[Espanha] Crentes, agnósticos e… ateus lúcidos!

Já disse outras vezes que, quando (muito) jovem – pecados da juventude –, fui um fervoroso crente político. Não no sentido estritamente religioso, mas acaba sendo algo muito parecido para o assunto que nos interessa. No meu caso, terrivelmente inclinado para a esquerda na minha juventude, a crença consistia em confiar no sistema eleitoral para mudar as coisas (para melhor, entende-se). Devo dizer, deixando de lado qualquer aparência de modéstia, que isso não me fez cair em nenhum tipo de fanatismo, nem abraçar qualquer dogma (coisas que, frequentemente, são extremamente equivalentes). Apesar disso, como todo crente de qualquer tipo e nível, isso me dava uma dose nada desprezível de tranquilidade existencial, que agora não tenho nem busco.

A questão é que, com os anos, meu ateísmo político foi aumentando sem que – e aqui é onde começo a falar uma língua desconhecida para grande parte das pessoas – eu tenha me tornado uma espécie de desligado nem um sem-vergonha (pelo menos, não para uma determinada visão das coisas distante da reação). No lugar deste último termo depreciativo, eu usaria o de “cínico” no seu sentido mais vulgar, mas vamos ter respeito por essa escola de filósofos, que não eram desprovidos de vergonha no pior sentido, mas sim excêntricos e céticos em relação às convenções sociais. Sim, também sou orgulhosamente cínico nesse sentido.

Esse meu ateísmo tão lúcido e pertinaz, também chamado de niilismo – termo que quase agrada mais a mim, por ser outro conceito profundamente mal interpretado –, faz com que a não participação política se desenvolva em mim de uma maneira terrivelmente natural e, por que não dizer assim, existencialmente prazerosa. Eu sou assim, o que vamos fazer?

Claro, quando falamos de política em sentido amplo, não nos referimos exclusivamente a, de vez em quando, ir votar num bando de iluminados para que decidam por você – mas vá explicar isso para o povão (com perdão). Há quem considere que a crença em uma autoridade sobrenatural (chamem de Deus ou como quiserem) está intimamente ligada à subordinação à autoridade política (chamem de Estado, por favor). Não, não falo desses sonhadores loucos anarquistas, que claro, também, mas me refiro a importantes juristas desta época contemporânea declaradamente insana.

Minha trajetória de vida – e isso não enriquece em nada meu desenvolvimento pessoal, sejamos extremamente sinceros – está cheia de inúmeros encontros dialéticos com crentes de vários graus. Nessas experiências, muitas vezes se acredita que, fora dessa forma de democracia – onde você escolhe o amo ao seu gosto com uma deliciosa aparência de liberdade –, há coisas muito piores: ditaduras, caos… Por outro lado, desculpem de novo, mas esse argumento só confirma ainda mais nossa posição, já que parece muito similar à crença religiosa, segundo a qual a falta de fé abre a porta para todos os males possíveis.

Dirão que, claro, há não crentes não praticantes, ou seja, que vão votar e o fazem por motivos peculiares, como achar que é melhor que uns governem do que outros. Tudo bem, será que são ateus só na aparência, mas respeitam os sagrados sacramentos e querem um sumo pontífice progressista? Sem comentários.

Num debate recente, num contexto tão questionável quanto o balcão de um bar, meus interlocutores reconheceram dois fatores tão esperançosos quanto: que a corrupção dentro do sistema é intolerável e que – não necessariamente ligado ao anterior – não se pode mudar as coisas dentro dele. Mas isso foi seguido por uma frase do tipo “mas tem que ir votar”. Claro, não era a primeira vez que ouvia esse argumento, mas eu mesmo ainda me surpreendo com minha capacidade de ficar pasmo.

Entender que o sistema político é um circo, cheio de lixo e mentiras, não faz com que muita gente perca a fé – acaba sustentando a tenda de um jeito ou de outro. Claro, sempre há a opção – também frequentemente mencionada nesses pseudo-debates – de votar em branco. Tudo bem, mas então você não é um ateu de verdade, meu amigo, é uma espécie de agnóstico; ou seja, alguém muito provavelmente ávido por continuar acreditando, talvez trocando os deuses, mas mantendo o esquema intacto.

Juan Cáspar

Fonte: https://acracia.org/creyentes-agnosticos-y-lucidos-ateos/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Manchas de tarde
na água. E um vôo branco
transborda a paisagem.

Yeda Prates Bernis

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