[África do Sul – França] Breyten Breytenbach: Anarquista cosmopolita de Boland

Por Andries Bezuidenhout | 28/11/2024

Eu recebi a notícia de que Breyten Breytenbach faleceu no domingo. Naquela noite, saímos de Dikeni (Alice), onde moramos, rumo a Hogsback. Comigo estavam minha esposa Irma e nossa amiga Vangile, que estava visitando de Tshwane.

Enquanto seguíamos o caminho pelas Montanhas Amathole, ouvimos o álbum falado de Breytenbach, Lady One. Seus cantos budistas soavam como se de alguma forma pertencessem às colinas verdes e vilarejos do Cabo Oriental.

Em Hogsback, em um restaurante, pedimos uma boa garrafa de vinho tinto para acompanhar nossa refeição. Breyten era bolandês e apreciava a produção das vinícolas locais. Ao derramar um copo de vinho no chão, recitei um de seus poemas, intitulado 26 de Novembro de 1975.

“Camagu”, respondeu Vangile, usando uma palavra em isiXhosa para honrar os antepassados.

Breytenbach tinha 85 anos. Eu esperava que ele vivesse por muito mais tempo, pois, quando o vi pela última vez na África do Sul, ainda se movia como um rapaz.

Atribuí isso a um vitalício regime de yoga. Não sabia que ele havia sofrido de câncer. Algumas semanas atrás, ele caiu, o que acelerou seu falecimento. Ele morreu em Paris, com sua esposa Huâng Liên Ngo, conhecida por muitos como Yolande, ao seu lado.

De muitas formas, Breyten é um ancestral e um modelo para aqueles de nós que não se encaixam no antigo molde do afrikanerismo. Ele era ferozmente africâner, mas para ele, o africânerismo dizia respeito a todos aqueles que falavam essa língua crioula. Ele era ao mesmo tempo cosmopolita e profundamente enraizado no Boland.

Como artista, sua poesia e suas pinturas são sublimes. Ele é, sem dúvida, um dos maiores poetas da língua africâner, ao lado de Antjie Krog.

Como ativista, teve uma relação complicada e difícil tanto com o regime do apartheid quanto com o movimento de libertação.

Breytenbach nasceu em Bonnievale em 16 de setembro de 1939. Seus pais eram Hans e Kitty Breytenbach, e ele tinha como irmãos Jan, Cloete, Sebastiaan e a irmã Rachel. Breyten foi o último dos irmãos a falecer.

Ele cresceu em Wellington, onde a família administrava uma loja e uma pensão até 1970. Após concluir o ensino médio em 1957, estudou artes plásticas e línguas na Universidade da Cidade do Cabo e na Michaelis.

Em Cape Town, fez amizade com pessoas como Jan Rabie e Marjorie Wallace; Peter Clarke; Ingrid Jonker; Abraham de Vries e Marius Schoon.

Essas amizades moldaram sua vida e se tornaram a espinha dorsal do que mais tarde foi chamado de Sestigers, um grupo de escritores africâneres progressistas que se opunham ao apartheid na própria língua do sistema.

Em 1960, Breytenbach partiu para a Europa de barco, estabelecendo-se em Paris para continuar seus estudos e se firmar como artista visual. Enquanto estudava na Sorbonne, conheceu Yolande, cujos pais vietnamitas trabalhavam em Paris.

Casaram-se em Londres em 1962 e compraram um pequeno apartamento em Paris. Breyten também se envolveu no movimento anti-apartheid.

Nessa época, sua identidade profissional primária era como artista visual, mas após uma intervenção do escritor africâner Chris Barnard, um conjunto de escritos de Breyten foi enviado para publicação na África do Sul.

Em 1964, um livro de poesias, Die Ysterkoei Moet Sweet (a vaca de ferro deve suar), e um livro de contos, Katastrofes (catástrofes), foram publicados. Ambos ganharam prêmios literários, o que trouxe um impulso financeiro necessário em Paris e considerável reconhecimento na África do Sul.

Breytenbach tornou-se uma figura pública influente no establishment da língua africâner, embora como um crítico de fora. Seus escritos foram submetidos à censura do apartheid e ele foi ignorado por prêmios literários como o Prêmio Hertzog, o mais prestigiado prêmio de língua africâner.

De forma polêmica, Breyten e Yolande tiveram os vistos negados para visitar a África do Sul, já que seu casamento era ilegal sob a Lei de Casamentos Mistos de 1949.

Quando, finalmente, Breyten visitou o país em 1973, fez um discurso dizendo que os africâneres eram um “povo bastardo com uma língua bastarda” e que isso era algo belo. Os africâneres tinham que ser o “adubo” que daria vida ao decompor-se.

Isso causou grande ofensa e consternação no establishment nacionalista africâner.

Na França, Breytenbach participou da criação de uma organização chamada Okhela, com outros africâneres anti-apartheid. A organização estava associada de forma vaga ao ANC (Congresso Nacional Africano) no exílio, mas não fazia parte de suas estruturas de comando.

