Esse cara não tem postura punk DIY de fato: se tivesse, não tinha se vendido para grandes gravadoras, como exemplifica, por exemplo, a postura da banda anarcopunk Discarga Violenta (considerada uma das maiores referências no meio anarcopunk internacional), que ainda nos anos noventa recebeu um convite da gravadora Banguela, dos Titãs, e rejeitou sem pestanejar.
A rejeição anarquista à política eleitoral não é uma postura meramente circunstancial, é uma afirmação prática da compreensão profunda de que, por dentro do sistema, as de baixo continuarão sempre à mercê dos caprichos das de cima, sem nenhum poder de intervenção de fato sobre suas vidas coletivas, a não ser a doce ilusão de que participar de rituais sufragistas periódicos lhes confere algum espaço decisório quando, na verdade, quem define realmente o jogo é o grande poder econômico, que detém força midiática suficiente para formar a opinião pública (não é à toa que Walter Clark, em seu livro sobre a história secreta da Rede Globo, revela que Roberto Marinho costumava bradar nos corredores das empresas Globo: “quem escolhe o presidente do Brasil sou eu!”).
A postura anarquista coerente de fato, neste momento, será aquela expressa pela frase “vença quem vencer, as ganhadoras serão as mesmas: bancos, grandes empreiteiras, agronegócio, indústria bélica, indústria farmacêutica.”
Não deve ser por “analfabetismo político” que o comportamento eleitoral (demonstrando pelos números da participação em eleições durante as últimas décadas) das sociedades de boa parte dos países europeus “mais democráticos do mundo” vem demonstrando uma tendência inequívoca de queda progressiva e exponencial da participação do eleitorado nos rituais sufragistas periódicos (conforme atestam pesquisas sobre os índices de confiabilidade das instituições ditas “democráticas” do mundo, tal como algumas realizadas pela Transparência Internacional): a longa experiência daquelas sociedades com governos de todas as orientações políticas tem lhes demonstrado na prática que, “vença quem vencer.”
Para citar artistas brasileiros verdadeiramente anarquistas: como disse Belchior em uma famosa entrevista para a Revista “Música”, “o ser humano moderno está submetido a estruturas de poder que o infantilizam, e o poder é avarento por natureza, corrompe, não quero fazer parte de nenhum partido político”; e (para arrematar) Raul Seixas declarou (também em uma famosa entrevista para a televisão) “eu não voto, eu sou anarquista.”
O sistema está em rota de tragédia em nível globalizado (aquecimento global irreversível, tendência irrefreável ao desemprego universalizado pela crescente automação do mundo do trabalho, processo acelerado de esgotamento dos recursos naturais etc.), e essa tragédia que bate às nossas portas é fruto da própria “natureza” do sistema – do modo de funcionamento próprio do caráter concentrador de poderes do capitalismo e do Estado, e de sua lógica produtivista e consumista, que é a “ideologia” comum a todos os governos – e não será revertida pela mera mudança de governos.
Pensar resolver pela mera mudança de governos as questões críticas pelas quais – não apenas o Brasil, mas o mundo globalizado – passamos neste momento histórico, só poderá produzir, no máximo, um curto lapso temporal de uma ilusão de mudança, que se desmanchará rapidamente, tal como se desmanchou repentinamente a ilusória bolha de consumismo criada durante os governos do PT no Brasil, cumprindo assim o danoso papel de perpetuação do sistema pela manipulação social via polarização dos sentimentos do medo X esperança.
Como disse Raul: “tem gente que passa a vida travando a inútil luta contra os galhos, sem saber que é na raiz que está o coringa do baralho.”
Epílogo:
Resposta a um “comentário crítico” publicado por alguém na página de facebook “Anarquismo em Foco”, abaixo deste meu texto de crítica ao peleguismo de João Gordo (os argumentos do “comentário crítico” podem ser deduzidos a partir dos meus argumentos de resposta a ele):
1 – São todos genocidas: ou você não sabe do ecogenocídio cometido pelos governos do PT contra milhares de moradores de comunidades tradicionais (indígenas e ribeirinhos) que viviam na região do Rio Xingu, expulsos de suas casas à base de incêndios para abrir caminho para a construção da mega hidrelétrica de Belo Monte; não sabe sobre a cruel repressão promovida pelos governos do PT contra os Guaranis Kaiowas no MS, com direito a envio de equipes de três forças federais e tiros contra mulheres e crianças; não sabe sobre o recrudescimento da violência nas favelas promovido pelas políticas de militarização das periferias durante os governos petistas via UPP’s e ocupações de forças militares para “garantia da segurança” dos mega eventos (copa da FIFA, Olimpíadas) etc.?
2 – O que acontece nesses países onde muita gente não vota não é uma revolução ainda (mas o primeiro passo para isto já está dado: a crescente perda de credibilidade do sistema) porque pseudo anarquistas como você (caso você não se identifique como anarquista, então o que faz numa página como esta?) ficam tentando resgatar a credibilidade dos políticos e promovendo esse discursinho marxista aí de que anarquismo é “utopia”;
3 – Se votar mudasse realmente algo, então as alegadas “mudanças” promovidas pelos governos do PT teriam sido de fato permanentes, e não teriam simplesmente se desmanchado no ar tão repentinamente quanto uma bolha estoura ante uma mínima mudança de pressão: a postura anarquista coerente pode ao menos alertar às de baixo para o caráter falacioso das “mudanças” propostas pela via desse “vai e vem” de governos que, igual a couro de p…, no final só dá em gozada na cara do povo.
Mas, para quem gosta disto…
V.C.C.O.
agência de notícias anarquistas-ana
em rincões e esquinas
frios cadáveres:
flores de ameixeira
Buson
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!