
Na semana passada, ocorreu em Zagreb o julgamento dos quatro manifestantes que protestaram durante o desfile militar conhecido como Mimohod na mesma cidade no final de julho. A intenção do protesto era mostrar, através da ação direta pacífica, a rejeição à crescente militarização da sociedade e sua glorificação com fins propagandísticos. Os ativistas, acusados de crimes de perturbação da ordem pública, foram condenados a multas que, na maioria dos casos, atingem 3.000 euros. Está previsto que a sentença seja recorrida no Tribunal Supremo da Croácia.
Durante o percurso ao longo da Vukovarska ulica — naquela que foi a maior cerimônia militar desde a existência do Estado croata — os manifestantes pularam a cerca que separava o percurso do desfile do público, interpuseram-se entre os tanques e, a modo de performance, deixaram-se cair simulando sua morte. Eles usavam camisetas tingidas de vermelho simbolizando sangue, como forma de protesto. Rapidamente foram removidos pelas forças de segurança para um lado da estrada, detidos e algemados, apesar de não oferecerem resistência nem mostrarem atitude violenta em momento algum. Mais tarde, foram levados para delegacias de polícia, onde permaneceram até serem apresentados à justiça na manhã seguinte.
A data do julgamento, inicialmente marcada para 1º de setembro, foi adiada para 13 de outubro devido a erros processuais. Soube-se de atitudes hostis por parte do judiciário, onde foi considerada a possibilidade real de os acusados serem enviados à prisão preventiva por 15 ou até 30 dias. Também se tentou marcar a data do julgamento com a máxima antecedência possível, comprometendo a capacidade dos acusados de dispor de tempo suficiente para preparar a defesa. Anteriormente, durante a detenção e no período até sua liberdade, eles sofreram vexações e maus-tratos policiais, sendo detidos por períodos prolongados, algemados por mais tempo do que o necessário e colocados em uma cela em condições anti-higiênicas e com restos de excrementos.
É evidente que este tipo de prática é executado com o objetivo de criminalizar o direito legítimo de protesto. No contexto croata atual, ativistas envolvidos em mobilizações pela causa palestina, pelos direitos do coletivo LGTBIQ+, pela defesa do meio ambiente ou contra a tomada do espaço público por fundamentalistas católicos, entre outras instâncias, têm sido submetidos a detenções arbitrárias, violência policial e exaustivos processos judiciais. Em alguns casos, pelo simples motivo de segurar uma faixa. Esta estratégia de assédio e demolição contra quem protesta, longe de ser uma exceção, nos remete a uma realidade onde a criminalização do manifestante se consolida como um modus operandi cotidiano.
O desfile comemorava o 30º aniversário da Operação Tempestade, consistindo em uma ofensiva militar em agosto de 1995 por parte das forças croatas para retomar a região da Krajina, ocupada por separatistas sérvios durante a guerra dos Bálcãs. A ofensiva resultou em numerosas violações de direitos humanos, crimes de guerra, mortes e um êxodo massivo de população sérvia contabilizado em mais de 200.000 pessoas. Dentro da narrativa ultranacionalista promovida pelo Estado croata, o episódio é celebrado como um momento representativo do processo de liberação nacional, diante do qual qualquer tentativa de crítica é vista como um insulto ao orgulho pátrio. Aproveitando, o desfile servia também para mostrar em todo o seu “esplendor” o processo de modernização militar promovido pelo atual executivo, com o aparecimento de novos tanques, drones de combate e veículos de infantaria recentemente adquiridos. A espetacularização do militar como ferramenta para propagar o ódio e obter lucro político constitui a base desta narrativa do “nós contra eles”, promulgada sem disfarces a nível estatal pelo governo do HDZ (União Democrata Croata).
Este tipo de relato, funcional aos discursos reacionários que por sua vez promove a ultradireita, contribui para a polarização social, construindo o sentido de identidade nacional croata com base em uma fantasia bélica que romantiza formas extremas de violência e exclusão. A isso soma-se também a proximidade ideológica com movimentos de tendência filo-nazista, mais encorajados em tempos recentes diante da despreocupação com a qual podem operar. Destaca-se nesses últimos o olhar nostálgico para uma época em que a Croácia esteve sob controle da Ustasha, organização terrorista nacionalista e fantoche da Alemanha nazista. Promotor do fanatismo religioso, do racismo e da normalização da tortura e do assassinato como fórmula para a formação de um Estado croata independente, hoje o regime goza de plena saúde e legitimidade histórica no imaginário coletivo de uma parte da população. Cantos, pichações, bandeiras e demais parafernálias, visíveis nas ruas de Zagreb, atestam o ressurgimento de um estado de espírito que fetichiza o abominável e reivindica o terror como elemento unificador do modelo de país ao qual aspiram: uma Croácia fascista.
