
06 de setembro de 2025
Menos de um ano após assumir o cargo, o presidente indonésio Prabowo Subianto enfrenta os protestos antigovernamentais mais combativos dos últimos anos. As recentes manifestações de rua são causadas pela incrível desigualdade do país e pelo domínio de uma classe política entrincheirada. A desigualdade na Indonésia é extrema, e a diferença entre ricos e pobres só aumenta. Enquanto a classe média encolhe, a elite fica cada vez mais rica e arrogante. Recentemente, o parlamento aprovou um aumento substancial nos subsídios mensais de moradia, elevando sua renda mensal total para mais de 100 milhões de rúpias, ou seja, mais de 6 mil dólares. Enquanto isso, o salário médio mensal dos trabalhadores em fevereiro de 2025 era de 3,09 milhões de rúpias, menos de US$ 200. A taxa de desemprego do país oscila em torno de 15%, sendo maior entre os jovens, e a mais alta do Sudeste Asiático.
Na manhã de quinta-feira, 28 de agosto, sindicatos se reuniram pacificamente em frente ao prédio do parlamento para pedir salários mais altos, reforma tributária e cumprimento das leis trabalhistas existentes. Depois que os trabalhadores se dispersaram, estudantes se reuniram em torno do prédio, exigindo o cancelamento dos novos subsídios de moradia dos políticos e a dissolução do parlamento. Naquela noite, Affan Kurniawan, motorista de Ojek (serviço online de entrega/táxi por motocicleta) de 21 anos, foi atropelado e morto por um canhão de água da polícia de 14 toneladas e um veículo de controle de distúrbios. Um colega seu sofreu fratura em uma perna.
Probowo, que foi um dos generais mais poderosos, há 30 anos, demitido do cargo por seu envolvimento no desaparecimento de ativistas estudantis pró-democracia, o presidente agora afirma estar “chocado e surpreso” com a morte do motorista de Ojek. Ele pede calma e ordenou uma investigação sobre questões “éticas” relacionadas à morte de Affan. A súbita eclosão de ações em toda a península o obrigou a visitar a família do motorista assassinado e prometer que receberiam apoio do governo pelo resto da vida. O cortejo fúnebre de Affan foi composto por centenas de motoristas de motocicleta Ojek vestindo uniformes verdes.
Esses trabalhadores marginalizados enfrentam diariamente a desigualdade gritante da Indonésia. Pegam comida em shoppings luxuosos e entregam em casas de classe média. A sua situação financeira é tão precária que, em 8 de dezembro de 2024, Darwin Mangudut Simanjutak morreu de fome em Medan enquanto esperava pelo pedido de um cliente. Na noite anterior à sua morte, havia reclamado a um amigo que não tinha comido porque não tinha dinheiro. Seis meses depois, em 20 de maio de 2025, milhares de motoristas que trabalhavam para a plataforma online Gojek foram às ruas em 18 cidades. O Sindicato dos Motoristas Online da Indonésia informou que pelo menos 12 morreram por fadiga, pois os trabalhadores às vezes ficavam 18 horas por dia no trabalho. Esses motoristas representam milhares de outras pessoas privadas dos benefícios do desenvolvimento econômico do país. Por muitos anos, lutaram por melhorias dos salários e das condições de trabalho, mas acabaram sofrendo com os recentes aumentos de impostos e reduções salariais.
Apesar do apelo do presidente à calma, as pessoas se recusaram a obedecer. Após o assassinato de Affan, grafites com a palavra “Pembunuh” (assassino) apareceram repentinamente nas ruas de muitas cidades. Uma importante organização estudantil convocou todos os cidadãos a se juntarem a eles nas ruas, observando que “uma instituição que deveria proteger se transformou em carrascos uniformizados, pisoteando a dignidade dos cidadãos civis”.
