
As equipes compartilham uma amizade única, baseada em prioridades antifascistas e ativistas, propiciando ambiente acolhedor para identidades que não se encaixam na trajetória esportiva típica.
~ Alice Hoole ~
Os Easton Cowboys and Cowgirls (Cowfolk) e a Republica Internationale foram fundados há 40 anos em Bristol e Leeds, respectivamente. Alguns dos membros originais eram punks, anarquistas, socialistas e squatters (membros de ocupações); identidades que oscilavam nas margens da sociedade, e nem sempre associadas ao esporte. Os fundadores queriam rejeitar muitas das características tóxicas do futebol, como a hipermasculinidade, a homofobia, o racismo, o nacionalismo, o capitalismo e a mentalidade esportiva típica de manter o domínio a todo custo.
Com a experiência em organização faça você mesmo, DIY, as equipes estamparam e costuraram os próprios uniformes, produtos e faixas; criaram os próprios torneios celebrando a amizade, a solidariedade e o amadorismo com troféus artesanais; e combinaram as identidades das equipes com as cenas políticas e musicais locais DIY.
Cada equipe tem história e cultura únicas, já documentadas por Mick Totten, Beth Simpson e Michael McMahon. Mas o que ambas têm em comum é a amizade singular baseada em prioridades antifascistas e ativistas, propiciando lar seguro para identidades que não se encaixam na trajetória esportiva típica.
Embora os fundadores de ambas as equipes sejam homens, muitas mulheres e jogadores de gênero diverso assumiram funções organizacionais importantes e ajudaram a construir esses clubes até o que são hoje. Como organizadora da Republica, tive o privilégio de entrevistar algumas dessas vozes para a minha pesquisa. Ao representar as suas vozes, podemos começar a corrigir o desequilíbrio representativo de mulheres e jogadores de gênero diverso nas discussões sobre futebol radical.
Como foi dito a mim por participante: “Você pode estar em um espaço de futebol, um espaço punk, um espaço anarquista e, às vezes, uma merda de clube só para homens. Mas se você se levantar, coletivamente, como no DIY, o “faça-junto” (Do It Together), dá para mudar isso. Nós também nos organizamos bem, às vezes, até melhor, e talvez possamos ajudar a tornar esse espaço um pouco melhor para todes” [gênero atribuído pela tradução].
Ativismo e cuidado
O ativismo é parte integrante do clube. Desde apoiar equipes formadas por refugiados, organizar refeições comunitárias e campanhas de arrecadação de roupas de inverno até manifestações antifascistas e bailes Queer para arrecadar fundos, esses grupos radicais de esquerda estão envolvidos em muito mais do que só futebol. “A política do clube”, diz um dos organizadores, “é a que somos um grupo de pessoas unidas porque todos queriam jogar futebol e, assim, um grupo de pessoas podia tomar medidas alinhadas a essas crenças”.
Além do ativismo comunitário local, tanto o Cowfolk quanto o Republica têm longa história de solidariedade internacional. Mais notavelmente, ambos os clubes fizeram diversas viagens juntos para a Palestina para mostrar solidariedade em face à ocupação. Um organizador comentou: “Assim como na viagem à Palestina, usamos o futebol para quebrar as barreiras entre nós. Obviamente, a vida das mulheres na Palestina é muito diferente da nossa vida aqui, mas usar essa partida de futebol é uma forma de dizer ‘isso é algo que todos nós amamos fazer e vamos fazer juntos’. Ou mesmo para dizer: ‘estas são algumas das dificuldades que enfrentamos como mulheres que tentam jogar futebol na Palestina’. Respondemos: ‘ah, sim, nós também temos esses problemas’. Encontramos semelhanças, boas ou ruins”.
Além do ativismo voltado para o exterior, alguns organizadores me falaram sobre o trabalho de gênero na criação de comunidades de cuidado. Como argumenta Ewa Majewska, as comunidades de cuidado e o trabalho emocional da ação antifascista e anarquista muitas vezes não são valorizados da mesma forma. “Se a história fosse contada por quem desempenhava os papéis, ela poderia parecer um pouco diferente”, aponta um organizador. “Mas isso não significa dizer que foram essas pessoas que fizeram o trabalho emocional”.
Documentar e celebrar esses atos de cuidado foi considerado tão importante quanto criar uma comunidade radical. Dentro dos clubes, isso foi vivenciado por meio do cuidado coletivo das crianças, do cuidado físico ou da entrega de pacotes quando as pessoas estavam fisicamente ou mentalmente indispostas, do apoio mútuo em eventos pessoais e profissionais e do acompanhamento dos ciclos menstruais ou das mudanças da menopausa umas das outras. Como comentou uma organizadora:
“É a alegria da comunidade e esse tipo de união das Cowgirls. Às vezes, sinto que as Cowgirls, especialmente quando envolvemos as pessoas, somos quase como um clã. Somos um bando de bruxas. As bruxas eram as ‘outras’, sempre intergeracionais, alternativas e sempre cuidando das pessoas”.
Torneios e locais seguros
Tanto o Cowfolk quanto o Republica se desenvolveram em uma rede internacional de clubes de esquerda semelhantes, que se reúnem todos os anos para torneios. Esses torneios estão mais para festivais autônomos de três dias, com atmosfera carnavalesca de bandas punk, DJs e outros entretenimentos, com tanta importância quanto o futebol.
“Para mim é como criar um pequeno mundo independente, muito diferente da vida normal”, disse um dos organizadores. “Você tem muitas pessoas muito mais velhas e amizades intergeracionais, há algo definitivamente reconfortante nisso. Muitas vezes sinto que é isso que posso fazer para continuar me atuando assim pelo resto da minha vida, e tudo bem.”
Outro organizador comentou: “O torneio em rede é como se você estivesse em uma utopia. Para mim, é uma comunidade utópica, como uma bolha, e quando saio dela, penso: ‘Ah, estou na sociedade normal novamente'”. Muitos organizadores defenderam que as vozes das mulheres e das pessoas Queer fossem centrais na organização desses espaços.
Um organizador disse: “Acho que algumas das questões de espaços anarquistas mais seguros que surgiram anteriormente foram que as únicas regras são ‘não seja babaca’, ou seja, historicamente, principalmente os homens. Agora tem pessoas com mais diversidade de gêneros chegando, e precisa explicar melhor, o que significa não ser ‘babaca’ hoje em dia?”
“Acho importante ter vozes femininas mais velhas e mais altas em um espaço antifascista, porque acho que muitos homens cis consideram esse espaço garantido. Nunca enfrentaram as mesmas barreiras no futebol. Por isso, acho que há muito empoderamento em usar o espaço como veículo para a mudança social.”
Para muitas das organizadoras com quem conversei, fazer parte das comunidades de futebol mudou suas vidas. Para a maioria, jogar futebol pela primeira vez foi um ato político e queer-feminista, mas também repleto de alegria. Esse sentimento de orgulho e alegria foi o que sustentou o seu ativismo duradouro.
Foto superior: Republica jogando contra um time feminino da Palestina da Universidade Diyar em 2017
Tradução > CF Puig
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