[Reino Unido] O Jogo da Guerra: Ainda real demais para ser transmitido?

Ao lembrarmos de Hiroshima e Nagasaki, um filme que a BBC suprimiu 20 anos depois é mais relevante do que nunca

Bleart Thaqi ~

Sessenta anos se passaram desde que Peter Watkins concluiu The War Game, um filme tão cru e implacável em sua representação da catástrofe nuclear que a BBC, que o havia encomendado, decidiu suprimi-lo por considerá-lo “horrível demais”. O filme simula um ataque nuclear à Grã-Bretanha, com um ponto de ignição em Berlim escalando para uma guerra global. Uma ogiva de um megaton é detonada sobre Kent, e o planejamento emergencial da nação falha imediatamente.

Manuais britânicos de defesa civil, cartões de racionamento e testes de sirenes oferecem apenas a ilusão de preparo. Não há heróis, nem esforços de socorro organizados, nem recuperação triunfante; apenas globos oculares derretendo na onda de calor, crianças cegas por clarões a 43 km de distância e famílias sufocando sob mesas enquanto suas casas se desintegram. O verdadeiro terror não está apenas na explosão, mas no que vem depois: fome, doença da radiação, lei marcial, execuções e colapso social.

Watkins conseguiu tudo isso sem um único ator profissional, contando com cidadãos sem treinamento, entrevistas de rua e seu estilo já característico de realismo de câmera na mão. A câmera trêmula, o tom plano, a narração impassível, tudo dava a ilusão de documentário, mesmo sendo encenado. Muito do diálogo é retirado de documentos reais de defesa civil, literatura médica e relatórios governamentais. Os efeitos horríveis de queimaduras na retina, contaminação radioativa e retorno do escorbuto não são invenções, mas extrapolações baseadas em Hiroshima, Nagasaki e simulações da Guerra Fria.

As legendas satíricas, citando bispos e estrategistas que defendiam a bomba, vêm de declarações públicas genuínas. O filme expõe a confiança obscena de governos e militares na capacidade de administrar a aniquilação. A recusa da BBC em transmiti-lo, combinada com exibições secretas para o Ministério do Interior e oficiais militares, revelou que os guardiões da informação temiam que o público despertasse.

No mundo atual, essa provocação é novamente urgente. Por quase três décadas após o fim da Guerra Fria, as armas nucleares foram tratadas como sobras históricas. Agora, voltaram à pauta, não como sombras, mas como instrumentos reais de política. A invasão russa da Ucrânia reacendeu o espectro de um confronto nuclear na Europa. No sul da Ásia, a rivalidade nuclear de longa data entre Índia e Paquistão ferve perigosamente. Enquanto isso, Israel e Irã trocam mísseis e ameaças, com o programa nuclear iraniano avançando em direção à capacidade de ruptura, e o arsenal israelense permanecendo não declarado, mas compreendido.

Essas não são tensões frias e distantes; são atuais, quentes e voláteis. E em todos os casos, persiste a lógica da dissuasão: que a aniquilação equivale a estabilidade. Que podemos controlar o fogo.

Mas The War Game nos diz que não podemos. Não há limite para a fome. Não existe plano para recuperar a visão ou lidar com cemitérios em massa. Os sistemas de ordem em que confiamos para gerir crises falham em poucas horas. Cada instituição se revela construída sobre a suposição da normalidade. O que era verdade então continua sendo agora. Watkins entendeu isso, e entendeu o papel da mídia em encobrir.

Suas entrevistas, encenadas mas enraizadas em crenças reais, mostram figuras do establishment discutindo calmamente sobre sobrevivência e doutrina. Enquanto isso, cidadãos comuns expressam confusão ou fé cega. Uma mulher acha que “Estrôncio-90” é um tipo de pólvora. Um policial especula sobre como manter a ordem. “Não mais que uma porcentagem microscópica de pessoas neste país sabe algo sobre sua situação atual”, disse Watkins em 1966. Substitua “este país” por quase qualquer um em 2025, e a frase continua válida.

O clímax do filme não é uma grande batalha nem um ato de heroísmo. É uma cena de Natal em um campo de refugiados. As crianças, órfãs e irradiadas, não têm sonhos, nem respostas. “Nada”, dizem. Ou não dizem nada. Sobre os créditos finais, toca uma versão distorcida de Noite Feliz.

Sessenta anos depois, The War Game continua não apenas relevante, mas necessário. Não porque preveja exatamente o que vai acontecer, mas porque mostra o que sempre pode acontecer, e o que, de alguma forma, já aconteceu.

O ignoramos por nossa conta e risco.

>> The War Game (1965):

https://vimeo.com/125368859?fl=pl&fe=ti&pgroup=plv

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/08/08/the-war-game-still-too-real-to-broadcast/

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

Chuva de granizo —
Compartilho com os pássaros
A minha varanda

Tony Marques

Leave a Reply