[Reino Unido] Nepal: uma revolta das bases

Nestes tempos sombrios e reacionários, vale a pena notar que, apesar da enxurrada de propaganda da mídia controlada pelo Estado e pelos capitalistas, a luta não morreu. Presenciamos as recentes greves dos transportes em Londres, a revolta na Indonésia e os bloqueios de 10 de setembro na França. A ACG espera comentar todos esses eventos, mas, aqui, vamos nos concentrar em outro acontecimento importante: o levante no Nepal.

Uma enorme onda de indignação popular tomou conta do governo nepalês quando, em 4 de setembro, tentou fechar 26 plataformas de mídia social. A desculpa era supressão ao discurso de ódio, mas o verdadeiro motivo era silenciar a dissidência. As condições econômicas forçaram dois milhões de trabalhadores a migrar para longe e, para eles, as mídias sociais são a principal forma de manter contato com as famílias. Cerca de 90% da população usa mídias sociais.

A indignação generalizada à corrupção dos políticos já é antiga, e isso foi rapidamente expresso em cartazes empunhados por milhares de manifestantes que saíram às ruas da capital Katmandu naquele dia. Muitos jovens, alguns com os seus uniformes escolares. A polícia respondeu com violência, usando cassetetes e canhões de água. Isso só aumentou a raiva dos manifestantes. Em 8 de setembro, a polícia intensificou a violência, atirando contra a multidão e matando manifestantes. Até o momento, o número de mortos pelas forças do Estado subiu para 25, mas pode aumentar. Muitos foram baleados na cabeça ou no peito, foram assassinatos deliberados. O governo impôs toque de recolher, mas isso não foi suficiente para deter os protestos.

Em resposta, as sedes dos partidos políticos foram incendiadas, assim como as casas dos respectivos líderes. Diante da ira popular, alguns precisaram de resgate, subindo em cordas penduradas por helicópteros da polícia, na tentativa desesperada de fugir dos manifestantes enfurecidos. Isso foi seguido pela queima do prédio do Congresso (Parlamento). O primeiro-ministro Khadga Prasad Sharma Oli foi forçado a renunciar. Pouco depois, a sua casa foi incendiada. O ministro do Interior, Ramesh Lekhak, renunciou, no dia anterior, após assumir a responsabilidade moral pela repressão. A proibição das redes sociais foi suspensa, mas, agora, o exército assume o controle das ruas.

Como tudo isso aconteceu? Um dos motivos para a proibição foi a divulgação de material nas redes sociais, mostrando o estilo de vida extravagante da elite nepalesa, em um país com graus muito altos de pobreza e 20% de desemprego entre os jovens. O descontentamento já vinha fervilhando há tempos, e a divulgação desse material e, em seguida, a proibição, foram só faíscas que acenderam a revolta social.

A insurreição não foi liderada por nenhum grupo específico, ao que parece. Foi um acontecimento descentralizado, liderado por jovens sem filiação a nenhum partido, atormentados pelo desemprego e pela necessidade de emigrar para encontrar ocupação. Só no ano passado, 740 mil pessoas foram forçadas a emigrar.

O Nepal evoluiu de uma monarquia hindu para uma democracia burguesa secular, após uma guerra civil com guerrilheiros maoístas, que levou a uma monarquia parlamentar e, por fim, à abolição da monarquia. Desde então, diversos partidos já governaram, incluindo alguns que se autodenominam comunistas, e os ex-guerrilheiros maoístas. Todos eles se adaptaram rapidamente ao sistema e às práticas corruptas da elite. Essa elite enriqueceu tremendamente, e as famílias ricas operam um sistema de nepotismo, no qual os seus familiares herdam cadeiras parlamentares, cargos governamentais e partidários, contratos estatais e posições de embaixada.

Um grupo chamado Safal, ou Comitê de Rua dos Trabalhadores do Nepal, surgiu e fez declaração dizendo que os eventos foram o “primeiro tiro na guerra de classes” e pedindo que a polícia fosse desarmada, as massas armadas e o parlamento dissolvido. Resta saber se esse é um grupo genuíno, organicamente relacionado à revolta, ou uma tentativa de elementos comunistas de se reabilitarem.

Seja como for, a revolta indica a dissidência latente não só do Nepal, mas por todo o mundo. As elites governantes da Índia e da China devem tomar nota e tremer. A revolução ainda é possível, seja no Oriente ou no Ocidente.

Fonte: https://www.anarchistcommunism.org/2025/09/13/nepal-a-grassroots-uprising/

Tradução > CF Puig

agência de notícias anarquistas-ana

A jabuticabeira.
Através de líquida cortina
olhos negros espiam.

Yeda Prates Bernis

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