[Itália] O conceito de liberdade – Confronto entre individualismo burguês e socialismo anarquista

Trecho do opúsculo “As bases morais da anarquia” (1904)


por Pietro Gori

O conceito de liberdade tem se transformado de forma cada vez mais rápida. Assim como não existe no mundo moral o livre-arbítrio, senão como uma ilusão herdada dos nossos sentidos, também não existe, em sentido absoluto, uma autonomia completa do indivíduo na sociedade. O instinto de sociabilidade, desenvolvido aos poucos no ser humano com o avanço da civilização, tornou-se uma necessidade fundamental da espécie em seu desenvolvimento contínuo, e reconhece hoje no princípio da associação a alavanca mais firme e eficaz para impulsionar a humanidade no caminho ascendente de seus melhores destinos — tanto pelos esforços individuais quanto coletivos.

Daí nasce a concepção moderna e sociológica da liberdade, que, mesmo encontrando na mútua dependência das relações entre indivíduos uma leve limitação da independência absoluta de cada um, encontra ao mesmo tempo, na solidariedade social fortalecida e cada vez mais complexa, sua defesa e sua garantia — de modo que, em vez de ser diminuída, a liberdade se sente ampliada.

Se o homem selvagem, no estado antissocial, parece à primeira vista mais livre, é incomparavelmente mais escravo das forças brutas do ambiente que o cerca do que o homem associado, que encontra no apoio de seus semelhantes a salvaguarda de seus direitos.

Mas a associação, no sentido de agrupamento orgânico das várias “moléculas” sociais, ainda não existe. Pois na sociedade atual não há fusão espontânea de elementos homogêneos, mas uma amálgama disforme de princípios e interesses contraditórios.

Ao princípio da egocracia, no campo econômico e político (visto que a exploração e o domínio de classe não são senão consequência disso, pela solidariedade instintiva das duas forças dominadoras: o dinheiro e o poder), está se sobrepondo, no lento e subterrâneo processo de elaboração de uma nova forma e de uma nova alma social, o princípio do apoio mútuo — mais conforme ao desenvolvimento de uma evolução avançada que pareceu interrompida, apenas aparentemente, por essa parêntese sombria e ao mesmo tempo esplêndida que foi o século XIX.

Esplêndida, porque a concorrência desenfreada entre indivíduos e classes, que representou — no plano econômico — um verdadeiro retorno ao individualismo selvagem primitivo, criou os milagres da mecânica, da indústria, da engenharia moderna.


Sombria, porque as obras gigantescas dessa luta, travada a golpes de bilhões contra a natureza resistente, custaram milhões de vidas humanas — nobres existências anônimas, extintas após sofrimentos indizíveis, com músculos drenados de toda força e vitalidade sob o jugo do trabalho assalariado. Assim, pode-se dizer que o colossal edifício da civilização burguesa — que certamente terá um lugar notável na história do progresso material e científico da humanidade — foi construído com esse cimento de vidas operárias, e a grande alma coletiva das classes trabalhadoras pulsa no organismo infinito de toda a produção moderna, como se a força vital daquelas vidas sacrificadas no e pelo trabalho tivesse sido transfundida nas coisas criadas pelo próprio labor.

Dessa nova condição de atividade e de esforços associados — graças aos meios de produção transformados, nos quais reinam soberanas a grande máquina e a grande oficina — ergue-se triunfante o novo princípio jurídico de um direito social sobre o produto gerado pelo trabalho coletivo.

Não se trata mais das lamentações sentimentais dos santos padres da Igreja contra a iniquidade que, pisando a maioria, separa uns dos outros os filhos de Deus — como dizia João Crisóstomo.


Tampouco se trata das declarações “naturianas” dos pré-rafaelitas do socialismo simplista, que reclamavam para cada um sua parte de terra, pão e sal — distribuídos por uma natureza-mãe a todos em comum.
Não são as invectivas ascéticas dos antigos comunistas, diante dos temores milenaristas; nem as declarações filosóficas e abstratas dos enciclopedistas sobre os direitos do homem, ante a aurora vermelha de 1789.


É algo mais — e melhor: a maturação de certos fatos e a evolução completa de certas formas.

Nunca como agora, por força da divisão do trabalho na grande indústria e na fábrica mecanizada, o operário esteve tão estreitamente ligado a outros operários, os ofícios a outros ofícios, as artes entre si — graças à mútua dependência e à cooperação coordenada dos esforços, dos quais se origina um resultado muito superior à simples soma das forças individuais. A associação desses esforços para aumentar a produção foi, pouco a pouco, criando não apenas os laços materiais que hoje unem indissoluvelmente os trabalhadores, mas também laços morais — primeiro imperceptíveis, depois cada vez mais firmes, por serem mais conscientes.

E já que a revolução — agora completa — causada pela mecânica em todas as artes e ofícios, socializando o esforço das mãos operárias antes isoladas, já elaborou o esqueleto de um mundo novo, em que a socialização do esforço, sem o gozo do produto por quem se sacrificou, deve ser completada pela socialização dos frutos desse mesmo produto, declarado de direito e de fato como patrimônio comum de toda a sociedade, então uma correspondente revolução nas consciências e nas forças proletárias completará o lento trabalho dessa transformação dos vínculos econômicos e morais entre os homens, integrando a estrutura social ideal que represente o oásis de descanso onde a humanidade, após milênios de sofrimento e dor, possa recobrar o fôlego da árdua caminhada — e onde os dois instintos fundamentais do ser humano, autopreservação e preservação da espécie, possam enfim encontrar uma forma de se conciliar após longo conflito.

Onde o homem, para conquistar seu bem-estar, não precise — como os poderosos de ontem e de hoje — passar por cima do corpo de seus semelhantes; pois isso não seria liberdade, mas a perpetuação da tirania sob outra forma. À violência dos governos, sucederia a violência do indivíduo — expressões igualmente brutais da autoridade do homem sobre o homem.

A liberdade de cada um só é possível na liberdade de todos, assim como a saúde de cada célula só é possível na saúde do organismo inteiro.

Fonte: https://umanitanova.org/il-concetto-di-liberta-individualismo-borghese-e-socialismo-anarchico-a-confronto/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

um gato perdido
olha pela janela
da casa vazia

Jeanette Stace

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