[Espanha] Uma carta de Emma Goldman para Mujeres Libres da CNT

Abaixo podemos ler uma carta que Emma Goldman, uma conhecida anarquista americana e feminista, dirige às Mujeres Libres da CNT.

84 anos atrás, a famosa anarquista Emma Goldman, ativista revolucionária e pioneira na luta pela emancipação da mulher, dirigiu uma carta à Mujeres Libres (CNT) que é publicada na edição nº 1 da revista e que queremos compartilhar hoje.

Infelizmente, muitas coisas ainda não mudaram. A mídia capitalista continua a usar a mais crua propaganda, aproveitando a ignorância de uma cidadania cada vez mais indiferente e apolítica. Eles agora usam o termo social-comunista para se referir a partidos reformistas que não têm nada a ver com esse termo. Mas tem mais. Já em 1936, Emma chamou Stalin de ditador, deixando claro que a luta contra o fascismo, o capitalismo e o autoritarismo não tem nada a ver com nenhum regime político em particular, mas sim com a auto-organização e o compromisso revolucionário daqueles que lutam para contrabalançar o atual sistema econômico e político.

Também vale a pena notar a oportunidade de suas palavras quando ela fala sobre Hitler e como os países europeus o ridicularizaram e o consideraram um charlatão. Nada disso impediu sua ascensão ao poder e a Segunda Guerra Mundial. Hoje, temos os mesmos charlatães (Trump, Bolsonaro, Abascal, Salvini, Putin…) apoiados por uma máquina de propaganda muito mais elaborada: mídia de massa, Facebook, Twitter, bots e trolls da extrema direita.

CARTA:

Estou muito feliz, camaradas da Espanha, com sua decisão de contribuir para a emancipação das mulheres de seu país. Devo confessar que quando estive na Espanha – em 1929 – fiquei dolorosamente surpreendida com o atraso das mulheres espanholas em geral: sua submissão à Igreja e, em sua vida privada, aos homens, sejam eles pais, maridos, companheiros, irmãos ou filhos; seu cumprimento da imposição de duas morais diferentes, uma para os homens e outra para as mulheres; sua escravidão, em suma, que as reduz a servas e portadores de toneladas de filhos. Estou entusiasmada em saber que algumas camaradas espanholas estão finalmente seguindo o caminho tomado há muito tempo por nossas camaradas de outros países.

Será um verdadeiro prazer para mim colaborar na BIBLIOTECA MUJERES LIBRES. Enquanto eu preparo algo mais orgânico, e com a esperança de que chegue ao seu primeiro número, vou lhe contar algumas breves impressões de minha recente excursão de propaganda pela Inglaterra.

Nunca tive uma predileção por Kipling; não posso sentir isso dado o significado imperialista de seu trabalho. Mas ele disse algumas coisas comoventes. Uma delas é a que alude à tarefa dos marinheiros e sua alegria quando o navio já está limpo e o dia já acabou. Eu também me sinto cheia de alegria, porque minha tarefa do momento foi cumprida. O trabalho tem sido verdadeiramente árduo. Às vezes eu o achava insuportável, além das minhas forças. Mas agora estou muito feliz por não ter perdido o ânimo e por ter chegado ao fim da etapa.

As últimas semanas têm sido encorajadoras. Por exemplo, em meu tour pelo País de Gales, falei em três centros trabalhistas e fiquei impressionada com o pensamento social e revolucionário daqueles trabalhadores, que vieram me ouvir e falar comigo. Quando se pensa que esses centros pertencem a marxistas ortodoxos, não se pode deixar de apreciar o avanço de tais organizações, pois eles vieram apenas para ouvir Emma Goldman e se interessaram pelo que ouviram. É muito gratificante para mim ser a primeira anarquista a entrar no “Sanctum sanctorum”, no sagrado recinto e, mais importante ainda, ser convidada a dar outras palestras.

Minha experiência mais interessante foi a descoberta de um comunista que foi presidente de um dos centros e, ao mesmo tempo, proprietário do hotel onde eu estava hospedada. Deve tê-lo prejudicado muito suportar por uma hora e quinze minhas duras críticas ao comunismo bolchevique; mas ele foi capaz de desempenhar seu duplo papel comigo com uma compreensão tão ampla e uma tolerância tão magnífica que se houvesse muitos comunistas como ele seria possível, mesmo para mim, trabalhar com eles. Foi uma esperança para mim.

Como se vê, não devemos desistir de nada nem de ninguém. Sei bem que o progresso dos seres humanos é muito lento, mas em alguns casos se consegue superar seus preconceitos. Eles começam a perceber que a distância empresta um encanto às coisas. A luz deslumbrante da Rússia está começando a diminuir, especialmente desde que Litviniv brindou ao Rei da Inglaterra, e o camarada Stalin disse ao governo francês que seu dever é armar-se contra seu inimigo. Comunistas inteligentes fora da Rússia estão começando a se sentir desconfortáveis com a política externa do ditador, e seriam ainda mais se percebessem que na própria Rússia ela está se espalhando de dia para dia, invadindo e falsificando tudo.

Antes de ir ao País de Gales falei para um círculo de “Amigos do Teatro”, e lá também fiquei incrivelmente surpresa com um público de quase mil pessoas e com o fato de que me pediram para dar outra palestra.

A que dei em Londres de despedida foi atendida por um público atento e inteligente. Em outras palavras, o gelo está começando a quebrar e nós devemos continuar.

Pensei em voltar e ficar lá. Mas talvez seja ingênua falar em se mudar para qualquer lugar, dado o estado atual do mundo. Os políticos da Europa serão aniquilados, porque os deuses enlouquecem aqueles que querem perder, e os enlouqueceram. É claro que não estou nada preocupada com o destino dos políticos; mas o terrível é que eles arrastarão o mundo para baixo com eles. Embora pareça mentira, a França e a Inglaterra tremem de medo diante de Hitler e Mussolini. Pois nada é tão avassalador quanto o sucesso. Há quatro anos, Hitler foi qualificado como um charlatão. Hoje ele impõe condições e todos sabem que as últimas eleições foram realizadas com métodos que até mesmo os gângsteres americanos se envergonhariam; mas todos estão cegos, surdos, mudos e chocados com o falso poder dos ditadores.

Nestas circunstâncias, repito que é ocioso fazer planos de vida e atividade; mas a vida sem fazer planos é insuportável, sempre, sempre…

Nice, abril de 1936,

Fonte: https://lasoli.cnt.cat/2020/06/16/una-carta-demma-goldman-a-dones-lliures-de-la-cnt/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

As folhas secas
caem com a ventania
sobre o riacho

Antonio Malta Mitori

One response to “[Espanha] Uma carta de Emma Goldman para Mujeres Libres da CNT”

  1. ziq

    viva Emma Sempre!