PorJosé Duran Rodríguez| 24/03/2022
O anarco-sindicalismo voltou às ruas após a morte de Franco para celebrar e exigir um modelo de vida diferente daquele que foi negociado nos escritórios. A CNT se opôs aos Pactos de Moncloa e apresentou sua oferta de sindicalismo baseado na ação direta, no assembleísmo e no antiautoritarismo. Foi uma primavera que durou cinco anos.
A imagem não é nítida, mas através da névoa pode-se ver claramente um homem segurando uma arma na mão direita. A fotografia é tirada em 1º de maio de 1979 em Madri e o objetivo daquele atirador era a manifestação convocada pelo sindicato anarquista Confederação Nacional do Trabalho (CNT) para comemorar o Dia dos Trabalhadores. Mais um exemplo da implausibilidade do que a historiadora francesa Sophie Baby qualifica como o mito da Transição Pacífica, quando na realidade foi marcado pela violência política: segundo seus cálculos, durante o ciclo de restauração da dinastia Bourbon e da democracia, foram realizadas mais de 3.000 ações em sete anos, entre 1975 e 1982, nas quais foram registrados cerca de 700 óbitos. “O 1º de maio foi muito conflituoso. Às vezes era proibido ou autorizado dependendo das províncias ou cidades. Era proibido em Madri, mas em Barcelona o Governador Civil era muito mais liberal”, disse Baby em entrevista ao El Salto em 2018.
“São pistoleiros, associados a uma certa corrente. São fotografias ainda a serem investigadas de 1º de maio de 1979. Eram pessoas ligadas à extrema direita e à polícia. Iam ameaçar, intimidar, provocar”, explica Juan Cruz em relação a essa fotografia. Cruz, historiador de formação, é responsável pelo arquivo da Fundação Anselmo Lorenzo de Estudos Libertários (FAL), centro documental da CNT que preserva e cataloga esse tipo de material audiovisual sobre a guerra civil, o exílio e a transição. Este processo de pesquisa para identificar personagens e lugares, datar a imagem e determinar a autoria, quando possível, é um dos trabalhos realizados no arquivo, juntamente com o aprimoramento de positivos fotográficos para sua conservação e catalogação, e a digitalização de documentos para sua referência.
Apesar da tensão existente, Cruz lembra que as convocações da CNT em 1º de maio durante os anos após a morte de Franco foram festivas e comemorativas. As fotos que ele está catalogando na FAL, provenientes de doações particulares e do próprio sindicato, também testemunham que a CNT tinha um importante poder de convocação, que ele enquadra em um ambiente político mais amplo: “As fotos anteriores a 1979 colocaram sobre a mesa a recuperação e irrupção de um ator que se pensava desaparecido, o movimento libertário, um ator político desconfortável com força, capacidade de arrastamento e intervenção política e sindical. Era um problema para o estado capitalista democrático que se reconfigurava na época, a nova construção política e sindical do estado pós-franco. A capacidade de mobilização do movimento libertário, com a qual não se contava, é dada não só pela força sindical da CNT, mas também por setores muito diversos, com perfis muito específicos: a contracultura, grupos ligados ao feminismo, o novo ecologismo ou os grupos autônomos muito hostis à recuperação do movimento operário por esse novo Estado”.
Outra imagem memorável corresponde ao comício realizado em 27 de março de 1977 em San Sebastián de los Reyes, o primeiro ato público em grande escala da CNT após a morte de Franco. “Ele reuniu milhares de militantes naquela manhã de março. Lá participaram antigos militantes do exílio, lutadores da clandestinidade e novas pessoas que se juntaram à luta dos trabalhadores”, comenta Julián Vadillo, historiador e autor dos livros Historia de la CNT. Utopia, pragmatismo e revolução (Catarata, 2019) e História da FAI. Anarquismo organizado (Catarata, 2021). Embora a central anarco-sindicalista tenha anteriormente convocado outros atos, nenhum suscitou tanta resposta durante aquele período convulsivo fora e dentro do sindicato que Vadillo entende como o da reconstrução da CNT e seu modelo sindical alternativo ao oficial, consagrado no os Pactos de Moncloa em outubro de 1977, aos quais a CNT se opôs. “Embora existam algumas fontes que aumentaram sua força real, na realidade era uma organização sindical com presença em alguns setores trabalhistas e representava vários milhares de trabalhadores. No entanto, foi uma época em que havia várias organizações sindicais, além de diferentes sensibilidades, dentro da própria organização”, destaca Vadillo.
Para Juan Cruz, a capacidade de mobilização da CNT foi mantida até a vitória socialista nas eleições gerais de 1982. “Não foi algo exclusivo da CNT —diz o arquivista da FAL— mas aconteceu com muitos setores à esquerda do PCE, Partidos trotskistas, grupos autônomos, muitas organizações com abordagens hostis a essa reconfiguração do regime pós-franco mantiveram essa capacidade até 1982 e depois uma boa parte dos seus quadros militantes foram recuperados pelas estruturas do PSOE”.
Nesse declínio na implantação do anarco-sindicalismo, Vadillo minimiza a importância de um episódio, o conhecido como caso Scala — uma montagem com infiltração policial que causou quatro mortes no incêndio da boate Scala, em Barcelona, em janeiro de 1978 e que causou o descrédito da CNT—, e aponta razões internas: “É impossível dizer que o caso Scala foi o evento que determinou o declínio do anarco-sindicalismo. Afetou mas não da forma como foi transmitida. Foi muito mais decisivo quando, nos congressos de 1979 e 1983, foi colocado sobre a mesa o modelo sindical a ser seguido, o que provocou uma cisão na organização. A de 1983 foi muito mais transcendental que a de 1979. A CNT, que se rachou brevemente na década de 1930 com o surgimento dos sindicatos de oposição, agora o fez definitivamente”. Aprofundando essas razões, o historiador considera que “o novo quadro de relações trabalhistas dos Pactos de Moncloa não foi superado pela CNT, apesar da manutenção de um modelo sindical alternativo. A força de comunicação dos anarcos-sindicalistas, muito forte em outros tempos, não conseguiu se conectar naqueles tempos. E o pacto de silêncio tácito em relação a qualquer luta que saísse do marco regulado pelo modelo sindical vigente tornava invisíveis as lutas operárias alternativas. Vadillo destaca que a CNT conseguiu manter suas estruturas apesar de permanecer no quadro durante a década de 1980 e se recompôs na década de 1990, “quando a partir de uma posição minoritária continuou mantendo um modelo sindical alternativo, horizontal e antiautoritário”.
Olhando para o passado e para o presente, Cruz reconhece que “numericamente não é comparável” à relevância que a CNT e o movimento libertário alcançaram no final daqueles anos 70, mas também valoriza que “na última década, a CNT tem feito um esforço para se multiplicar em nível sindical e marcar presença em diferentes setores trabalhistas muito precários, a partir de um prisma de montagem, horizontalidade e ação direta”.
Fonte (mais fotos): https://www.elsaltodiario.com/fotografia/el-album-de-fotos-de-cnt-en-la-transicion?fbclid=IwAR3BxsXSoYPERImFok4-irkZKYixb_LLp1q4egwOTMfHCzu3Ns-SSCQ9PIo
Tradução > GTR@Leibowitz__
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!