Uma revolução efervescente
Hoje, certos jornalistas, intelectuais, artistas e políticos desejam comemorar o ano de 1968 e suas revoltas, apresentando-as como um impulso para a realização da democracia capitalista, do prazer individualista e liberal. Uma vez mais, este evento histórico está sendo utilizado para impulsionar vendas, audiências, revistinhas literárias e boletins de voto; efetivamente tentando neutralizar e distanciar o que antes foi uma das ofensivas mais subversivas e violentas dos anos do pós-guerra. Analisar a história para martelar o seu fim, evocar o entusiasmo e a revolta de uma geração para melhor confinar e pacificar a próxima.
Estudantes parisienses no mês de Maio começaram ocupando a Sorbonne, suas demandas singulares explodiram, e seu rechaço deste mundo se pintou por todas as paredes da cidade e se encarnou nas barricadas noturnas. Logo os trabalhadores se uniram aos estudantes, começando uma greve geral selvagem que paralisou o país inteiro. Em duas semanas o governo se dobrou e ofereceu aos grevistas concessões sociais históricas, que, por sua vez, os estudantes e os trabalhadores rechaçaram.
No México D.F., durante vários meses, centenas de milhares de manifestantes se reuniram em um movimento a favor da associação livre e contra a repressão política. Ocupando colégios e universidades, e eventualmente materializando-se em enfrentamentos nas ruas. Nessa ocasião, o Estado mexicano pôs fim ao movimento matando a mais de duzentas pessoas no que foi chamado o massacre de Tlatelolco.
Do outro lado da Cortina de Ferro, o novo governo da Checoslováquia, com o apoio da população, empreendeu um processo de liberalização política: liberdade de expressão e de assembleia, fim à censura, a abertura das fronteiras do oeste, e uma restrição das forças de segurança nacionais. Concluindo com a invasão soviética que pôs fim à Primavera de Praga.
Os Vietcongues empreenderam a ofensiva do Tet contra as grandes cidades do sul do Vietnam. Depois de várias semanas os assaltantes foram empurrados para fora das cidades, mas a ofensiva demostrou ao mundo o potencial do exército popular vietnamita, anunciando o início da derrota dos estadunidenses.
Na Itália, o movimento estudantil se encontrava em seu segundo ano. Nascido das críticas às funções autoritárias e capitalistas do sistema universitário, o movimento foi mais além deste marco, envolvendo-se na política internacional e doméstica, deixando os campus universitários e culminando em greves consecutivas nas cidades, inclusive saboreando enfrentamentos vitoriosos contra a polícia. O ano de 1968 foi o começo de um longo período vermelho na Itália, que em sua duração de doze anos viu experimentações políticas, conflitos, ocupações, greves, distúrbios, luta armada, estações piratas, expropriações, e mal estar social. Todos os aspectos da vida cotidiana estavam de cabeça pra baixo.
Também em outras partes do mundo, como no Japão, Estados Unidos, Alemanha e Senegal, movimentos sem precedentes a favor da emancipação se desencadearam na forma de liberação política e sexual, lutas contra todas as formas de autoridade, movimentos feministas e dissidência política; rechaço do trabalho, do mundo econômico e seus ditames; vidas em comunidade e ilegalidade; o nascimento da ecologia radical e o rechaço do sistema acadêmico, reapropriação do conhecimento; rebelião contra o imperialismo, as instituições militares e as guerras coloniais.
Os homens e mulheres que participaram nestas lutas pagaram um preço altíssimo com suas vidas: dezenas de milhares foram feridos, assassinados, encarcerados ou exilados. Mas também conheceram vitórias e descobriram novos poderes, experimentaram com novas formas de vida e de luta; forçando aberturas para que novos, selvagens e desconhecidos mundos surgissem. Em todo o mundo, alianças entre trabalhadores e estudantes, homens e mulheres, imigrantes e cidadãos nacionais forjaram a amplitude e a intensidade destes movimentos, a alteridade como um poder comum, uma forma de expulsar o adversário, de reinventar-se, de aprender a lutar e a ganhar.
Eles comemoram, a gente recomeça a luta
Apesar destas tentativas revolucionárias, o regime capitalista seguiu em frente, mediante mutações e apropriações, picos de crescimento e crises globais, criando um mundo que hoje em dia está mais doente que nunca.
Segundo cabe supor, os cidadãos europeus estão no topo da liberdade, suas vidas repletas de eleições apaixonantes. A opção de querer ou não querer algo, entre esta merda de mercadoria ou a próxima, entre este partido político ou o outro, ainda que ambos levarão às mesmas políticas, e claro, a eleição do tipo de câncer com o qual desejamos morrer. Uma abundância de trajetórias insensatas que nos fazem esquecer sua carência de destino, isso é o que o capitalismo tem para oferecer aos ‘privilegiados’ de nosso tempo. Enquanto o resto dos milhões de migrantes escapando da guerra, da pobreza ou dos desastres climáticos, estão condenados a deambular e morrer na porta da Europa, ou no caso de que consigam entrar, e terminar sendo parte da mão de obra explorada pelos empresários, ademais de carne de canhão para as técnicas repressivas das forças policiais do Ocidente.
