Temos o prazer de apresentar nosso último trabalho, “The Great Anarchist Conspiracy” [A Grande Conspiração Anarquista], um documentário que descreve a resistente sobrevivência do anarquismo desde 1890 até os anos 70. O fato de que estás lendo isto, e de que muito provavelmente sejas anarquista, é uma prova de que nosso movimento internacional sobreviveu a todas as tentativas de esmagá-lo.
Este documentário se centra primeiro em Sante Geronimo Caserio, o anarquista italiano que assassinou Sadi Carnot, o Presidente francês, em Lyon em 1894. Seu ato foi só um de uma longa sequência de assassinatos dirigidos aos poderes dominantes da terra, a maioria deles ainda reis e imperadores. Após o assassinato de Sadi Carnot, o Estado italiano condenou um anarquista chamado Pietro Gori por inspirar o transcendental ato de Sante Geronimo Caserio. Em lugar de passar cinco anos no cárcere, Pietro Gori fugiu para o norte, a Suíça, e viveu em Lugano durante vários meses antes de ser finalmente deportado por suas crenças em 1895. Ainda que não seja muito conhecido fora da Itália, Pietro Gori foi um dos anarquistas mais famosos de sua época, compositor, músico, orador, ator, escritor e advogado que soube transmitir a ideia anarquista a dezenas de milhares de pessoas. Expulso tanto da Itália como da Suíça, Pietro Gori aproveitou ao máximo seu exílio e viajou à América do Norte em 1896, onde deu mais de 400 conferências e atuações. Em cada cidade desta turnê, Pietro Gori deixou atrás de si um novo grupo anarquista, cada um deles conectado com camaradas de todo o mundo.
Uma das paradas mais importantes de Gori foi à longínqua cidade portuária de São Francisco (Califórnia), onde ajudou a reunir os anarquistas locais após anos de repressão e lhes inspirou para pôr em marcha várias iniciativas novas após sua saída da cidade. Suas conferências e atuações foram publicadas nos diários de São Francisco, o que deu ainda mais publicidade ao movimento, e Gori foi descrito como uma exótica celebridade estrangeira. A seu lado estava uma mulher chamada Bianca Gaffe (nome fictício), hábil oradora, atriz e organizadora anarquista que compartilhava o cenário. Dois anos depois destes acontecimentos, Bianca fundaria uma comuna chamada Novo Ideal, na costa de São Francisco. Dezessete anos mais tarde, sua sobrinha Isabelle Lemel Ferrari daria à luz ali a sua filha, uma menina a que chamou Fulvia, e pouco depois partiria para lutar junto aos anarquistas ucranianos.
Em sua obra clássica Nestor Makhno: O cossaco da anarquia, Alexandre Skirda cita o testemunho de um homem que viu como o Exército Negro anarquista tomava a cidade de Dnipropetrovsk em 1919. Em outubro de 1919, Isabelle Lemel Ferrari foi uma dessas “jovens amazonas vestidas de negro” que tomaram uma cidade de quase 200.000 habitantes. Naquele momento, “a insurgência estava em seu ponto mais alto, com quase 80.000 combatentes e o controle de quase todo o Sul da Ucrânia”. Dois anos mais tarde, sua insurgência foi esmagada pelo Exército Vermelho e os anarquistas sobreviventes cavalgaram para o leste, em direção à Romênia, inimiga dos bolcheviques. Néstor Makhno foi capturado na fronteira romena junto com menos de duzentos combatentes, todos eles foram logo internados em um campo de concentração. Centenas de pessoas que escaparam à matança da Ucrânia “apareceram mais tarde na Romênia ou Polônia, e alguns emigraram inclusive mais longe, à Alemanha, França, Canadá e outros lugares”. Enquanto os bolcheviques suplicavam por rádio às autoridades romenas que extraditassem Néstor Makhno de volta à Rússia, Isabelle Lemel Ferrari seguia lutando, de alguma maneira.