Em 1975, Breytenbach foi para a clandestinidade e visitou a África do Sul com um passaporte falso como “Christian Galaska”, com o objetivo de estabelecer elos entre financiadores europeus e o emergente movimento sindical.

No entanto, ele foi preso e condenado. O poema que recitei em Hogsback foi escrito por ele enquanto o juiz lia a sentença.

A prisão significou dois anos de confinamento solitário, sendo permitido escrever, mas não pintar. Quando sua mãe faleceu em 1978, a permissão para comparecer ao funeral foi negada.

No dia que ele recebeu a notícia de sua morte, seu guarda manteve a luz em sua cela acesa, observando-o pelo olho mágico durante a noite toda.

A poesia que escreveu na prisão ganhou prêmios no exterior, mas foi proibida na África do Sul.

Sua libertação ocorreu em 2 de dezembro de 1982, após pressão do governo francês. Breytenbach retornou a Paris e se tornou cidadão francês em 1983.

Seu livro de memórias escrito na cadeia, Confissões verdadeiras de um terrorista albino (True Confessions of an Albino Terrorist, 1984), ainda é seu livro mais lido globalmente.

Eventualmente, em 1984, Breyten foi premiado com o Prêmio Hertzog, mas recusou-o, dizendo que se recusava a aceitar o prêmio enquanto Nelson Mandela ainda estivesse preso.

No final dos anos 1980, ele teve um papel fundamental, ao lado de pessoas como Frederik van Zyl Slabbert, na criação de uma comunicação não patrocinada pelo Estado entre o ANC e figuras dissidentes africâneres.

Isso culminou no famoso encontro de 1987 em Senegal, chamado pela imprensa africâner hostil de “Safari de Dakar”.

Em 1993, Breytenbach exibiu suas pinturas e esboços na África do Sul pela primeira vez. Em um ensaio de catálogo no livro Painting the Eye, ele escreveu:

“Apenas a anarquia pode nos salvar do caos. Nossa inocência foi acreditar na bondade do espírito humano e na perfeição do intelecto humano. A anarquia que estou propondo tem a ver com a incessante interrogação de todas as formas e exercícios de poder.

“A condição humana, no que me diz respeito, deveria ser esse momento auto-incendiário de insurreição e zombaria no vazio do não-tempo.

“Você tem que trabalhar através das camadas da pintura para atingir a nudez do não-ser. Ao longo do caminho, o ‘eu’ deve ser incessantemente inventado, mesmo que seja apenas para ter um (desintegrado) posto de observação.”

Este ensaio dá uma ideia de como Breytenbach conectava produções criativas à política — ele não era alguém que se submetia à disciplina ou controle político.

Tanto que, nos anos 1990, ele criticou publicamente o novo governo do ANC por tendências autoritárias e corrupção. Também recebeu várias honrarias internacionais, inúmeras para listar.

Mas, mesmo enquanto defendia o africâner como uma língua inclusiva, continuava a causar consternação em seu establishment cultural.

Sua peça, Boklied (canto da cabra), apresentada em 1998, causou um grande tumulto, com Breytenbach jurando nunca mais publicar em africâner.

Como Charl Blignaut escreveu então neste jornal sobre a estreia no Klein Karoo Kunstefees: “Se podia sentir no ar muito antes de o jovem ator negro no palco decidir abandonar seu casaco e o dildo falso e se estabelecer em seu papel como Ritsos … completamente nu. Antes, mesmo, de ele e Isis começarem a explorar o traseiro nu de Tereus, enfiando uma pena nele enquanto a drag king Antoinette Kellerman como Farenj devastava a pequena Grethe Fox, Madonna ao fundo.”

Nesse contexto, quando ele foi premiado novamente com o Prêmio Hertzog em 1999, Mandela telefonou para pedir que ele aceitasse, o que ele fez. No entanto, em 2005, ele recusou um prêmio do então ministro de cultura e artes Pallo Jordan.

Nos anos 2000, ensinou escrita criativa em Nova York e manteve seu envolvimento com o Instituto Goreé em Dakar. Também lançou vários álbuns, com colaborações de palavras faladas com músicos.

Organizou festivais literários, frequentemente com poetas de países onde foram presos e perseguidos. Sua amizade próxima com o poeta palestino Mahmoud Darwish significava que ele adotava uma posição pública e principiada contra Israel.

Em fevereiro de 2007, a casa de infância de Breytenbach em Wellington foi convertida em um centro comunitário e ainda opera como um centro para arte, literatura e artes cênicas.

Na África do Sul, ele é mais conhecido como poeta e ativista, na França como pintor. Seus volumes de poesia frequentemente incluíam imagens e suas pinturas, textos, enquanto seus e-mails liam-se como poemas.

Breytenbach foi um ser humano verdadeiramente excepcional, cuja vida e espírito criativo mostraram que a imaginação artística é por necessidade tanto pessoal quanto política.

Andries Bezuidenhout é acadêmico, poeta, músico e artista.

Fonte: https://mg.co.za/friday/2024-11-28-breyten-breytenbach-cosmopolitan-anarchist-from-the-boland/

Tradução > Alma

agência de notícias anarquistas-ana

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Rosalva

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