
A luta pela libertação não é um evento futuro agendado para uma revolução distante, mas um exercício diário de negação e construção. O capitalismo e o Estado não são monstros que dormem à espera de um único golpe fatal; são hidras que se regeneram todos os dias através da nossa passividade, da nossa obediência e da nossa assimilação. Portanto, a resistência deve ser igualmente cotidiana, um fermento constante que corrói os alicerces podres deste mundo. É nas pequenas recusas e nas microafirmações que preparamos o terreno para a grande transformação. Ignorar o hoje em nome de um amanhã glorioso é cometer o mesmo erro dos que adiam a vida para um paraíso após a morte: é negar a própria possibilidade da mudança real.
Reverenciar o ontem não é um culto mortuário ao passado, mas um ato de reconhecimento e aprendizado. Os mártires de Chicago, os guerrilheiros da Ucrânia livre, as mulheres livres da Espanha, todos aqueles que ousaram desafiar o Leviatã em suas épocas, não nos legaram um roteiro a ser seguido, mas um espírito a ser encarnado. Suas lutas, seus erros e seus acertos são a matéria-prima da nossa própria práxis. Eles nos mostram que a história não é feita por forças invisíveis, mas pela ação corajosa de pessoas comuns. Honramos sua memória não com monumentos de pedra, mas com ações de carne e osso, continuando onde eles pararam, adaptando sua coragem às nossas próprias realidades.
É precisamente nesta resistência do presente, na recusa em pagar ainda mais caro em um ônibus, na ocupação de um terreno ocioso, na greve selvagem, no apoio mútuo durante uma crise, que encontramos os verdadeiros caminhos. A teoria desce das nuvens e ganha materialidade nas ruas. Descobrimos o que funciona e o que não funciona não em manuais dogmáticos, mas na prática coletiva. A rua vira nossa universidade, e a ação direta, nosso método de pesquisa. Cada confronto, cada espaço autogerido, cada estrutura horizontal que erguemos é um laboratório onde testamos e vivemos os princípios da sociedade futura, aqui e agora.
Mais importante ainda: é nessa prática quotidiana que encontramos nossos camaradas. Laços forjados na luta concreta são infinitamente mais sólidos do que aqueles construídos em discussões intermináveis em salas fechadas. A confiança nasce do apoio mútuo em um piquete, da solidariedade em uma manifestação, do trabalho coletivo em uma horta comunitária. Esses laços são o tecido conjuntivo da nova sociedade dentro da velha. São estes vínculos de afeto, confiança e propósito comum que formarão a base resiliente necessária para enfrentar os desafios maiores que virão, impedindo que nossas estruturas reproduzam a hierarquia e o autoritarismo que juramos destruir.
Portanto, a transformação rumo ao fim do capitalismo, do Estado e de todas as formas de dominação não será um evento singular, mas o acúmulo e a generalização dessas práticas quotidianas de resistência e autogestão. O amanhã livre não é um destino ao qual chegaremos, mas um caminho que construímos a cada passo dado hoje. A nova sociedade não será proclamada num dia, mas gestada todos os dias nos espaços que roubamos ao poder, nas relações que libertamos da lógica do mercado e do Estado.
Conclamo, pois, a que não esperemos por um momento messiânico. Que nossa vida seja nossa principal trincheira. Que cada gesto de insubordinação, por menor que pareça, e cada ato de solidariedade, por mais local que seja, seja um tijolo na construção do mundo novo. O amanhã será apenas o eco do hoje que ousamos viver em luta. É na resistência do presente que honramos o passado e forjamos o futuro. Porque a revolução não é um ponto no calendário; é um modo de existir.
Liberto Herrera.
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PARABÉNS PRA FACA E PRAS CAMARADAS QUE LEVAM ADIANTE ESSE TRAMPO!
Um resgate importante e preciso. Ainda não havia pensado dessa forma. Gratidão, compas.
Um grande camarada! Xs lutadores da liberdade irão lhe esquecer. Que a terra lhe seja leve!
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