O fundador do Centro Internacional de Pesquisas sobre o Anarquismo (CIRA na sigla em francês) morreu no dia 28 de julho de 2021 em Portland, Oregon, Estados Unidos.
Nascido na cidade italiana de Sanremo aos 18 de setembro de 1930, sua mãe era dona de casa, seu pai trabalhava como crupiê no cassino. Quando jovem, serviu de mensageiro na Resistência italiana. Durante a Liberação, formou em Sanremo com mais dois companheiros o grupo anarquista Alba dei Liberi. Os três se recusaram a prestar o serviço militar. Preso em 1950 por objeção de consciência, Ferrua viveu posteriormente numa situação de semiclandestinidade, participando da organização de acampamentos libertários internacionais, editando a revista Senza limiti (1952-1954, cinco números), e atuando nos trabalhos de campo do Serviço Civil Internacional.
Para escapar da prisão, emigrou para a Suíça em 1954 e lá foi recebido por Lise Ceresole, viúva do fundador do Serviço Civil Internacional, em Daley-sur-Lutry. Mais tarde se instalou em Genebra para seguir os seus estudos de intérprete-tradutor. Lá encontrou companheiros anarquistas que ele convidou para continuarem o trabalho de Louis Bertoni. Assim, em 1957, foi editada uma nova série da Réveil anarchiste/Risveglio anarchico, publicada mensalmente durante um ano, e depois sem regularidade. Nessa publicação colaboraram principalmente Alfred Amiguet e André Bösiger na parte francesa, e Claudio Cantini, Carlo Frigerio, Carlo Vanza e Ferrua (sob o nome Vico) na parte italiana.
No mesmo ano, lançou o projeto de uma exposição sobre a imprensa anarquista do mundo inteiro, enviando uma grande quantidade de convites com variados graus de sucesso. Foi daí que nasceu a ideia da criação do CIRA, para conservar as publicações que eram recebidas. As obras recuperadas da biblioteca de Louis Bertoni e do grupo Germinal de Genebra foram incorporadas ao acervo, e posteriormente uma grande quantidade de livros que pertenceram a Jacques Gross e a outros militantes que logo aderiram ao projeto, como Hem Day, E. Armand, André Prudhommeaux, a SAC (Organização Central dos Trabalhadores Suecos) etc. Em seguida, o CIRA recebeu os arquivos do SPRI e da CRIA (Secretariado Provisório de Relações Internacionais e Comissão de Relações Internacionais Anarquistas, 1947-1958), que por muito tempo permaneceram empacotadas e só foram inventariadas depois de quarenta anos.
Pietro Ferrua sempre buscou obter o reconhecimento do pensamento anarquista nos meios intelectuais e universitários. Para tanto, tratou de formar um comitê de honra internacional do CIRA, reunindo pesquisadores e militantes. Essa iniciativa teve algum sucesso, mas ele também amargou várias recusas. Estabeleceu contatos com a biblioteca universitária e com a biblioteca das Nações Unidas em Genebra, enquanto o acervo do CIRA ainda eram caixas de jornais e pilhas de livros em precárias estantes numa sala.
Também reuniu estudantes e jovens pesquisadores para ajudar na catalogação, organizar conferências, publicar (e fotocopiar) o Boletim do CIRA. Em 1955, no acampamento anarquista de Salernes (no departamento francês do Var), foram organizadas redes de objetores de consciência franceses, argelinos e italianos. Muitos residiam em Genebra, onde a fronteira não era difícil de cruzar. Num ímpeto de solidariedade internacional, quatro jovens lançaram coquetéis molotov contra o consulado da Espanha em fevereiro de 1961, o que suscitou importantes manifestações de apoio, mas também acarretou prisões e expulsões. Pietro Ferrua teve de deixar a Suíça em janeiro de 1963, deixando o CIRA a cargo de Marie-Christine Mikhaïlo e Marianne Enckell, que o assumiram de surpresa. Com a sua esposa brasileira e seus dois filhos, partiu para o Rio de Janeiro. Lá ele retomou sem demora as suas atividades intelectuais e militantes, das quais a mais notável foi a fundação da seção brasileira do CIRA. Em 1969, uma nova expulsão. Mas graças a relações familiares, encontrou um novo refúgio nos Estados Unidos, na cidade de Portland, Oregon.
Lecionou de 1970 a 1987 no Lewis and Clark College, ficando responsável pelas línguas estrangeiras, literatura comparada e história do cinema. Interessava-se havia muito tempo pelas formas artísticas e literárias de vanguarda. Em 1976 organizou o primeiro simpósio internacional sobre o letrismo e publicou vários trabalhos e obras nessa área. Também era membro da Internacional Novadora Infinitesimal (INI). Passaram-se muitos anos até que ele pudesse voltar para a Europa, quando finalmente lhe foram suspensas as proibições de entrada na Itália, na França e na Suíça. Morou por um tempo em Nice e em Sanremo, onde ele cuidava de sua mãe.
O interesse pelo anarquismo não o abandonava. Em 1980, chegou a organizar na sua universidade uma semana internacional de debates, filmes, apresentações e eventos sobre o anarquismo, apesar das reclamações por parte da direção da faculdade. Publicou estudos sobre “Surrealismo e Anarquia”, “Anarquismo e cinema”, “Os anarquistas vistos pelos pintores”, assim como dois livros importantes sobre os anarquistas na Revolução Mexicana e uma revisão das fontes sobre o tema. Conduziu também pesquisas sobre as origens da objeção de consciência na Itália.
Escreveu artigos para A rivista anarchica, ApArte, Rivista storica dell’anarchismo, Art et anarchie, para os Boletins do CIRA de Genebra/Lausana e de Marselha, para publicações brasileiras e várias outras revistas e obras coletivas.
Depois de aposentar-se, ainda prestou alguns serviços como intérprete, mas vivia modestamente, o que lhe obrigou a vender uma parte dos seus arquivos. Ainda assim, organizou festivais de cinema, participou de diversos colóquios internacionais e continuou com as suas pesquisas.
Nos últimos anos, a sua saúde se havia deteriorado. Teve o pesar de perder prematuramente a sua filha Anna e o seu filho Franco. A sua esposa, Diana Lobo Filho, também falecera antes dele. Alguns(umas) antigos(as) alunos(as) próximos(as) dele puderam acompanhá-lo até os seus últimos momentos, quando ele residia numa casa de repouso e já não conseguia mais falar.
Alguns dos arquivos de Pietro Ferrua se perderam ou foram apreendidos ao longo dos seus sucessivos exílios, mas ele havia conservado e recuperado uma grande parte. Eles foram entregues (ou serão em breve) ao Archivio Famiglia Berneri em Régio da Emília (Itália), à Labadie Collection da universidade de Ann Arbor em Michigan (Estados Unidos) e ao CIRA de Lausana (Suíça).
A iniciativa de Ferrua deu origem a outros CIRA, alguns de longa, outros de curta duração, que foram agrupados desde 1974 sob diversos nomes na rede FICEDL (Federação Internacional dos Centros de Estudo e de Documentação Libertária, ficedl.info).
ME, CIRA Lausanne
Tradução > Guilherme Tell
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agência de notícias anarquistas-ana
umidade de orvalho
na folha verde da manhã
brilho de sol nas gotas
Marland
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!