Manifestações e protestos aconteceram na sexta-feira, 29 de agosto, em todo o arquipélago. Os prédios dos parlamentos regionais foram incendiados e o parlamento nacional, em Jacarta, foi cercado e sitiado. Dezenas de estações de ônibus e metrô foram destruídas, assim como pedágios de rodovias e prédios da polícia cuidadosamente selecionados. O subsolo e o primeiro andar de uma grande delegacia de polícia a leste de Jacarta foram fortemente danificados pelo fogo. Centenas de manifestantes se reuniram ao lado de fora da sede da Brigada Móvel (Brimob) da Polícia de Jacarta, unidade responsável pela morte de Affan, jogando fogos de artifício enquanto a polícia respondia com gás lacrimogêneo. Um grupo determinado de manifestantes, gritando “Pembunuh”, tentou derrubar os portões da famosa unidade e arrancou uma placa da parte externa do prédio. Os protestos se espalharam para outras grandes cidades, incluindo Bandung, em Java Ocidental, Semarang, em Java Central, Surabaya, em Java Oriental, e Medan, em Sumatra do Norte. Em Yogyakarta, as pessoas cercaram a sede da polícia regional por cinco horas. Diversos veículos do governo, um centro de atendimento policial e um posto de trânsito foram incendiados. Barreiras de água também foram atacadas, forçando o fechamento do anel viário norte.
No dia seguinte, sábado, 30 de agosto, a raiva do povo continuou a se expressar. Grandes edifícios que abrigavam o parlamento regional e a câmara municipal em Makassar, Sulawesi, foram incendiados. Três funcionários do governo ficaram presos nos edifícios e saltaram do terceiro andar, encontrando a morte. Outra pessoa foi confundida com um espião da polícia e morreu, atacada pela multidão. Em Solo, cidade natal do ex-presidente Jokowi, o prédio do parlamento também foi incendiado. Em Jambi, a residência oficial do vice-governador, foi queimada. Em Martaram, manifestantes incendiaram o enorme parlamento regional. Em todo o país, dezenas de motocicletas, carros e ônibus foram queimados.
Em coletiva de imprensa televisionada, 30 de agosto, o chefe da polícia do país e o comandante do exército se recusaram a pedir desculpas pela violência estatal assassina. Em vez disso, culparam os anarquistas. Ao amanhecer, cidadãos atônitos observaram dezenas de carros queimados cercados por pedras e fragmentos de garrafas em muitas áreas urbanas. Enquanto as equipes de noticiários de televisão avaliavam os danos causados pelas brigas de rua, suas manchetes declaravam uniformemente: “anarquistas prejudicam o bem público”.
A arrogância da elite provoca a reação popular
Depois que os estudantes pediram a dissolução do parlamento, Ahmad Sahroni, influente membro do parlamento, chamou essa perspectiva de “mentalidade tola… Esse tipo de pessoa é a mais estúpida do mundo”. Depois de repetir seu comentário, Sahroni partiu para Cingapura. Enquanto estava fora, centenas de pessoas indignadas invadiram a sua residência particular. Elas a saquearam enquanto os soldados ficavam parados, implorando para que não queimassem a casa. O exército assistiu enquanto as pessoas levavam a banheira, a geladeira, a máquina de lavar, os móveis e bolsas de grife caras. Um relógio avaliado em mais de US$ 300 mil estava entre os itens apropriados. Dólares e rúpias liberados foram jogados ao ar para que todos pudessem compartilhar o dinheiro expropriado.
Eko Patrio, outro membro do parlamento e influente nas redes sociais, foi DJ de uma festa dançante no parlamento após a aprovação dos aumentos salariais. A comemoração ostensiva levou as pessoas a se reunirem na sua residência. Ele interagiu com os manifestantes, alegando que “todos produzem conteúdo”. Depois de partir para a China, sua residência foi saqueada. As pessoas também invadiram a casa da ministra das Finanças, Sri Mulyani, e de Uya Kuya, levando todos os seus pertences.