Em termos de igualdade, algumas mulheres brancas e educadas podem hoje converter-se em gerentes como qualquer outro, e, inclusive, em executivas nas principais potências mundiais. No entanto, o número de violações e feminicídios não caíram, e as mulheres de ‘cor’ continuam exercendo sua posição como o cimento vergonhoso de nossa sociedade: elas são as que limpam, cuidam, educam e, sobretudo, permanecem invisíveis.
O trabalho, agora mais que nunca, se impõe como o valor fundamental de nossa sociedade. Os desempregados são perseguidos, desvalorizados e erradicados. Uber, Amazon e seus exércitos de gerentes ‘criativos’ encabeçaram a reinvenção do Fordismo e de uma existência na qual cada segundo se conta e monitoriza: o culto do presente, um presente perpétuo que não deixa lugar algum ao passado ou ao futuro.
Em termos globais, temos perdido a conta do número de espécies que se extinguiram ou estão em perigo de extinção, ademais do número de ecossistemas que foram destruídos ou o grau de poluição dos oceanos. Apesar de tudo isto, o mundo econômico continua impondo sua dominação do planeta e a destruição de todas as formas de vida.
Por sorte, uma forma de consciência, tentativas de subversão e confrontação emergiram deste mundo tão maravilhoso. A deserção deste tipo de vida está crescendo, e o capitalismo verde assumido pelos políticos profissionais só tem enganado a idiotas e pilantras. Se criaram alianças na forma de migrantes ocupando praças e edifícios, visibilizando sua existência e a de experiências antes invisíveis, e as mulheres estão se organizando para impor seus direitos, para que se ouçam suas vozes e se visibilizem suas vidas. Em uma escala ainda maior, reformas políticas e assassinatos policiais levaram a erupções políticas massivas e inesperadas. Projetos de infraestrutura deram a luz a comunas livres e transformações emergentes e reais em territórios inteiros, várias reuniões de líderes do mundo terminaram com milhares de policiais desbaratados e cidades hiper-seguras vandalizadas.
Como parte destas tentativas, os camaradas franceses emitiram uma chamada a Paris por um agitado mês de Maio, selvagem. Com este texto, queremos responder a sua chamada, e, ademais, retransmitir a mensagem a nossos cúmplices e amigos, presentes e futuros.
Iremos a Paris porque acreditamos que tanto o estado do mundo, como as palavras e a história merecem que se lute por eles. Não se trata de fetichizar nem idealizar coisas do passado, se trata de alimentar a memória, a história, as vidas e as lutas, assim como os desejos e objetivos dos que o atravessaram. Há cinquenta anos, milhares de nossos companheiros lançaram-se dispostos a assaltar os céus. Ainda que falharam em suas tentativas de destruir o capitalismo, sua tragédia não é relevante. O que realmente importa é o questionamento dos atos e impulsos que eles levaram adiante e como lhes podemos dar eco, e mais importante ainda, como os podemos reiterar agora. Como dizem nossos amigos Zapatistas, o futuro está em nosso passado.
Também marchamos a Paris para lutar pelo que está em jogo, apoiar a nossos camaradas franceses, e apresentar nossos melhores desejos a Macron. Depois de ter vencido as eleições ao apresentar-se como uma alternativa à classe política tradicional e posicionar-se como um candidato ‘apolítico’, Macron implementou políticas neoliberais a um ritmo frenético: destruindo os direitos dos trabalhadores, adotando o autoritarismo, e aumentando seu controle sobre o Estado. Seu primeiro erro será sua tentativa de reforma frontal do bacharelato, o acesso às universidades e do transporte ferroviário francês, enquanto deixa abundantemente clara sua intenção de destruir o setor público francês. Os trabalhadores ferroviários, conhecidos na França como os trabalhadores mais assertivos, iniciaram uma greve que afetará severamente o transporte a princípios de Abril. Muitos estudantes se uniram e bloquearam seus colégios e universidades. Os funcionários públicos também entenderam que seus baixos salários e a gestão agressiva de seus trabalhos e funções só vão piorar. Claro, o governo está unindo seus ataques políticos aos ataques da mídia contra os trabalhadores ferroviários e os funcionários públicos, ao mesmo tempo que os colégios e universidades ocupados enfrentam uma feroz repressão policial e administrativa.
Mas a greve e as manifestações de 22 de Março de 2018 mostraram um espírito de luta e uma determinação que não se tinha visto desde o movimento contra a reforma laboral de 2016, onde 180 manifestações em toda França, compostas por passeatas massivas e ofensivas, prejudicaram seriamente os sistemas de transporte aéreo e ferroviário. Ninguém pode predizer como evoluirá este movimento durante as próximas semanas, mas haverá uma certa aposta por criar pontes, multiplicar as reuniões e os mundos para compartilhar: invadindo estações de trem durante os protestos, inaugurando assembleias, ocupando lugares, e encontrando objetivos em comum… Tratemos de sentir e lutar juntos para que a próxima primavera vá mais além da história e, por fim, liberar um tempo do qual nos enamoremos.
Nada acabou, tudo acaba de começar.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
Passa um cão
com neve nas costas –
onde a leva?
Stefan Theodoru
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
artes mais que necessári(A)!
Eu queria levar minha banquinha de materiais, esse semestre tudo que tenho é com a temática Edson Passeti - tenho…