
Por Luene Karipuna | Oiapoque-Amapá
Morei a maior parte da minha infância numa aldeia chamada Encruzo, na Terra Indígena Uaçá, no município de Oiapoque. Tenho boas lembranças da minha aldeia: cheiro de lama, o vento que vinha do mar, a pororoca, o peixe assado, as histórias do meu avô. Ele sempre nos ensinou a respeitar o rio e os Karuanas. Os Karuanas são seres sobrenaturais, que se conectam com os pajés e vivem no Outro Mundo, onde são gente como nós. Apenas os pajés conseguem vê-los e se comunicar com eles. Os Karuanas vêm do mar, dos rios, dos lagos, da mata e do espaço. São espíritos de Aves, Cobras, Peixes, Árvores e Estrelas. Eles são responsáveis por nos curar e manter o equilíbrio entre o nosso mundo e o mundo deles.
Quando criança nós aprendemos a respeitar as regras – a gente não podia pular no rio às 6 da manhã, ao meio-dia ou às 6 da tarde. Nosso avô dizia que nesses horários a gente perturbava o descanso dos Karuanas, pois eles também precisavam dormir. Ele nunca se referia aos Karuanas como espíritos, mas sim como gente, pessoas que cuidavam de nós.
Por esse conhecimento ancestral sou contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Os Karuanas são extremamente importantes para o equilíbrio da vida. Sem eles, nós ficamos enfraquecidos. Quando operações como a exploração de petróleo chegam aos lugares onde moram os Karuanas e incomodam a casa deles, eles vão embora e se afastam. E nossa conexão se enfraquece. Com isso, vamos adoecendo espiritualmente.
Meu avô sempre nos ensinou que precisamos respeitar os Karuanas. Por toda a minha vida eu aprendi isso. Não consigo sequer imaginar o que é viver em um lugar morto de espírito, onde a ganância é soberana, onde todos os ensinamentos do meu povo correm perigo, onde eu não possa mais sentir os Karuanas. Onde o brincar na lama e tomar banho de rio não são mais possíveis. Eu me recuso a viver em um lugar onde meus sobrinhos não possam ver esses lugares sagrados e não possam aprender sobre os Karuanas.
A vida não pode ser determinada pela ganância dos humanos. Vejo todas as minhas memórias de infância correndo risco de não ser mais realidade: comer Caranguejo e Caramujo, cair na lama com meus pais e irmão, pegar Akari, um peixe cascudo. Por muitos anos eu acreditei que nunca iria sentir esse medo de perder tudo em um piscar de olhos. Mas hoje vivo com medo todos os dias.
Eu sou contra a exploração de petróleo porque ela ameaça o território e a história do meu povo. Eu sou contra a exploração de petróleo porque é ele o maior vilão na aceleração da crise climática. Eu sou contra a exploração de petróleo porque ela acabou com o nosso sossego. Eu sou contra a exploração de petróleo porque isso ameaça a vida dos Karuanas – e me ameaça.
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agência de notícias anarquistas-ana
sussurro um ruído
(farfalhar de qualquer folha
ao pé de um ouvido)
Bith
caralho... que porrada esse texto!
Vantiê, eu também estudo pedagogia e sei que você tem razão. E, novamente, eu acho que é porque o capitalismo…
Mais uma ressalva: Sou pedagogo e professor atuante e há décadas vivencio cotidianamente a realidade do sistema educacional hierárquico no…
Vantiê, concordo totalmente. Por outro lado, o capitalismo nunca gera riqueza para a maioria das pessoas, o máximo que ele…
Só uma ressalva: criar bolhas de consumismo (que foi o que de fato houve durante os governos Lula), como estrategia…