade com a Nicarágua nos anos oitenta: uma expressão do internacionalismo nos últimos anos da Guerra Fria», em:
Gascón, Jordi, O turismo na cooperação internacional: das brigadas internacionalistas ao turismo solidário, Barcelona, Icaria Antrazyt, 2009, pp. 122-137.
17 – Leguineche, Manuel, Sobre o vulcão. Uma aventura da Guatemala ao Panamá, passando por El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica, Barcelona, Plaza y Janés, 1985.
18 – Entrevista com Pilar Goicoechea, Madri, 24 de fevereiro de 2018.
19 – Entrevista com María Victoria Lamas, Elorrio, 2 de janeiro de 2019.
20 – Entrevista com Mertxe Brosa, León (Nicarágua), 8 de agosto de 2015.
21 – García Arias, Josefina, *Passagem para a Nicarágua. Minha experiência como cooperante 1986-1989*, Madri, El garaje ediciones, 2019.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
durmo sob uma oliveira
com o musgo
por travesseiro
Rogério Martins
Um grande camarada! Xs lutadores da liberdade irão lhe esquecer. Que a terra lhe seja leve!
segue a página: https://urupia.wordpress.com/
Como ter contato com a comuna?
entra neste site: www.imprimaanarquia.com.br
Parabéns, camarada Liberto! O pessoal da Ana poderia informar como adquirir a obra. Obrigada!