[México] À esquerda da esquerda

Por Juan José Cárdenas Tamayo

O avanço do autoritarismo é inegável. No terreno da democracia representativa, ele se reflete no crescimento das bancadas reacionárias, mas reduzir a política ao eleitoral é se limitar a uma visão estreita. A política também atravessa a vida cotidiana, em todas as nossas formas de relação, e a partir daí o panorama se torna mais sombrio: a ideologia autoritária penetrou os gestos mais simples, instalando-se em corpos e mentes sem necessidade de vigilância externa. Seu sucesso reside em se tornar invisível: quem concebe seus hábitos e pensamentos como meras “formas de ser”, sem questionar sua origem, se torna um portador inconsciente dela. Assim, o velho sonho fascista de produzir indivíduos que vigiem a si mesmos e aos outros não apenas se mantém vivo, como é cumprido silenciosamente.

Diante dessa realidade, a oposição ao autoritarismo buscou refúgio em uma estratégia deplorável: aceitar o mal menor. Perante a ameaça gigantesca da direita, qualquer alternativa de centro ou esquerda surge como um alívio. Na América Latina, essa dinâmica se tornou recorrente. Cada vitória de um governo que não pertence à direita é recebida como uma conquista própria, e nesse processo a crítica se relaxa. As falhas de gestão são justificadas com frases como “a oposição não os deixa governar” ou “pelo menos roubam menos que os outros”. O que deveria ser uma atitude de escrutínio constante se dissolve em indulgência, e a crítica, que antes era uma arma contra os poderosos, se transforma em silêncio cúmplice.

O problema é que essa lógica corrói toda a coerência. Se se condena com dureza um governo de direita, mas se relativizam as mesmas práticas quando provêm de um governo “progressista”, a crítica deixa de ser uma ferramenta transformadora para se tornar um exercício seletivo. Tanto para quem confia em alguma forma de democracia quanto para quem a rejeita, escapa ao entendimento que nenhum projeto político pode se legitimar na obediência, mas sim em suas ações concretas e em sua capacidade real de transformar a vida.

Como anarquistas, marcamos uma diferença decisiva. Ser antipolíticos não equivale a ser apolíticos. A apoliticidade, entendida como indiferença ou desinteresse, é sempre funcional ao poder porque deixa livre o terreno para quem deseja perpetuá-lo. Nossa postura antipolítica, por outro lado, consiste em desmascarar a política institucional como um mecanismo de dominação. Essa clareza implica que a crítica não pode ser dirigida apenas contra a direita: deve golpear com a mesma força a esquerda, porque ambas participam da mesma lógica de hierarquia e controle.

O anarquismo não é a esquerda da esquerda nem uma versão mais radical dela. Somos um horizonte que questiona qualquer forma de poder, independentemente da bandeira que o cubra. Mesmo quando os governos de esquerda levantam bandeiras de justiça social, suas práticas reproduzem o mesmo esquema de burocracias centralizadas, polícias que controlam o protesto e partidos que subordinam as lutas aos seus calendários eleitorais. O poder se disfarça, mas não desaparece.

Aceitar o mal menor equivale a capitular na crítica. É aceitar que a repressão seja tolerada porque é “menos brutal”, que a corrupção seja normalizada porque é “mais moderada”, que as promessas não cumpridas sejam desculpadas porque “a direita teria feito algo pior”. Esse conformismo é incompatível com uma ética libertária. Enquanto persistir esse duplo padrão, não existirá uma postura verdadeiramente antipolítica.

Nossa crítica deve se manter em todos os momentos, sem concessões nem exceções. Não se trata de exigir uma pureza inalcançável, mas de não justificar em um governo o que se condena em outro. Como anarquistas, não estamos aqui para lavar a roupa suja de nenhum projeto partidário. Nossa força está em apontar as fissuras do poder e em construir alternativas a partir de baixo, não em nos ajoelhar perante as promessas de quem busca administrar o existente.

Mas a crítica não basta. O anarquismo se fortalece também na prática: na auto-organização comunitária, na solidariedade concreta, na criação de espaços de vida que transbordam os limites do Estado. Onde os governos “progressistas” se contentam em gerenciar a miséria, nós propomos aboli-la. Onde os partidos negociam com as elites, apostamos na autonomia.

Por isso, diante do avanço do autoritarismo, não basta denunciar a brutalidade da direita nem tolerar a tibieza da esquerda. Ambas são expressões de uma mesma lógica de dominação. Como anarquistas, temos claro que nosso lugar não está à esquerda da esquerda, mas além dela. A meta não é escolher um amo menos cruel, mas construir um mundo sem amos nem servos, onde a liberdade seja uma prática cotidiana e não uma concessão.

Fonte: La grietA, Vozes Anarquistas #14, setembro de 2025

Tradução > Liberto

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