[Espanha] Lucy Parsons, o último dinossauro de Chicago

Ofuscada pela morte de seu marido, a vida dessa sindicalista revolucionária abrangeu os melhores anos da esquerda nos Estados Unidos.

Por Eduardo Pérez | 29/07/2024

Carter Harrison, o prefeito de Chicago, observa a multidão a uma distância segura, sentado confortavelmente no banco de trás de seu carro. Desde o incidente em Haymarket, essa data sempre lhe dá dor de cabeça. Primeiro de maio, problema na certa. Nessa ocasião, em 1893, Harrison está moderadamente otimista. No que ele vê como uma demonstração de magnanimidade, ele permitiu que Lucy Parsons, aquele demônio em forma de mulher, fizesse uso da palavra. Ela, em uma demonstração de contenção que – ele deve admitir – o surpreende favoravelmente, cedeu à única condição estabelecida pelo prefeito: ele não deve ser mencionado em seu discurso. As ideias de Lucy Parsons deixam boa parte das autoridades dos EUA de cabeça para baixo. De acordo com uma citação amplamente atribuída ao Departamento de Polícia de Chicago, ele a considera “mais perigosa do que mil insurreicionistas”. Harrison espera tê-la domado, pelo menos por hoje.

Alguns minutos após o horário anunciado, uma mulher aparece no pódio. Tudo nela é escuro: cabelo, olhos, pele, vestido. Ela é tão magra que parece que uma brisa fria poderia levá-la embora. Quem dera fosse assim, pensa Harrison. A voz de Parsons, por outro lado, é poderosa desde sua primeira frase. “O prefeito de Chicago é pior do que um czar!”, ela grita. A multidão aplaude. “Merda!”, lamenta Harrison, antes de ordenar que o motorista se retire.

Os primeiros 20 anos de Lucy Parsons são uma charada envolto por uma incógnita coberta por um enigma. Ela nunca esclareceria completamente suas origens. Ela nasceu em 1851, ou talvez em 1849. Ela sempre negou ter ascendência africana. Afirmava que seu sangue era mexicano e nativo americano. Mais tarde usaria vários sobrenomes, mas o nome inicial mais plausível é Gathings, o sobrenome de seu proprietário. Parece que Lucy nasceu escrava na Virgínia e depois foi vendida e levada para o Texas. Após a emancipação dos escravos, quando adolescente, ela vive em Waco com outro ex-escravo 20 anos mais velho que ela. É lá que ocorre o evento que marcará sua vida, levando-a a uma dimensão desconhecida e, ao mesmo tempo, mantendo-a, como tantas outras mulheres, à sombra de uma presença masculina até os dias atuais.

Trata-se do encontro dela com Albert Parsons, um jovem branco que, depois de lutar do lado perdedor na Guerra Civil, tornou-se jornalista e republicano radical, ou seja, a seção do partido que defende com mais veemência a igualdade racial. Eles moram juntos, ela adota o sobrenome dele e, em sua versão, eles se casam, embora isso seja duvidoso, dada a existência de leis que proibiam casamentos interraciais. Por volta de 1873, eles se mudam para Chicago, uma grande cidade industrial em plena expansão após o terrível incêndio de 1871. Os Parsons vão se posicionando cada vez mais à esquerda, participando dos primeiros partidos socialistas e da grande greve dos trabalhadores de 1877, que terminou em derrota. Em uma época em que o socialismo era considerado uma grande família com diferentes táticas e, às vezes, com fronteiras internas confusas, Lucy e Albert tenderam gradualmente para o campo anarquista, que considerava que não havia necessidade de participar das instituições do governo e que o próprio governo deveria ser abolido. Albert funda a seção local da International Working People’s Association [Associação do Povo Trabalhador Internacional] e o jornal The Alarm [O Alarme].

Nesse período, Lucy Parsons demonstra que não é apenas “a companheira de”. Ela não era um apêndice de seu marido, mas uma ativista e pensadora por direito próprio. Juntamente com outras importantes sindicalistas da época, como sua amiga Lizzie Holmes, ela organiza o Chicago Working Women’s Union [Sindicato de Mulheres Trabalhadoras de Chicago]. Ela tinha o hábito de se dirigir às massas em grandes comícios dominicais às margens do Lago Michigan. Será como colunista de jornal que ganhará mais destaque, descrevendo as condições de vida precárias dos trabalhadores, atacando as classes proprietárias e incentivando a organização de classes por meio de sindicatos. Embora na Europa houvesse uma divisão entre os revolucionários que defendiam a ação pública e coletiva e aqueles que optavam pela ação violenta individual ou de pequenos grupos, Parsons concordava com ambas. De fato, um de seus artigos mais famosos, que chegou a vender 100.000 exemplares do The Alarm, incentivava os vagabundos a aprender a usar dinamite.

1886 seria um ano crucial na vida de nossa protagonista, ligada desde então ao destino de seu marido. Em um cenário de grandes greves pela jornada de oito horas, em 4 de maio, uma bomba explode na Haymarket Square, em Chicago, após um comício no qual Albert Parsons e outros líderes haviam discursado. Embora não se prove que nenhum dos oito acusados (todos homens, Lucy e Holmes são poupados porque é muito ultrajante executar uma mulher) esteja envolvido no atentado, todos são condenados e quatro deles, incluindo Albert, são executados por enforcamento. Eles entrarão para a posteridade como “os mártires de Chicago”.

Parsons, agora viúva, multiplica sua atividade propagandística na imprensa e em eventos públicos que, muito ocasionalmente, levaram à sua prisão, especialmente em Chicago. Ela também esteve envolvida em eventos importantes da história social dos Estados Unidos, como a fundação da Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW). Aos 90 anos, ela morreu em um incêndio em sua casa. O médico Ben Reitman, outro herói dos pobres, discursou em seu funeral, chamando-a de “o último dos dinossauros, aquele valente grupo de anarquistas de Chicago”. Desde então, seu corpo foi enterrado no Cemitério Alemão em Waldheim, o local de descanso dos mártires de Haymarket e de outros grandes rebeldes.

Fonte: https://www.elsaltodiario.com/contigo-empezo-todo/lucy-parsons-ultimo-dinosaurio-chicago

Tradução > anarcademia

agência de notícias anarquistas-ana

Janelas fechadas.
Lá fora, uma frente fria
pedindo passagem.

Renata Paccola

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