Segundo as lendas, Isabelle era responsável por cada soldado do Exército Vermelho desaparecido, de cada oficial do Partido assassinado e de cada tanque em chamas. 300.000 anarquistas acabavam de morrer no Sul da Ucrânia junto com mais de um milhão de seus habitantes, e o desejo de vingança de Isabelle não devia ter limites. Temerosos de que a Ucrânia se sublevasse no futuro, os novos governantes da URSS fomentaram abertamente o nacionalismo cultural, permitiram a formação de uma igreja ortodoxa ucraniana e outorgaram mais liberdade que em outras regiões. Houve muitos ucranianos que haviam dado refúgio e apoio a Isabelle, ainda que não haja evidências de quem foram, dado que nunca foi capturada. Sabe-se que no inverno de 1930 começou um levante armado que se estendeu por toda a Ucrânia e desencadeou uma onda de repressão militar nessa mesma primavera. Diz-se que Isabelle participou na revolta, sobreviveu e chegou a Kiev justo antes que Stalin desatasse uma onda de terror na Ucrânia. Centenas de pessoas foram detidas, desaparecidas, julgadas ou executadas nos meses que se seguiram à revolta, ainda que nunca se saiba quantas. Entre 1932 e 1934, milhões de ucranianos morreram deliberadamente de fome como castigo por sua contínua rebelião. Em algum momento de 1931, antes que se produzisse o genocídio de Stalin, Isabelle desapareceu de Kiev, apareceu na Romênia e foi vista pela última vez na Polônia, país onde sua filha Fulvia acabou vindo buscá-la.
Não se sabe o que fez Isabelle entre 1931 e 1938, e nem sequer Fulvia foi capaz de encontrá-la. Nesta busca de sua mãe, foi testemunha do terror da ditadura de Stalin, viu o que o governo havia feito à Ucrânia e seguiu um rastro de sussurros através da fronteira, primeiro com a Romênia e depois com a Polônia. Fulvia estava em Varsóvia quando os nazis invadiram o país em 1939 e finalmente foi capturada sem encontrar sua mãe. Após ser enviada a um campo de concentração alemão, Fulvia passou os anos seguintes sobrevivendo detrás das cercas de arame, sem encontrar nunca a oportunidade de escapar. Após a liberação do campo em 1945, Fulvia inventou uma nova identidade italiana, se reinstalou em Roma e regressou a São Francisco em 1947. Na ocasião, o mundo de sua mãe Isabelle havia ficado quase totalmente destruído pela guerra. Fulvia tinha 32 anos.
Como tentamos mostrar em nosso documentário, o movimento anarquista posterior a Segunda Guerra Mundial estourou em todo o mundo durante os anos 60 e 70, uma época na qual Fulvia esteve muito ativa, junto com milhares de pessoas mais. Nosso documentário se centra sobretudo no falsificador anarquista Lucio Urtubia, o guerrilheiro anarquista Francisco Sabaté, o militante anarquista Octavio Alberola, o Grupo Primeiro de Maio e a Angry Brigade [Brigada Furiosa], pessoas que mantiveram viva a chama do anarquismo e asseguraram que seguisse existindo hoje em dia. Fulvia Ferrari foi uma destas pessoas e viveu em São Francisco ininterruptamente desde 1962 até 1978, quando se viu obrigada a fugir da Califórnia. Na idade de 63 anos, Fulvia desapareceu da cidade de sua mãe e nunca voltou a vê-la. Naquele momento, o anarquismo internacional havia emergido das chamas da Segunda Guerra Mundial e seguiria crescendo durante as décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010. Contra todo prognóstico, os anarquistas mantiveram viva a chama, e a maioria de seus nomes passaram ao esquecimento da história. A Isabelle Lemel Ferrari e Fulvia Ferrari só se as conhecem por seus nomes falsos, os escolhidos deliberadamente para o consumo público, e temos a sorte de poder dar uma olhada em suas estranhas e tumultuadas vidas. Esperamos que nosso documentário revele com que força bateu o coração do anarquismo durante mais de duzentos anos, alimentado pelas ações destes homens e mulheres normais.
>> Assista ao filme aqui:
https://archive.org/details/thegreatanarchistconspiracy
Fonte: https://thetransmetropolitanreview.wordpress.com/2019/07/26/the-great-anarchist-conspiracy/
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
O sol é o mesmo
A água é a mesma
—Eu é que sou a lesma!
Rubens Jardim
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!