Declarações públicas grosseiras feitas por altos funcionários do governo indonésio têm sido constantemente notícia. Quando o ministro do Desenvolvimento Humano, Pratikno, foi questionado por um jornalista sobre um grande verme que matou uma criança, ele riu publicamente. Pratikno apontou para os “olhos cansados” antes de cair na gargalhada. A criança de cinco anos, chamada Raya, tinha sido diagnosticada com tuberculose. Uma vez no hospital, um verme começou a sair pelo nariz. Após a morte, foram encontradas tênias com aproximadamente um quilo dentro do corpo. O ministro da Saúde do país afirmou posteriormente que a causa da morte tinha sido uma infecção, e não os vermes.
Embora ninguém saiba o que acontecerá a seguir, equipes de limpeza trabalham em ritmo frenético para limpar as ruas de veículos queimados e reparar a infraestrutura de transporte público. Das mais de 500 pessoas feridas, dezenas ainda hospitalizadas, conforme a Organização de Paramédicos de Rua. Negociações para a libertação de mais de 600 pessoas presas e para a punição dos policiais envolvidos na morte de Affan estão em andamento. Uma testemunha ocular do assassinato de Affan afirmou publicamente que o veículo da Brimob “de repente acelerou no meio da rua sem prestar atenção à multidão reunida”. Autoridades detiveram sete policiais da Brimob por questões “éticas” relacionadas à morte do motorista. Não é de surpreender que os investigadores do governo ainda nem tenham determinado quem estava ao volante.
Reformas políticas de pouca importância para os pobres foram rapidamente divulgadas. Probowo suspendeu os novos subsídios de moradia. Eko foi suspenso do cargo de secretário-geral do Partido Mandato Nacional (PAN). Aparentemente, a gota d’água foi quando as pessoas criticaram os membros do parlamento por dançarem para comemorar o aumento do subsídio de moradia. Eko postou um vídeo zombando das pessoas irritadas com a dança. Ahmad Sahroni também foi suspenso do parlamento pelo seu partido NasDem, alegando que suas declarações “ofenderam e feriram os sentimentos do povo”. Outra integrante do partido, Uya Kuya, foi mostrada dançando com uma legenda dizendo: “apenas dancem, vocês achavam que 3 milhões de rúpias por dia era muito”. Ela também foi suspensa.
Novas medidas repressivas também foram promulgadas. Probowo alertou que os protestos poderiam ser considerados “traição e terrorismo”. Agora, Jacarta é patrulhada por três patrulhas móveis recém-criadas, compostas por centenas de policiais fortemente armados. O chefe de polícia do país ordenou que os policiais atirassem com balas de borracha em qualquer pessoa que entrasse na sede da Brimob. A Universidade da Indonésia suspendeu todas as aulas presenciais e as substituiu por formatos online, pelo menos pela próxima semana. Ao mesmo tempo, relatórios preliminares indicam que os protestos continuam a eclodir em todo o arquipélago.
É evidente que as recentes manifestações nas ruas e os saques alimentaram o medo entre a elite e a classe média. A revolta também proporcionou nova energia e orgulho aos motoristas de Ojek e aos cidadãos marginalizados, uma mudança palpável que pode ser um dos seus resultados mais importantes. Prabowo cancelou uma viagem a Pequim, onde há muito planejava participar de uma cúpula de líderes de países que se opõem às ações imperialistas dos Estados Unidos. Embora tenha expressado simpatia pela família de Affan, ele também prometeu que respostas firmes serão dadas aos “atos anarquistas”, danos a instalações públicas e saques de propriedades públicas e privadas. Muitas pessoas temem que, se os protestos militantes continuarem, a violência estatal possa se tornar ainda mais assassina.
Fonte: https://voidnetwork.gr/2025/09/06/notes-on-class-struggle-in-indonesia-by-paul-obanion/
Tradução > CF Puig
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