[Espanha] Javier Alcade: “Anarquistas e esperantistas compartilham ideais”

O cientista político Javier Alcalde disseca a relação entre o movimento libertário e a busca de uma linguagem universal no livro ‘Esperanto i anarquisme: els orígens (1887-1907)‘.

Por Jordi de Miguel | 22/05/2022

Quando, como e por quê o anarquismo adotou o esperanto como signo de identidade? Qual foi o papel dessa linguagem universal durante a Guerra Civil? Como é possível que os historiadores não tenham parado para analisar a estreita relação entre os dois movimentos? Por meio de pesquisas pioneiras, o cientista político Javier Alcalde (Barcelona,​​1978) responde a algumas dessas questões em Esperanto i anarquisme: els orígens (1887-1907) (Edicions Malcriàs d’Agràcia, 2022). As outras questões são abordadas nesta conversa.

Em 1910, em seu congresso de fundação, a CNT incentivou seus membros a aprender o esperanto. Por quê?

Os anarquistas precisavam fazer contatos em todos os lugares, porque sua revolução era internacional, e o fato de haver um ou dois poliglotas, que normalmente não eram trabalhadores e acabavam impondo sua agenda, não os convenceu. Eles não acreditavam na vanguarda do proletariado, acreditavam que qualquer pessoa deveria poder interagir com qualquer outra sem intermediários. Agora pode parecer um pouco ingênuo falar de fraternidade global e uma linguagem universal, mas então havia dezenas de grupos esperantistas libertários ao redor do mundo, não era uma utopia. Ambos os movimentos compartilham ideais.

O inventor do esperanto, Ludwik Zamenhof, não era um libertário.

Ele era um médico judeu da pequena burguesia que, ao criar os fundamentos da língua em 1887, não pensava nos trabalhadores, mas nos problemas em torno das línguas que os judeus viviam na Europa. Mas numa carta desse mesmo em 1910 diz estar convencido de que o futuro do esperanto está ligado ao do movimento operário, porque foi aquele que melhor pôde compreender a utilidade e a ideologia por trás dele.

No livro ele explica que, antes do surgimento do esperanto, o movimento operário já tinha em pauta o debate sobre a necessidade de compartilhar uma língua universal.

Você tem que pensar que ao longo da história houve centenas de tentativas de criar uma linguagem universal. Nos séculos XVIII e XIX, muitos matemáticos e filósofos viram isso como evidente. No início do século 20, se você queria ser um cientista e se manter atualizado com o que estava sendo feito em todos os lugares, você tinha que saber inglês, alemão, francês, russo… socialistas utópicos que queriam construir um mundo mais justo, pacífico e sem fronteiras: como as pessoas se entenderiam? Os anarquistas são continuadores dessa tradição. A questão também é discutida nos congressos da Primeira e da Segunda Internacionais. A língua mais utilizada nesse tipo de reunião era o francês, mas é uma língua muito irregular. Por isso, foi solicitada a simplificação de sua ortografia enquanto o processo rumo a uma linguagem universal não estava consolidado.

Ele também menciona que, de fato, outra língua universal circulava naqueles anos, o volapük. Porque não funcionou?

Era o projeto de linguagem mais desenvolvido até então, mas não era muito intuitivo, era baseado em alemão e inglês e o padre que o criou em 1879 não estava aberto a modificações. O esperanto era mais regular, intuitivo e fácil de aprender, mas mesmo depois apareceria outra língua, o Ido, que é um esperanto reformado: estima-se que na França e na Espanha, 25% dos líderes anarquistas o preferiram.

Por quê?

O movimento esperantista era plural e transversal. Em um primeiro estágio, antes de ser defendido pelo movimento operário, há muitos burgueses militares, religiosos e progressistas que o fazem seu. Pi i Margall é um deles. Alguns líderes anarquistas dizem que se o esperanto for ensinado nas Câmaras de Comércio, se beneficiar o dono da fábrica, não será mais benéfico para eles. De qualquer forma, quando o Ido apareceu em 1907, o esperanto já era muito difundido.

Como o esperanto entra na Catalunha? Onde e como você estuda?

A primeira associação foi criada em 1904 em Ceret, na Catalunha Nord. Então se espalha, sobretudo, onde o movimento operário tem mais presença: Sabadell (a primeira cidade do mundo a dar o nome de rua a Zamenhof), Terrassa, Barcelona… iam ao Ateneu, à seção sindical ou ao centro operário e estudavam esperanto em grupo. Imediatamente começaram a se corresponder com trabalhadores de outros países e a correspondência também foi lida em grupo. Era algo completamente normal e habitual.

Qual o papel do Esperanto durante a guerra civil?

O período entre as guerras foi a idade de ouro do esperanto. Seu uso foi até mesmo levantado na Liga das Nações. Na Catalunha, durante a Revolução e a Guerra, todos os atores relevantes do campo republicano usaram o esperanto para explicar o que estava acontecendo no exterior. A rádio CNT-FAI tinha programação constante em catalão, espanhol e esperanto. Para a Generalitat, o esperanto está abaixo do francês e do inglês, mas acima de outras línguas. O POUM publicará seu boletim internacional em francês, italiano, alemão, holandês e esperanto. O PSUC também o usará. Centenas de esperantistas de todo o mundo vieram lutar na Catalunha, o esperanto também desempenhou seu papel nesse sentido.

E por quê os historiadores não falam sobre ele?

Francamente, não sei. Uma hipótese é que eles não têm informações suficientes ou não sabem como interpretá-las. Mas a hipótese que considero mais sólida é a do “presentismo histórico”: alguns historiadores olham o passado com os olhos do presente. Como hoje há uma percepção, discutível, mas talvez correta, de que o esperanto é um assunto marginal, eles consideram que sempre foi.

Que relação existe hoje entre os dois movimentos?

Há mais conexão do que parece. Há simpatia do mundo libertário pelo esperanto, sem conhecer muito bem a história que os une. Nem os esperantistas conhecem sua história, realmente. Mas tanto um quanto o outro ainda existem e estabelecem redes de solidariedade.

Fonte: https://www.publico.es/culturas/javier-alcalde-anarquistas-esperantistas-comparten-ideales.html

Tradução > GTR@Leibowitz__

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Alonso Alvarez