Nesse sentido, e sem deixar de ser tremendamente doloroso, não deve nos surpreender tanto a plena internalização por parte dos cidadãos presentes no desfile deste fanatismo patriótico e sua materialização violenta. Pessoas agredindo ativistas já detidos, vexações, vaias, ameaças, gritos de “que a estuprem!” ou “joguem-nos no rio Sava!”, entre outras gentilezas, nos dão uma medida de quão rápido pode disparar o mercúrio do termômetro nacionalista.
Assim sendo, e aproveitando também o impulso do militarismo mundial dos últimos tempos, o atual governo croata vem consolidando um aumento progressivo dos gastos públicos dedicados à defesa e segurança. Após aumentos recentes, trabalha para que esta rubrica orçamentária alcance 3% do PIB em 2030. Entre os duvidosos “feitos” do executivo, destacam-se a venda de armas para Israel no valor de 1,5 milhão de euros em 2024, a assinatura de um acordo de coordenação em segurança regional com a Albânia e o Kosovo — o qual, como era de se esperar, antagonizou a Sérvia, que por sua vez respondeu tecendo alianças com a Hungria de Orbán –, a aquisição de 8 sistemas de mísseis HIMARS e 12 caças Rafale, investimento no desenvolvimento de inteligência artificial dedicada à defesa… Como coroamento, está previsto que em 2026 entre em vigor na Croácia a reintrodução do serviço militar obrigatório para jovens entre 18 e 27 anos aprovada este ano, sob o pretexto de “melhorar a segurança nacional”.
Dentro desta estratégia, preocupa também o crescimento da securitização como elemento chave, particularmente no que diz respeito aos processos migratórios, afetados pela crescente militarização das fronteiras. Isto se traduz em um aumento significativo da presença policial e militar em zonas de travessia, a estreita colaboração com a Frontex, o uso de tecnologia militar para tarefas de rastreamento e vigilância, controles arbitrários e múltiplas violações de direitos humanos — as provas e testemunhos de torturas sofridas por migrantes na fronteira entre Croácia e Bósnia são de uma cotidianidade chocante — para citar algumas. Dizer que a política de fronteiras na Croácia só pode ser descrita como selvagem e atroz é praticamente ficar aquém.
Assistimos, pois, a um processo de normalização da violência, edificado sobre narrativas belicistas que apelam a um rançoso sentimento nacional para se autojustificar, e motivado por razões de natureza política e financeira. Fundamental a este respeito, a progressiva insensibilização social a nível cidadão permite, por sua vez, legitimar os interesses empresariais do complexo industrial-militar, que antecipa receitas sempre em alta com o apoio a esta economia da morte. Impõe-se a paisagem desoladora de uma sociedade insensibilizada frente ao mais básico sentido de empatia e humanidade, e cuja conivência garante a estabilidade de um regime empresarial e estatal cruel: a guerra como negócio.
Diante da situação, torna-se imprescindível denunciar o julgamento da semana passada pelo que sem dúvida é: uma manobra de perseguição política destinada a dificultar o direito legítimo de protesto e a desencorajar futuros atos similares. Resumindo, uma farsa. A sentença, parcial e subjetiva, revela uma clara intencionalidade dissuasória através de uma leitura dos fatos que pretende impor a força da ideologia acima de qualquer princípio de racionalidade e proporcionalidade. O recurso a um princípio problemático — se não diretamente falacioso — para determinar o que constitui uma perturbação da ordem; amparar-se em uma suposta falta de clareza sobre se a performance constituía uma forma legítima de protesto ou se sua encenação a tornava compreensível como tal; multas desproporcionadas; alusões fraudulentas ao suposto caráter irrecorrível da sentença; em definitivo, evidências claras de que a pretensão de inserir este julgamento dentro daquilo que alguns chamam de justiça é pura fantasia.
Parece cada dia mais claro que permanecer indiferentes quando o sequestro de direitos básicos e a intimidação por parte do Estado são realizados com total impunidade implica ser cúmplice da barbárie. Há quem pense que outra sociedade, onde a dor alheia nos comove e nos mobiliza, ainda está ao alcance. Para isso, urge parar de uma vez por todas de virar a cara.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
As palmas do campo
Orquestradas pelo vento
Acenam…e acenam…
Mary Leiko Fukai Terada
Nossas armas, são letras! Gratidão liberto!
boa reflexão do que sempre fizemos no passado e devemos, urgentemente, voltar a fazer!
xiiiii...esse povo do aurora negra é mais queimado que petista!
PARABÉNS PRA FACA E PRAS CAMARADAS QUE LEVAM ADIANTE ESSE TRAMPO!
Um resgate importante e preciso. Ainda não havia pensado dessa forma. Gratidão, compas.